domingo, 25 de dezembro de 2022

segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Um bom gestor sempre assume a responsabilidade e não deixa sua equipe na mão



Quando na copa do mundo de 2014 a seleção brasileira de futebol sofreu aquele fatídico placar de 7 a 1 da seleção alemã, ao término do jogo a primeira palavra que o técnico Luiz Felipe Scolari proferiu foi: “a culpa foi minha”, além de se manter presente o tempo todo após a derrota, consolar e receber até o último jogador em campo. Foram gestos e atitudes dignas de um treinador (ou chefe de equipe), aliás atitudes como essas é o mínimo que se espera de quem está no comando. Sair à francesa é como um capitão que pula do barco quando ele está afundando deixando todos os outros à deriva.

Ora, se um gestor se faz sempre presente quando recebe as devidas e merecidas láureas pelo sucesso de sua equipe, por que ele sairia de fininho, à francesa quando a missão ou a tarefa não foi bem sucedida? Naturalmente que existem as responsabilidades individuais de cada um, ou seja, algum colaborador se equivocou em algum momento da tarefa, algo deu errado, seja por mau planejamento ou equívocos cometidos de táticas ou estratégias. No entanto, é óbvio que a responsabilidade por não atingir a meta cabe ao gestor, ao líder. Ele ganha para isso caso contrário não seria gestor.

Um líder tem que ter o preparo suficiente para lidar tanto com a fama por ser um bom líder , bem como, pelo insucesso de alguma missão não cumprida. Não é à toa que o seu salário é consideravelmente maior do que os seus liderados, seu cargo é de confiança e como tal ele usufrui dos privilégios que são concedidos a quem exerce cargos de liderança. A presença do líder e a atitude de assumir responsabilidades nos momentos de derrota são necessárias sobretudo, como um bom exemplo a ser seguido pelos seus liderados. Uma equipe sempre se sente desconfortável quando seu líder dá sinais de se acovardar diante de derrotas.

Quem não se lembra do reality “O Aprendiz”? Embora e infelizmente não seja mais exibido no Brasil, o programa faz estrondoso sucesso em diversos países, sobretudo na Inglaterra, apresentado pelo carismático Lorde Alan Sugar. Em praticamente 95% dos casos de equipes que falham nas tarefas, o líder sempre assume a responsabilidade pela derrota ainda que ele não tenha culpa direta e na maioria das vezes recebe o fatídico “you’re fire!”, de Lorde Sugar. Lembrando que quando a equipe é vencedora, o líder também é festejado como um bom líder. O reality "O Aprendiz - The Apprentice" é uma verdadeira escola de como ser um bom ou mau líder.

Não há dúvida alguma que o técnico Tite da seleção brasileira falhou no comando. Não é a sua capacidade profissional que está sendo colocada em dúvida, mas a sua atitude como gestor. Naturalmente que derrotas também fazem parte do jogo, pois na disputa entre dois times pela vitória um deles terá que perder. O que importa é a atitude do gestor diante da derrota. Um capitão não pode pular do barco, um maestro não abandona a orquestra e nem o general deixa os seus soldados na mão. Entretanto, Tite nos deu uma inestimável lição, a saber: como um líder não deve agir diante de uma derrota: sair de fininho e largar sua equipe em campo como ele o fez!


segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Clare Torry: ela improvisou um poema sem letras e compôs uma obra prima da música




Em Novembro deste ano, Clare Torry completou 75 anos. Há cinquenta anos atrás ao entrar no estúdio Abbey Road para fazer um backing vocal, ela sequer imaginava que escreveria o seu nome na história como coautora de uma das mais belas músicas de todos os tempos, “The Great Gig In The Sky”. A música faz parte do premiadíssimo (que até hoje vende horrores!) e lendário álbum “The Dark Side Of The Moon” dessa tão fantástica banda, Pink Floyd. É considerado um dos mais belos vocais femininos de todos os tempos sem ter dito uma única palavra e uma das interpretações mais emocionantes já gravadas em um álbum musical. Aos fatos:

Podemos dizer que na década de 70, Clare, muito discreta não era uma cantora famosa. Ela era contratada como compositora de uma pequena gravadora na Inglaterra. Clare lançou alguns singles no estilo pop/romântico com músicas de sua própria autoria e também gravou covers sob o pseudônimo de Alice Pepper. Como ela tinha uma bela voz diferenciada, ela ganhava uns trocados a mais como freelance fazendo o backing vocals para diversos músicos. Foi então que em 1972 ela recebe um convite de um gênio, o engenheiro de som, Alan Parsons para fazer um trabalho no álbum de uma banda. Mas Parsons não disse a ela qual banda era. É preciso entender antes o próprio Alan Parsons e o que o Pink Floyd queria.

Alan Parsons foi o engenheiro de som que trabalhou no álbum Abbey Road, dos Beatles e foi o responsável por todos os efeitos sonoros no álbum The Dark Side of The Moon, do Pink Floyd. A música “The Great Gig in The Sky” até então era apenas algumas notas musicais no estilo bluesy/jazzy (com um andamento gospel, eu diria) composta no piano e órgão pelo virtuoso e saudoso tecladista da banda, Rick Wright. Também havia uma frase ao fundo de alguém falando sobre o medo da morte. O guitarrista David Gilmour teve a ideia de colocar sobre essas notas um vocal feminino, mas não sabia exatamente quem chamar. E aí entra Alan Parsons, ele disse que conhecia alguém. Parsons tinha produzido um álbum de covers no qual havia a participação de uma cantora com uma voz muito bacana: era Clare Torry! Ele a indicou para o trabalho. 

Clare recebeu o convite mas, sem saber do que se tratava, achava que era para fazer um backing vocal num coral de garotas como ela estava acostumada. Ela se apresentou no estúdio num domingo à noite e somente na hora ficou sabendo que se tratava da já famosa banda Pink Floyd. Na verdade, Clare não se empolgou (e nem os membros da banda com ela), não ocorreu uma empatia entre ambos. O seu estilo era outro e bem diferente, mais direcionado à música pop/romântica e não tinha afinidade alguma com o som tão complexo do Pink Floyd. Mesmo assim, corajosa ela aceitou o desafio. E atenção aqui: ter aceitado esse desafio fez a diferença para sempre na vida dela.

