segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Lei do Vale Transporte é discriminatória e a concessão em espécie tem natureza salarial sim




As leis trabalhistas, sobretudo aqui no Brasil só atrapalham as relações de trabalho, sempre são criadas com propósitos corporativistas e eleitoreiros para agradar centrais sindicais, sindicatos e captar votos para políticos oportunistas. Isto porque são leis perenes, irrevogáveis, constitucionalizadas, que nunca acompanham a evolução tecnológica e a praxeologia econômica do mercado. O Vale Transporte é um bom exemplo de uma lei que já apodreceu e que atualmente não faz mais sentido. Aos fatos:


A concessão do Vale Transporte é determinada pela Lei nº 7.418/85 e regulamentada pelo Decreto nº 96.247/98. Estamos no ano de 2021 e de lá pra cá muita coisa mudou nas relações de trabalho. Enquanto a realidade é dinâmica, as leis trabalhistas não são, pois quando elaboradas, o seu alcance é apenas para solucionar a situação daquele momento e garantir votos para o legislador que pousa de “bom mocinho”. Tivemos reformas trabalhistas, alterações na legislação previdenciária, novas modalidades de trabalho, Home Office, uberização, terceirização, etc.


Porque a lei é discriminatória


A lei do Vale Transporte já nasceu discriminatória, ela excluiu o trabalhador que opta por se locomover com o seu veículo próprio para o trabalho, conforme artigo 3º e o parágrafo único do Decreto nº 96.247/98: Vejamos:


Art. 3° O Vale-Transporte é utilizável em todas as formas de transporte coletivo público urbano ou, ainda, intermunicipal e interestadual com características semelhantes ao urbano, operado diretamente pelo poder público ou mediante delegação, em linhas regulares e com tarifas fixadas pela autoridade competente.


Parágrafo único. Excluem-se do disposto neste artigo os serviços seletivos e os especiais.


Ora, quando a lei entrou em vigor não era tão fácil para o trabalhador adquirir um veículo. Hoje a realidade é bem diferente, o poder econômico aumentou substancialmente e as facilidades de financiamento permitiram que muitas pessoas adquirissem um veículo independente da profissão que elas exerçam. Muitos trabalhadores hoje preferem se deslocar até o trabalho com seu próprio veículo em razão do ganho de qualidade de vida ao invés de sofrer horas dentro de sucatões de trens, ônibus e metrôs lotados que não raro, estão sempre atrasados e apresentam defeitos fazendo com que o trabalhador chegue atrasado no trabalho e até mesmo seja despedido.


O valor gasto com combustível até o trabalho na verdade é praticamente similar ao valor gasto com a despesa de vale transporte, portanto, para o empregador faz pouca diferença em subsidiar esse valor para o trabalhador. Existe hoje a modalidade de carona compartilhada oferecida pelos aplicativos na qual funcionários de uma mesma empresa dividem a despesa do transporte. Esse valor poderia ser considerado como vale transporte. No entanto, a lei não permite, a lei é taxativa e restringe o vale transporte apenas para quem utiliza o transporte público, portanto, queira ou não, trata-se de uma lei discriminatória.


Porque conceder o Vale Transporte em espécie tem natureza salarial


Voltemos ao Decreto nº 95.247/98. O artigo 5º desse decreto diz:


Art. 5° É vedado ao empregador substituir o Vale-Transporte por antecipação em dinheiro ou qualquer outra forma de pagamento [...]


Pois bem, sabemos que existem duas exceções, uma é a opção pelo pagamento em espécie do Vale Transporte para o trabalho doméstico (artigo 19, § único da LC 150/2015) e quando o fornecimento em espécie está previsto em acordo ou convenção coletiva. Então, não há como deixar de perguntar: por que em algumas categorias profissionais existe o privilégio da permissão da empresa fornecer o vale transporte em espécie? Qual o motivo de trocar o carregamento do cartão de passagens por dinheiro? Fácil resposta: para dar um “plus” no salário do empregado aumentando a sua remuneração. Se ele vai utilizar esse “plus” para o transporte ou não é outra história.