Primeira e segunda tentativas frustradas

Gilmour disse para Clare improvisar alguma coisa sobre aquelas notas musicais de piano. Na primeira tomada ela arriscou alguns scats jazzísticos do tipo “Ooh Baby Ooh Baby Yeah Yeah Baby”. E Gilmour disse, “não, não, não é isso que queremos” e explicou a ela o conceito do álbum que falava sobre angústias, depressão e que a música significava a luta da vida contra a morte. De novo ela improvisa scats jazzísticos um pouco mais alongados mas ainda não era isso, não estava bom, disseram a ela que se fosse para fazer aquilo havia cantoras que fariam melhor do que ela!

Terceira tentativa: "boom!"

Clare pediu para passar mais uma vez a trilha do piano e disse para ela mesma: “e seu fingisse que fosse um instrumento musical”? Olhou para Alan Parsons e disse: “aperte a luz vermelha de gravação”. Então, ela fechou os olhos, soltou a voz e o que ela fez ali naquele momento é absolutamente desconcertante, é o que ouvimos na gravação! Ela nunca tinha cantado dessa maneira antes. Nem ela e nem ninguém! Quando ouvimos a melodia, acreditamos que Clare está seguindo uma partitura musical, só que não, na verdade ela é quem está compondo, vocalizando, construindo e improvisando uma melodia sobre as notas musicais criadas pelo piano de Rick.  Ela não ensaiou antes, foi assim mesmo no improviso do momento. Como ela disse anos depois, "foi um boom espontâneo".

Quando ela terminou e abriu os olhos, estavam todos atônitos, chocados, em silêncio absoluto, ninguém havia entendido ainda o que tinha acontecido ali, nem mesmo Clare. Como ninguém da banda disse uma palavra sequer, ela achou que não foi bem e que não agradou. Ela pediu desculpas! Se despediu e recebeu as 30 libras pelo trabalho, como combinado! Isso mesmo, 30 libras, e isso porque era domingo, fosse dia normal seriam 15 libras. Como ela mesma disse depois, “para mim foi apenas mais um dia de trabalho”. Ela não fazia a menor ideia da obra prima que havia acabado de compor (só veio a descobrir quando o álbum foi lançado e ela a ouviu cantando). Ela conseguiu expressar brilhantemente através da sua vocalização dramática exatamente o que a melodia queria transmitir: a luta da vida contra a morte. É a única faixa do álbum que não tem efeitos sonoros, Parsons achou tão perfeita que não quis colocar efeitos, apenas jogou um eco bem suave no microfone de Clare.

Quando o álbum foi lançado, o nome de Clare constava apenas nos créditos como vocalista da faixa e não como coautora, fato esse, vamos combinar, foi uma baita sacanagem da banda. Mas ela não se importou, não reclamou na época a sua significativa contribuição ainda que essa faixa fosse e ainda é uma das mais comentadas do álbum em razão do seu vocal icônico. Daí em diante, ela recebeu muitas propostas de trabalho e participou de álbuns de músicos de peso como por exemplo, a própria banda Alan Parsons Project, Procol Harum, Meat Loaf, Kevin Ayers, Olivia Newton-John, Culture Club,  Roger Waters, Tangerine Dream, TV-2, etc. 

O vocal de Clare em “The Great Gig In The Sky”, até hoje é tema de análises e debates, sobretudo entre as professoras de canto e voz. Algumas delas, já confessaram que jamais conseguiriam fazer o que Clare fez com a voz. O controle absurdo da respiração, a maneira como ela articula e “assopra” as vogais, as ondulações de beltings, melismas e vibratos que contrastam com a voz da cabeça, do maxilar e a voz do peito formam uma peça musical única e irreproduzível. Nenhuma cantora conseguiu repetir exatamente o que Clare fez. Nas apresentações ao vivo do Pink Floyd, é preciso três cantoras para a execução dessa música. Mas Clare explicou que para uma só cantora executar a peça é um trabalho muito cansativo para as cordas vocais, por isso são necessárias duas ou três cantoras.

The Great Gig In The Sky é uma das campeãs de vídeos reaction no Youtube. Músicos e cantores dos mais diversos gêneros musicais quando ouvem a música pela primeira vez ficam hipnotizados e chocados com o trabalho de Clare; algumas cantoras de música gospel já acostumadas com muita emoção captam a mensagem da música logo que Clare começa a vocalizar, e elas não conseguem segurar as lágrimas. E um detalhe muito surpreendente : essa melodia já salvou vidas! Há inúmeros depoimentos a esse respeito. Muitas pessoas relatam que essa melodia ajudou-as a superarem momentos sombrios de suas vidas trazendo-lhes paz e luz. E sim, a Música pode salvar vidas (dê um google).

As lições que tiramos disso:

- Coragem, determinação e autoconfiança: Clare foi no escuro, sem saber o que lhe esperava, é quase como se ela fosse fazer um teste. Quando ela chegou no estúdio e tomou conhecimento do que se tratava, ela poderia ter desistido, mas não,  encarou o desafio, ainda que não tivesse afinidade musical alguma com o trabalho do Pink Floyd. Lembrando que ela era uma crooner de seção de estúdio e pouco conhecida, embora ela soubesse compor. Além disso, o fato de ela ser escolhida pelo engenheiro que trabalhou com os Beatles lhe deu uma tremenda autoconfiança a tal ponto de não querer desapontar quem a indicou, no caso, Alan Parsons.