Muitos empregados vão a pé ou pegam carona para o trabalho para gastar no que quiser o valor do vale transporte fornecido em dinheiro. Não vejo problema algum nisso, muitos trabalhadores necessitam desse “plus” salarial, ou seja, vale transporte convertido em espécie. E de novo, querendo ou não, pela lógica, trata-se sim de valor de natureza salarial (aumento de remuneração) ainda que no acordo ou convenção diga que não. Além disso, porque algumas categorias desfrutam desse privilégio e outras não? E aqui temos novamente uma flagrante situação de discriminação, afinal, não somos todos iguais perante à lei? Na questão do vale transporte algumas pessoas parecem que são mais iguais do que as outras.


Existem apenas duas maneiras de solucionar essa questão: assinale a resposta correta:


(a) Atualização urgente dessa lei para que ela seja compatível com a realidade atual e forneça também o subsídio para quem utiliza veículo próprio ou carona compartilhada para se locomover até o trabalho.


(b) A revogação imediata dessa lei deixando que empregado/empregador cheguem a um livre acordo entre as partes para subsidiar a locomoção até o trabalho. Existem inúmeras alternativas, vouchers é apenas uma delas, entre tantas.


Gabarito: se você assinalou a resposta "b", parabéns,você acertou, mas se assinalou a resposta "a", é porque o fantasma do varguismo ainda te assombra. Vade retro!


segunda-feira, 18 de outubro de 2021

O medo de chegar atrasado no trabalho é culpa da CLT



Quando cito em meus artigos que a CLT significa Chicote no Lombo dos Trabalhadores é a mais pura realidade e que a prática do dia a dia no ambiente de trabalho só confirma. Por que será que muitos trabalhadores levantam às quatro da manhã, enfrentam um calvário dentro de sucatões de trens, metrôs e ônibus lotados? Muitas vezes debaixo de forte chuva mesmo estando gripado e febril? Resposta: para não chegar atrasado no trabalho. E ai daquele que chegar fora do horário, dependendo da empresa nem entra mais, é barrado na portaria, volta pra casa ou ganha advertência ou até mesmo é contemplado com a demissão. Poderia ser diferente não fosse o capítulo da CLT que trata da jornada de trabalho. Vejamos:


O artigo 58 da CLT diz: “A duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 (oito) horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite”. Esse artigo foi irresponsavelmente sacramentado e constitucionalizado no Artigo 7º, inciso XIII da CF/88, mais conhecida como “constituição cidadã”, sabe-se lá o que isso significa. Na verdade é mais um termo vago do tipo engana trouxa ou me engana que eu gosto. Pode significar também constituição genuinamente socialista que dá no mesmo.


Pois bem, percebemos que a redação do artigo 58 da CLT não diz que a jornada de trabalho deve ser necessariamente de 8 horas. Mas ora, se esse limite foi sacramentado, por que os empregadores concederiam uma jornada menor que esta? Não há como deixar de indagar: Quais parâmetros o autor do artigo se valeu para definir 8 horas de trabalho, note bem, “em qualquer atividade privada”?  Será que todo tipo de trabalho necessita realmente de 8 diárias para ser executado? É lógico que não!


A determinação dessa jornada de 8 horas automaticamente fez com que o horário de entrada ocorresse quanto mais cedo possível melhor. Nada mais cruel do que se levantar às 3 horas da manhã para pegar o primeiro ônibus, depois um trem e depois um metrô para poder chegar pontualmente às 7 no emprego. Naturalmente que existem algumas atividades que precisam abrir bem cedo, mas na maioria das outras não faz sentido o trabalhador marcar o ponto antes de o sol nascer.


Em tempos de avançada tecnologia, jornadas de 8 horas ou mais não fazem mais sentido, sobretudo nos trabalhos administrativos os quais muito deles já migraram para a modalidade Home Office. E mesmo alguns trabalhos operacionais já utilizam da tecnologia informatizada de ponta que automaticamente reduz a jornada do trabalhador tornando-a menos fatigante.


Jornadas longas, e eu considero 8 horas de jornada uma jornada excessivamente longa, afeta diretamente a saúde do trabalhador. Levantar-se às 3 ou 4 horas da manhã é algo cruel e desumano. É sabido e notório que a refeição matinal é a mais importante por fornecer proteínas e energia suficientes para suportar o dia. Como preparar um lauto café da manhã levantando-se às 4 horas da madrugada e ter que correr para não perder a condução?


Jornadas de 5, no máximo 6 horas seriam suficientes para qualquer tipo de atividade. É vantajoso tanto para o trabalhador quanto o empregador. O empregador, casos fosse necessário, poderia trabalhar com duas turmas com jornada de 5 horas cada, ele estaria ganhando mais duas horas de produtividade além de abrir milhares de vagas no mercado de trabalho. O trabalhador teria mais tempo para se aprimorar profissionalmente através de cursos, estudar, ler, praticar hobbies e ainda sobrar um tempo para o lazer.


O horário de entrada na parte da manhã deve ser flexível, levando-se em conta o trânsito caótico, atrasos e quebras dos transportes coletivos. Se necessário, o empregado pode compensar a jornada no horário de saída, muitas empresas já aderiram a essa modalidade de flexibilização e compensação de atrasos. E também por culpa da CLT, o privilégio do horário flexível está restrito aos ditos  “cargos de confiança”, como se outros cargos não fossem, mas isso é tema para um outro artigo.


Sempre digo que o desemprego não é exclusividade do Brasil, sempre haverá desemprego mesmo em países de primeiro mundo. Porém, nesses países a taxa de desemprego nunca alcança os dois dígitos. Um país rico como o Brasil, apresentar uma taxa de 14,6% de desemprego é porque algo está muito errado. Eu diria, muita coisa está errada, entre elas, a altíssima carga tributária que sufoca o setor trabalhista e leis antiquadas e ultrapassadas que não acompanharam a evolução tecnológica e a demanda do mercado de trabalho. 


Enquanto a tecnologia corre em alta velocidade para facilitar a vida de todos, aqui no Brasil infelizmente os trabalhadores correm pelas ruas escuras e mal iluminadas em plena madrugada para pegar o primeiro ônibus e não chegar atrasado, caso contrário poderá ser contemplado com um sinistro bilhete azul carimbado e chancelado com o número do terror, a saber, o artigo 58 da CLT. Lamentavelmente o setor trabalhista no Brasil opera com leis elaboradas há quase um século quando a realidade era muito diferente da de agora. Essas leis não foram atualizadas e nem há como atualizá-las, só existe uma maneira de consertar essa lambança, é a revogação dessas leis. Todas elas!




segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Precisamos falar sobre o estorno de comissão sobre as vendas


No âmbito dos direitos trabalhistas no Brasil (eu disse no Brasil, apenas somente no Brasil!) a proibição do estorno de comissão sobre vendas é ponto pacífico, eu mesmo já escrevi alguns artigos sobre o tema. A única ressalva é quando ocorre a insolvência do devedor, seja pessoa física ou jurídica. No caso do produto ser devolvido (situação prevista na lei nº 8078/90 – Código do Consumidor-CDC) ou a empresa levar um calote, a comissão do vendedor não pode ser estornada de maneira alguma. Discordo com veemência e considero isso uma bizarrice sem precedentes. Vejamos:


A comissão sobre as vendas é tratada no artigo 466 da CLT e pela Lei nº 3207/1957 (sancionada pelo presidente conhecido como “bossa nova”, aquele que blindou os políticos da população levando a capital do Brasil para um longínquo deserto) que regulamenta as atividades de empregados vendedores, viajantes ou pracistas. O artigo 466 da CLT diz que, “o pagamento das comissões e percentagens só é exigível depois de ultimada a transação a que se referem”. A doutrina interpreta essa redação da clt que o pagamento das comissões é devido após a venda concluída e o negócio fechado, independe se o comprador pagou ou não. Já o artigo 7º da Lei 3207/1957 diz que, “verificada a insolvência do comprador, cabe ao empregador o direito de estornar a comissão que houver pago”. Essa lei capenga (como a maioria das leis positivadas) não entrou no mérito no que diz respeito aos cancelamentos de compras, devoluções e calotes.