– Resiliência, determinação, suportar pressão: Nas duas primeiras tentativas ela falhou miseravelmente a tal ponto de chegar a ser hostilizada por um dos membros da banda. Fosse outra cantora de pavio curto poderia ter encerrado ali mesmo e ter dito: “bye bye, procurem outra”. Mas ela não se importou com o esculacho que levou, teve casca grossa, aguentou firme, respirou fundo e foi para a terceira tentativa (e com certeza quantas mais ela conseguisse) cujo resultado nós já sabemos qual foi, porque aquela noite era para ela brilhar absoluta, ainda que ela não soubesse.

- Naquela noite no estúdio, ela descobriu que poderia cantar daquela maneira, coisa que ela nunca tinha feito antes. Aconteceu no lugar certo, na hora certa. Não é incomum durante a vida as pessoas descobrirem que são portadoras de talentos que até então desconheciam. De repente, a pessoa descobre que tem vocação para pintura, escultura, gastronomia, jardinagem, dramaturgia música, seja tocando algum instrumento ou talento para o canto, para dança, etc. Também que às vezes podemos fazer as coisas de maneira diferente como estamos habituados a fazer e que poderá nos tornar mais talentosos e abrir novos caminhos, novos horizontes.

Clare subiu ao palco com o Pink Floyd para interpretar a melodia apenas duas vezes: em 1973 no Rainbow Theatre  e em 1990 no espaço Knebworth Park. E de novo, aos 52 anos de idade ela barbarizou dando uma nova interpretação na obra que ela própria construiu. Finalmente em 2004 quando se aposentou ela entrou com uma ação contra o Pink Floyd requerendo os royaltes e a coautoria da composição. Um acordo extrajudicial foi firmado cujo valor não foi revelado e a partir de então o nome de Clare Torry passou a constar como coautora da peça musical ao lado de Rick Wright em todos os álbuns do Pink Floyd. Em 2010 ela recebeu da Ivors Academy, do Reino Unido o prêmio BASCA Gold Badge Awards em reconhecimento à sua contribuição original e única para a música.

E mais uma vez, a improvisação de uma cantora foi protagonista de uma peça musical única, original, uma obra prima da música. “E se eu fingisse que fosse um instrumento musical?” Deus do céu, como ela pôde ter esse insight ("boom", como ela disse) naquele momento? Na rara entrevista que Clare concedeu, ela disse que coisas assim acontecem apenas uma vez na vida e que ainda acha estranho tudo o que aconteceu ali. Pensou um pouco e disse: "naquela noite, Deus sorriu para mim!". Por que não? Afinal, ela compôs uma peça musical que já salvou vidas! Uau! E acredito fortemente que essa melodia continuará salvando muitas vidas mais.

Obs: Após o prelúdio de introdução, o vocal de Clare começa em 1:06





segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Mentir no currículo não caracteriza justa causa e também não é crime!



Todo cuidado é pouco ao assistir os zilhões de vídeos no Youtube que tratam sobre temas trabalhistas. Até reconheço que muitos que se propõem a tratar desse labiríntico e espinhoso tema possuem as melhores das intenções (ou não quando só desejam os "likes") para com os seus inscritos ou não inscritos em seus respectivos canais. No entanto, vejo muita irresponsabilidade, falta de estudo e pesquisa quando passam orientações absolutamente equivocadas ou mesmo desatualizadas da legislação. Num desses vídeos, um senhor que se apresenta como advogado disparou groselha dizendo que mentir no currículo dá justa causa, além de ser crime! Mon Dieu!! Até um estagiário de RH daria boas risadas dessa groselhada. Vamos por partes.

O advogado citou o artigo 482 da CLT que trata da justa causa e que fala sobre a quebra de confiabilidade entre empregado empregador. Confiabilidade? Oi? Como assim? Então vamos lá: 

- Não existe nenhuma alínea no artigo 482 da CLT que trate do termo "confiabilidade". Os atos falhos cabíveis de Justa Causa ocorrem somente enquanto o funcionário seja empregado registrado, no exercício de suas funções não sendo possível puni-lo com a Justa Causa por uma mentira contada no currículo antes de se tornar empregado. Um tanto quanto óbvio essa questão, não? Como imputar culpa dolosa numa pessoa que ainda nem contratada ela foi?

- O advogado, absolutamente sem prática do assunto, desconhece que um candidato se submete a pelo menos três ou até mais entrevistas antes de ser aprovado na seleção. Cabe aos entrevistadores detectar possíveis mentiras, pois são treinados para isso e no caso de falhas, eles responderão pelas consequências pela inépcia na seleção e escolha. Se o entrevistador não detectar possíveis mentiras, ele terá que se entender posteriormente com o seu gestor.

- O funcionário mentiroso PODE SIM SER DEMITIDO, porém não por Justa Causa, jamais, mas por demissão normal. Aliás, é para isso que existe o período de experiência ou probatório. Vamos supor que o candidato minta afirmando em seu currículo que domina o aplicativo Excel no módulo avançado e quando é solicitado para criar alguma planilha financeira complexa ele não consiga. Os recrutadores também podem sofrer punição pela falha no recrutamento, mas neste caso específico não cabe Justa Causa.

Mentir no currículo NÃO É CRIME!

Muitos desses youtubers palpiteiros citam os artigos 297, 298 e 299 do Código Penal, artigos esses que tratam da falsidade ideológica, alteração e falsificação de documentos públicos ou particulares. Ocorre que a 6ª turma do STJ, decidiu que “Não configura falsidade ideológica a conduta do agente de inserir, em currículo Lattes, dado que não condiz com a realidade”. (STJ. 6ª Turma. RHC 81.451-RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 22/8/2017). O STJ ainda foi além e disse o seguinte: “ainda que o currículo Lattes pudesse ser considerado um documento digital válido para fins penais, mesmo assim não teria havido crime. Isso porque, como qualquer currículo, seja clássico (papel escrito) ou digital, o currículo Lattes é passível de averiguação, ou seja, as informações nele contidas deverão ser objeto de aferição por quem nelas tenha interesse”

Quando o documento é passível de averiguação, o STJ entende que não há crime de falsidade ideológica, mesmo que o agente tenha inserido nele informações falsas. Já se sedimentou na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que a petição apresentada em Juízo não caracteriza documento para fins penais, uma vez que não é capaz de produzir prova por si mesma, dependendo de outras verificações para que sua fidelidade seja atestada. (...)  (STJ. 5ª Turma. RHC 70.596/MS, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 01/09/2016). Pronto! De novo: NÃO É CRIME MENTIR NO CURRÍCULO!

Por fim, mentir no currículo sem dúvida alguma é uma péssima ideia e que já coloca sob suspeita a conduta ética desse profissional qualquer que seja a sua área de atuação. As informações contidas são de total responsabilidade do candidato e ato contínuo, ele vai responder por elas inexoravelmente de uma forma ou de outra. Não adianta mentir que fala inglês fluentemente, ele será pego na entrevista e antes que ele diga oh yeah, ele ganhará um sutil bye bye so long, ou melhor, bye bye and see you never again. Walk on bye!


segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Trabalhar em equipe e a capacidade para lidar com problemas começam em casa



Praticamente em cem por cento dos anúncios recrutando cargos de gestão, gerência, chefia ou supervisão exige que o candidato tenha habilidade para trabalhar em equipe bem como, possuir capacidade para lidar com as mais diversas questões incômodas no ambiente de trabalho. O trabalho em equipe e a liderança são duas características que se conectam uma com a outra, porém não estão disponíveis para quem quiser tê-las a qualquer momento. Não, não estão porque elas começam a brotar dentro de cada um ainda na tenra infância. Sim, elas começam em casa no convívio da família.

A pessoa poderá gastar uma fortuna fazendo cursos e mais cursos de liderança que a capacitará para liderar uma equipe de maneira eficiente e que até poderá trazer um resultado satisfatório porém, um tanto quanto artificial. Todavia, não se compara com uma pessoa que já traga consigo um arsenal de experiência de vida adquirida em casa desde cedo. Vejamos então algumas características básicas que um colaborador precisa possuir para interagir positivamente em sua equipe:

- boa dinâmica de comunicação entre as partes

- compartilhar conhecimentos ou know-how com o colega

- auxiliar no processo de resolução de tarefas e situações complicadas

- respeitar os limites do colaborador

- gerenciamento de conflitos

- proatividade

Pode ser óbvio demais o que vou dizer, mas a capacidade de trabalhar em equipe e lidar com questões incômodas é um conjunto que agrupa características pessoais que se desenvolvem em casa, no âmbito familiar. Como? Desde cedo aprender a assumir responsabilidades, deveres e obrigações e aprender o máximo de tarefas e atividades possíveis. Vejamos:

Começando por ser prestativo, acordar cedo, preparar o café, arrumar e limpar o próprio quarto, lavar o banheiro, se oferecer para lavar a louça, aprender a cozinhar (só o churras do final de semana e o famigerado miojo, não vale, isso qualquer um faz), cuidar do jardim, carpir o mato do quintal. Planejar o próprio espaço para estudo e pesquisa, montar uma biblioteca pessoal, se interessar por algum (ou alguns) hobbies. Prestar serviço voluntário na comunidade (ou igreja, se for o caso) do bairro, cuidar da aparência, etc. E sim, algumas dessas atividades vão gerar um certo desconforto, mas é justamente aí que está o pulo do gato! Ter a experiência de viver situações desconfortáveis é que vai capacitar a pessoa para suportar e solucionar as mais incômodas situações quando estiver liderando uma equipe.

Na prática o que ocorre conforme o tempo passa é a melhora da percepção da realidade, um senso sólido de segurança, autonomia, autoconfiança pessoal e satisfação pela realização dessas atividades. E aqui vale até dizer que no caso dos homens que são selecionados para prestar o serviço militar, aquele que chega ao quartel sem nada saber fazer, nem mesmo saber engraxar o seu próprio coturno vai sofrer muito nas mãos do sargento; já aquele que chega preparado possuindo diversas qualificações terá muita vantagem em relação aos outros que chegam crus.

E são justamente essas características citadas, ou seja, segurança nas atitudes e ações, autoconfiança, boa percepção da realidade, suportar situações incômodas e satisfação na realização de tarefas que significam a capacidade de trabalhar em equipe e que com certeza contribuirão para formar um destacado líder.

Por outro lado, a pessoa também tem a opção de não fazer nada disso. Ela pode optar por ficar no quarto jogando, assistindo TV infinita, se entupindo de batata frita com ketchup ou pacotes de biscoitos recheados (aqueles que todo mundo conhece muito bem, argh!), deixando toda sujeira produzida por ela mesma para outra pessoa limpar, seja a sua mãe ou a empregada. Porém, praxeologicamente, ações têm consequências e há um preço para essas escolhas. O preço é nunca exercer um cargo de liderança e se contentar com cargos de retaguarda. E também nunca pensar em ter o próprio negócio porque ela vai falhar, miseravelmente!


segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Mary Pierce: ela improvisou e protagonizou o ponto mais bonito da história do tênis feminino


Mary Pierce
Mary Pierce


O recurso de se utilizar da ferramenta improvisação sempre foi um tema recorrente neste blog. Ela é muito utilizada na música, na gastronomia, nas mais variadas modalidades do esporte, bem como em diversas outras atividades profissionais. Hoje ela vem do Tênis. Quando a ex-tenista Mary Pierce entrou naquela quadra no torneio aberto da França no ano de 2000 para uma disputa com a campeã Monica Seles, mal sabia ela que entraria para história ao executar uma jogada improvisada, única e dificílima que seria uma das mais belas, senão a mais bela da história do tênis feminino. Ela conseguiu fazer um inacreditável tweener-lob-winner! Vejamos:

Mary Caroline Pierce nasceu no ano de 1975 em Montreal, Quebec, Canadá. Filha de pai americano e mãe francesa, ela tem tripla nacionalidade. Disputou todos os campeonatos defendendo a França. Curiosamente, Mary Pierce foi a última tenista a vencer um campeonato pela França, depois dela, não teve mais nenhum campeão deste país seja no feminino ou no masculino. Carismática e muito simpática com os fãs, é querida até mesmo pelas suas rivais.