Bem, o TST então completou a lambança através do Precedente Normativo nº 97 da SDC, que diz: “ressalvada a hipótese prevista no artigo 7º da Lei nº 3207/1957, fica vedado às empresas o desconto ou estorno das comissões dos empregados, incidentes sobre mercadorias devolvidas pelo cliente, após a efetivação das vendas”. Tudo à luz de Getúlio "a.k.a. CLT" Vargas que diz que o risco da atividade é sempre do empregador conforme artigo 2º do tijolaço Chicote no Lombo dos Trabalhadores-CLT.


Depois desse porre de getuliovarguismo, vamos direto ao ponto.  Pode ter essa groselhada toda de leis, acórdãos, etc., mas a proibição do estorno de comissões sobre produtos devolvidos ou por calote do comprador é de uma estupidez cruel. Por qualquer perspectiva que seja, econômica, contábil, matemática, lógica e até mesmo moral, é uma conta que não vai fechar nunca.


Ora, há que se perguntar: o valor da comissão provém de onde? Qual a sua origem? Pois vem do produto vendido, ou seja: vendas é igual à entrada de valor, e uma vez que esse valor deixa de entrar, de onde a empresa vai tirar o valor para o pagamento da comissão? Fazendo mágica? Temos aqui duas situações, vamos analisá-las:


Devolução do produto:


A devolução de produtos (e aqui é irrelevante o motivo da devolução) é prevista no Código de Defesa do Consumidor. Existem algumas situações variáveis nesses casos, mas existem aquelas em que a empresa devolve o valor integral ao cliente, ou seja, o valor que entrou é devolvido. O produto nessa altura pode estar avariado ou totalmente inaproveitável, não poderá mais ser vendido. E se o produto estiver em bom estado e for vendido para outro cliente, o vendedor receberá novamente uma comissão sobre o mesmo produto vendido duas vezes? Nesse caso, quando a empresa tem que devolver o valor ao cliente sou totalmente favorável que a comissão seja estornada ou então devemos perguntar: de onde pagar uma comissão de um valor que não entrou, ou melhor, entrou, mas foi devolvido ao cliente e às vezes até mesmo corrigido?


Falta de pagamento (calote)


Aqui a situação é pior ainda porque a empresa terá um triplo prejuízo: Ficará sem o produto, não receberá pelo produto vendido e ainda terá que pagar comissão ao vendedor o que é uma situação surreal e absurda. A comissão deveria ser estornada sim nessas situações, ressalvando que, caso a empresa consiga receber do cliente através de ação judicial a comissão deverá ser creditada ao vendedor imediatamente.


Portanto, deixo aqui esse questionamento: qual é a lógica de proibir estorno de comissões em casos de devolução, cancelamento ou calote? A única resposta possível é tripudiar e ter um prazer mórbido em cima do prejuízo das empresas que geram valor e riqueza para o país. Um país de leis surreais e absurdas, sendo que numa mesma lei temos artigos que se contradizem uns aos outros, temos leis que não se complementam mas que se anulam umas as outras resultando sempre numa conta que não fecha, numa conta cujo resultado é aquele que está no  verso de uma conhecida canção que diz que está tudo certo como dois e dois são cinco.


*As anotações e a Caixa de Ferramentas

Por Sönke Ahrens “Quando pensamos que estamos fazendo diversas tarefas, o que realmente fazemos é deslocar nossa atenção rapidamente entre d...