Pierce é uma dessas atletas diferenciadas. Aos 14 anos de idade tornou-se profissional do tênis. Muito rápido ganhou reputação como uma das rebatedoras mais fortes. Tinha um saque que chegou a atingir 187 km p/hora! Sempre considerada uma das jogadoras mais temidas e perigosas do tour em razão do seu estilo único, imprevisível, arrojado e brutal. Sua trajetória foi espetacular: 4 títulos de Grand Slam, sendo dois em simples, um em duplas e um em duplas mistas. Também ganhou 18 títulos de simples e 10 em duplas no WTA Tour. Chegou a ser a nº 3 do mundo em 1995. Retirou-se das quadras em 2008 aos 33 anos de idade devido uma séria lesão. Recuperada da lesão passou a ensinar tênis e fez seguidoras do estilo. Em 2019, Pierce foi incluída no International Tennis Hall of Fame. 

O lendário Tweener Lob - Winner de Mary Pierce

Naquela tarde no aberto da França, quartas de final, Mary Pierce disputava uma dura partida com outra monstra do tênis, a ex nº 1 do mundo e sua amiga, Monica Seles. Seles castigava Pierce com impiedosos cruzados fazendo-a correr de um lado para outro da quadra. Pierce, muito sagaz, pensou rápido, tinha que dar um basta na situação, foi então que ela rebateu Seles num reflexo instintivo (segundo ela própria contou depois) aplicando um tweener lob marcando um ponto cinematográfico (uma obra prima, eu diria!) que até hoje Seles deve estar tentando entender aonde a bola quicou. Vamos explicar o que é tweener e o que é lob:

Bem, para quem conhece tênis, a explicação é desnecessária. Para quem não conhece é mais impactante conferir no vídeo. Grosso modo, tweener é um lance ousado, muito difícil e imprevisível, não tão comum, pega o adversário de surpresa, normalmente é usado pelo jogador quando ele se encontra numa situação complicada como se encontrava Pierce naquele momento. O lob é uma jogada em que a bola passa por cima da cabeça do adversário e ele nem vê aonde ela quicou o ponto. O lob é considerado um lance desmoralizante para quem toma. E sim, Pierce asfaltou Monica Seles com esse duplo lance, ou seja, primeiro um tweener (frontal!!) que se transformou num tweener- lob-winner!  A locutora que narrava a partida só teve tempo para dizer, "Oh My Gosh!" O estádio todo ovacionou e aplaudiu. Pierce, sempre gentil retribuiu os aplausos com um sorriso discreto e maroto. Ela não só venceu Monica Seles como também sagrou-se campeã nesse ano em Roland Garros.

Na época, Pierce, elegante que é, e muito amiga de Monica Seles até hoje, minimizou um pouco o impacto de sua jogada brilhante que causou furor no métier do tênis. E claro que apesar de ela nunca ter usado essa jogada antes em jogos oficiais, ela revelou em entrevistas as horas de treinamento extenuante, truques e lances ensaiados exaustivamente para serem usados no momento certo. Ela ensaiou essa jogada em seus treinos, uma jogada como essa não se faz se não foi muito bem ensaiada antes, sem contar que Pierce sempre foi muito habilidosa nas suas estratégias. A sua trajetória de títulos conquistados fala por si.

E que lição tiramos disso? Pierce improvisou e arriscou, usou a jogada no momento certo, ela foi cirúrgica (e aqui se confirma a fama de jogadora imprevisível e perigosa), poderia não ter feito o ponto, mas mesmo que não fizesse, o tweener bem feito já é por si um lance belo e ousado ainda que não resulte em ponto. Com esse ponto marcado, ela assinou para sempre o seu nome na história do tênis feminino. Uma frase que gosto de usar e que cabe perfeitamente neste caso: “quem arrisca pode errar, quem não arrisca já errou”. Pierce, improvisou, arriscou e acertou! Ela nos ensinou que são nos momentos mais difíceis que improvisamos, que numa fração de segundo, através de "reflexo instintivo" (como ela mesma disse) trazemos para a realidade todo nosso conhecimento e experiência armazenados na memória. Bravo! Vida longa à Mary Pierce!




segunda-feira, 14 de novembro de 2022

*Prepare-se para ser lido: você só tem uma chance de deixar uma primeira impressão



“O Processo de preparar-se para ser lido não precisa ser complexo. Ele pode ser tão simples como lavar o carro antes de ir buscar um cliente ou a nova namorada, ou gastar alguns minutos a mais para trocar de roupa para uma mais adequada antes de sair para jantar ou ir à uma reunião. Pode envolver apenas pensar em algumas perguntas inteligentes a serem feitas numa entrevista para emprego.

A preparação é um ato valioso porque, como diz o ditado, “você só tem uma chance de deixar uma primeira impressão”. E primeiros encontros importantes muitas vezes acontecem quando menos se espera. Você nunca sabe quando vai encontrar alguém que poderia mudar a sua vida. Um homem que tenha esperança de encontrar a mulher de seus sonhos deveria pensar duas vezes antes de sair de casa usando calças velhas e folgadas e uma camiseta desbotada. Quando ele finalmente encontrar essa mulher perfeita, ela pode dar uma olhada para ele e suas roupas desleixadas e mudar de direção. E que irá parar e dizer olá para uma mulher num supermercado se ela estiver correndo como se estivesse atrasada para pegar um ônibus e usando bobes no cabelo? E se aquele dia em que você decide usar aquela roupa batida, porque não teve tempo de lavar a roupa suja, for o dia em que seu chefe a convidará para uma reunião com o mais importante cliente da empresa?

Sempre estou muito consciente de como as pessoas podem me ver, sempre estou consciente da impressão que darei – não apenas quando encontro alguém pela primeira vez, mas mesmo enquanto meus relacionamentos se desenvolvem. Ter um bom começo é importante, mas mesmo as ótimas primeiras impressões podem desaparecer se não forem mantidas. Com o tempo esse processo se transforma numa segunda natureza. Mas se você não está acostumado a esse tipo de atenção, faça uma lista do que pode fazer para se apresentar da forma mais positiva possível em qualquer situação (grifo meu) Você pode começar com as seguintes perguntas para si mesmo: Quem eu verei? Qual é o meu objetivo? Que aparência eu devo ter? Como chegar e sair de lá? Onde eu devo ir e o que devo fazer? Como devo agir? O que devo dizer? [...]

Antes de sair correndo para comprar um terno novo para uma entrevista de emprego, descubra quem o entrevistará e aprenda tudo o que puder sobre a empesa em que ele trabalha. A empresa é formal ou informal? É moderna ou conservadora? Você vai se encontrar com um homem ou uma mulher? É pessoa jovem ou não? Há quanto tempo ele trabalha na empresa? Essa pessoa será seu supervisor direto, aquele que vai contratá-lo, ou simplesmente é a primeira etapa de uma série de entrevistas? Talvez você tenha falado com o entrevistador no telefone. Você percebeu algum sotaque que indique uma região geográfica ou país? Existe um folheto de informação sobre a empresa?

Vamos supor que você descobriu que a pessoa com quem vai se encontrar é uma mulher com educação universitária, com trinta e poucos anos, com um sotaque do sul, e que você vai trabalhar diretamente com ela. Você também descobriu que a empresa é dirigida por dois irmãos, com trinta e tantos anos, que são muito informais e modernos. Quando você preencheu a ficha para emprego, observou que todos no escritório estavam vestidos de modo informal. Como isso afetaria a sua preparação?

Como você se prepararia se descobrisse que o entrevistador é um homem de 65 anos que está na empresa há 35 anos? Ele é encarregado do departamento de pessoal e não o supervisionará quando você for contratado. Ele tem um forte sotaque de Nova York. Você também descobriu que a empresa é antiga, com negociações na bolsa de valores, e conservadora, e que seu diretor já dirigiu a General Motors.

No primeiro exemplo você deveria estar especialmente atento à impressão pessoal que deixar. O modo como se relacionará com seus colegas de trabalho e com a mulher que o entrevistará, e o modo como se encaixa no ambiente do escritório pode ser tão importante quanto sua experiência profissional. No segundo exemplo, você poderia concluir que seu terno mais conservador seria apropriado e que a ênfase da entrevista estará em seu currículo, não em sua personalidade ou ambições.

Qualquer que seja a situação, o tempo gasto pensando em sua audiência é um tempo muito bem gasto. Mesmo que se vá apenas buscar os filhos na escola, deve-se lembrar que os professores, a equipe e outras crianças o estarão vendo. Pode-se aparecer sujo ou despenteado, ou pode-se passar um pente no cabelo e trocar aquela blusa velha. Tudo isso ajuda”.

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*Excerto extraído do capítulo 11 "Olhando-se no Espelho: O Modo como os Outros Vêem Você", do livro "Decifrar Pessoas", de Jo-Ellan Dimitrius e Mark Mazzarela, editora Alegro, SP/2001

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

As eleições e o impacto nas relações de trabalho: retrocesso de 100 anos!


O setor das relações do trabalho sempre foi, é e continuará sendo o arroz e feijão que alimenta governos ditos progressistas ou socialistas, dá no mesmo. E com o novo presidente eleito, Luís Inácio Lula da Silva não será diferente. Na pauta do dia teremos aquela mesma lenga lenga de sempre da carteira assinada, do trabalho informal, do empregado explorado pelo patrão, trabalho escravo, políticas afirmativas, enfim, aquele feijão com arroz frio e sem tempero, rançoso e com prazo de validade vencido.

O que poderá vir no setor trabalhista

Conforme informações disponíveis no próprio portal do Partido dos Trabalhadores, uma nova legislação trabalhista vem por aí (ai de nós!). Ela irá abranger o trabalho formal e informal, cooperativas, trabalho em Home-Office, enfim, todas as formas de ocupação, de emprego e de relações do trabalho. Em recente entrevista para um conhecido podcast, o presidente eleito declarou que não tem intenção de revogar mais a reforma trabalhista sancionada no governo Temer, apenas completar as lacunas que a lei deixou em branco.  Falou em aumento do salário mínimo acima da inflação (oi?) e abertura de crédito via Caixa Econômica e Banco do Brasil para novos empreendedores. Só não foi explicado de onde esses bancos conseguirão liquidez para abertura desses créditos. Mas a resposta está fácil: do aumento de imposto e da elevação da carga tributária, como não?

Bem, parece que existe uma dissonância entre o que está descrito no portal do PT e no que Lula diz sobre o setor trabalhista. Nada de novo no front. Afinal, e talvez nunca ninguém parou para pensar nisso, a própria sigla do PT-Partido dos Trabalhadores é capciosa, pois para este partido, trabalhador e empregado têm o mesmo sentido uma vez que na visão do PT todo empregador explora seus empregados. Há que se indagar: empregador não trabalha? O que o empregador faz ao chegar na empresa todas as manhãs senão trabalhar?. O empregador também é trabalhador, só que não, para o PT, somente empregado é trabalhador.

Provavelmente teremos de volta a forte presença dos sindicatos assombrando as relações de trabalho com uma mão no cangote dos empregadores e a outra mão no bolso dos empregados, pois provavelmente o imposto sindical será ressuscitado. Imposto é roubo, lembra? Bem, melhor nem ficar dando ideias, entretanto é de bom tom lembrar que perseguir ou mesmo onerar o empregador  a  conta sempre será paga pelo empregado de uma forma ou de outra, seja com a demissão, seja pagando baixa remuneração ou fechando as portas para novas contratações.

É sempre bom deixar claro que o governo de Jair Bolsonaro não foi dos melhores no setor trabalhista, fez pouco e foi justamente aí que errou, pois deveria nem ter feito nada, deveria deixar como estava. O setor trabalhista é um vespeiro no Brasil, quanto mais mexe pior fica. Como se mexe num vespeiro sem sair incólume? Como já citei em centenas de artigos, mexer nesse vespeiro requer tratamento de choque e brutal, ou seja, extinção da CLT e toda legislação periférica que a acompanha e a desconstitucionalização imediata dos ditos direitos trabalhistas.

Isto posto, contagem regressiva. Os ponteiros das relações do trabalho com certeza se movimentarão em sentido anti-horário: tac-tic, tac-tic. Sejamos realistas, o setor trabalhista será servido como um prato de arroz e feijão azedado com um gosto rançoso de século XX, mês de Maio de 1943, um golpe certeiro na boca do estômago de cada trabalhador seja ele empregado ou empregador. Haja sal de frutas porque vai dar engulhos. Argh!


segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Regulamento Interno não é CLT às avessas


Brasileiro tem um certo fetiche para complicar, encher linguiça, e ser prolixo ao extremo. Sim, estou me referindo aos regulamentos internos das empresas que tenho visto por aí. Dias desses chegou-me às mãos um regulamento interno de uma empresa que possui nada mais nada menos que duzentos e oitenta (280!!) artigos. Isso é praticamente quase um terço da CLT com os seus 952 artigos. Trata-se de um volumoso livreto com encadernação luxuosa (quanto à encadernação, ok!) que só de olhar causa arrepios. Mas, para que isso?

Sabemos que o regulamento interno tem origem no poder diretivo do empregador. Vamos defini-lo conforme discorre o professor e jurista Emílio Gonçalves:

“Constituindo a empresa uma comunidade hierárquica de trabalho, compete ao empregador, como titular da mesma, a prerrogativa de fixar normas disciplinadoras das condições gerais e especiais de trabalho na empresa, em suma, exercer o poder regulamentar. O regulamento interno regula, em suma, as situações laborais da empresa, aplicando-se a todos os empregados atuais e futuros”.[1]

Pois bem, um regulamento interno não pode ser prolixo, de prolixidade já basta a CLT, ele deve ser sucinto, enxuto, de fácil compreensão e que aborde as questões básicas entre empregado/empregador tais como, prevenção, segurança, higiene e disciplina. Não faz sentido então dispor artigos sobre questões que já estão dispostas na legislação trabalhista em larga escala. É tempo gasto desnecessariamente. Exemplificando o que pode ser abordado no regulamento:

• Uso de crachás e uniformes 

• Uso de equipamentos de segurança 

• Prazo para entrega de atestados médicos 

• Regra para o uso da internet, celular, redes sociais, etc. 

• Regra para quando o colaborador perder o crachá 

• Determinar local próprio e horário para os fumantes 

• Punição prevista para quem não respeitar informações sigilosas 

• Determinar tempo de tolerância aos atrasos 

• Tratamento cordial para com os gestores e colegas de trabalho 

• Das licenças remuneradas previstas em lei 

• Do desconto no salário em caso de imperícia do funcionário, desde que, devidamente comprovada com laudos técnico.

Esses itens já bastam, mais do que isso é pretender criar praticamente uma CLT às avessas e não é esse o objetivo de um regulamento interno. Abaixo, algumas observações pontuais sobre o teor de um regulamento interno e que já escrevi em diversos artigos sobre a questão:

- O que for concedido por liberalidade pela empresa, pode ser regulamentado, suprimido ou alterado, no entanto, a supressão só terá valor para os novos empregados contratados, os antigos fazem jus ao direito adquirido anteriormente estipulado no Regulamento Interno, conforme determina a Súmula nº. 51 do Tribunal Superior do Trabalho-TST.

- O Regulamento Interno não se resume a um manual de punições e sanções disciplinares. É de bom alvitre conceder alguns benefícios aos funcionários não previstos em lei, tais como: assistência médica e odontológica, seguro de vida em grupo, abono de faltas, estabilidade, auxílio financeiro, licença prêmio para funcionários que tenham um limite mínimo de faltas no ano, etc. Obviamente que cada empresa dará concessões de acordo com a situação econômico-financeira de cada uma.

- Somente normas técnicas admitem modificações unilaterais necessárias. Quantos as normas de cunho jurídico só podem ser alteradas com o consentimento dos funcionários, isto porque, as normas do Regulamento Interno se aderem ao contrato de trabalho e quaisquer alterações passarão pelo crivo do artigo 468 da CLT.

- Os tribunais julgam o caráter relativo do Regulamento Interno e não genérico, para não ferir o poder de comando do empregador garantido no artigo 2º da CLT. A nulidade de uma cláusula não invalida todo o Regulamento, mas apenas a cláusula fulminada. 

- Uma das questões mais polêmicas é a cláusula regulamentar que as empresas adoram incluir no Regulamento Interno, e que trata dos descontos nos salários por danos e prejuízos decorrentes dos erros de seus funcionários no exercício de suas funções. O Tribunal Superior do Trabalho-TST, pronunciou-se sobre essa questão através da Súmula nº. 77: “Nula é a punição ao empregado se não precedida de inquérito ou sindicância internos a que se obrigou a empresa por norma regulamentar.”.

- Não constitui falta grave o empregado recusar-se a receber o Regulamento Interno da empresa, até consultar o seu sindicato de classe.

Vimos aqui apenas alguns itens. É recomendável que os itens sejam divididos em capítulos, por exemplo: Da admissão, dos deveres e obrigação do funcionário, das férias, da marcação de ponto, das faltas e atrasos, das licenças, das relações interpessoais, dos benefícios, das proibições, das penalidades, das disposições gerais, etc.

Cada empresa vai adequar o seu Regulamento Interno na medida de suas necessidades. No entanto, apesar de ser amparado pelo artigo 444 da CLT, este documento não deverá de maneira alguma conflitar com a convenção coletiva da categoria nem com a Consolidação das Leis do Trabalho-CLT, sob pena de ter as suas cláusulas abusivas anuladas pela Justiça do Trabalho e a empresa ter que arcar com indenização por excesso de rigor.

É prudente que o Regulamento Interno seja entregue ao colaborador em seu primeiro dia de trabalho e mediante recibo. No processo de integração do funcionário algumas empresas fazem uma leitura explicativa de cada item desse documento para que não haja dúvida alguma. Feito isso, essas regras automaticamente aderem ao contrato de trabalho. Não há um modelo padrão (há vários modelos na internet que podem servir de base), sendo que, sua elaboração deve se feita em conjunto com o RH da empresa, diretoria e gestores.

O regulamento interno tem prazo de validade indeterminada ou até que seja revogado e substituído por um novo. Portanto, a prudência e o bom senso, deverão servir de parâmetros na elaboração deste documento que repito, deve ser sucinto e de fácil compreensão, um livreto de 20 a 30 páginas resolve a questão. Só que não, Deus do céu! O sangue burocrático corre fervendo nas veias de quem elabora esse documento! Então que venham o volume II, III, IV e de preferência com mil artigos e duas mil páginas!!

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[1]GONÇALVES, Emilio. O Poder Regulamentar do Empregador, editora LTR, SP/1985


segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Por que não sou promovido?



Uma única só resposta obviamente não responde de maneira alguma a questão de muitos funcionários que não obstante serem muito dedicados não conseguem uma promoção na empresa em que trabalham. As circunstâncias que resultam na promoção de um colaborador são diversas, complexas, os fatores podem ser infinitos. Vamos discutir nesse artigo apenas alguns desses pontos. Entretanto, um ponto em comum que permeia a maioria das promoções é um só: em algum momento, esse colaborador fez alguma diferença e portanto mereceu a promoção.

Perfil da empresa/ Leitura do ambiente de trabalho

Desde o processo de seleção que começa na entrevista, dependendo do cargo ao qual o pretendente à vaga se candidata, ele deve fazer pelo menos duas perguntas pontuais ao recrutador. Ele deve perguntar se a empresa tem uma política de plano de carreira e para quantas pessoas ele vai se reportar. Conforme a resposta, o candidato já saberá se haverá chances de promoção ou não. Normalmente se o cargo oferecido for de supervisão ou coordenação sendo que ele se reportará diretamente ao diretor da empresa não há que se falar em promoção.

Pontualidade e horas extras não servem de critério para promoção

Aquele colaborador que nunca falta, nunca chega atrasado, nunca se nega a fazer horas extras, está sempre disponível para trabalhar nos domingos e feriados, no geral é considerado um funcionário bom, normal. Embora sejam essas características positivas, elas não bastam para assumir um cargo de chefia ou supervisão. Se for um funcionário relapso, que falta e não traz atestados e sempre chega atrasado, esse sim será bem notado e estará na primeira lista de demissão para contenção de despesas. É preciso fazer a diferença.

Fazendo a diferença

Para ser notado pelo empregador deve-se ter em mente três pontos:

Todo empregador visa lucro!

Todo empregador tem arrepios só de ouvir a palavra prejuízo!

Todo empregador gosta de ter o controle sobre tudo que acontece na empresa de maneira prática e rápida!

Pois bem, quando o colaborador já estiver familiarizado com o ambiente de trabalho é hora de fazer uma leitura atenta das rotinas de suas funções e a sua interação com os outros departamentos. É o momento de usar a ferramenta criatividade e trabalhar com os três pontos citados, ou seja, identificar problemas, obstáculos e criar soluções que enfoquem o aumento do lucro, evitem ou minimizem possíveis perdas e prejuízos.

Existe um arsenal de ferramentas que poderão contribuir tanto para o aumento do lucro, bem como para o controle do empregador. O desenvolvimento de softwares, a elaboração de planilhas de controle que facilitem a integração entre departamentos, a criação de rotinas e relatórios pontuais e informativos são todas estas as chaves que destrancam obstáculos. Vale a pena repetir, todo empregador gosta de ter o controle de tudo que ocorre na empresa e isto só é possível através de relatórios e planilhas criativas e bem elaboradas. Não se pode esperar o diretor solicitar essas informações, o colaborador tem que se adiantar e tê-las disponíveis o tempo todo. O colaborador que se dedicar a essas ferramentas atingirá a excelência profissional e fará a diferença quando chegar o momento das promoções.

O porte e a atividade das empresas e a nomenclatura dos cargos

As empresas não são iguais, elas se distinguem uma das outras pelo porte (pequeno, médio e grande) e, sobretudo pela atividade econômica e categoria profissional a qual seus colaboradores se enquadram. A nomenclatura dos cargos não se encaixa de maneira uniforme em todas elas. Um cargo de assistente financeiro pode estar acima de um auxiliar do mesmo setor numa determinada empresa da mesma maneira que eles podem se equivaler em empresa de outra atividade ou de outro porte.

Um organograma de plano de carreira numa empresa de grande porte pode estar estruturado de diversas maneiras, por exemplo, nessa sequência: gerente, supervisor, coordenador, analista sênior, analista pleno, analista jr, assistente, auxiliar, estagiário. Este é apenas um modelo entre tantos possíveis. Um escritório contábil ou uma agência de publicidade, por exemplo, têm organogramas de cargos fixos e definidos não tendo praticamente espaço para promoções. 

Data base de aumento da categoria atinge negativamente os cargos de retaguarda

O aumento concedido na data base da categoria profissional tende a impactar negativamente os cargos de retaguarda nas empresas de porte pequeno e médio. Normalmente, os assistentes e auxiliares e às vezes até mesmo os analistas jr,  serão os primeiros a serem demitidos para serem substituídos por outros funcionários novos que entrarão ganhando o piso da categoria. É mais difícil a empresa demitir quem ocupa cargo de coordenação, supervisão ou gestão.

Isto posto, naturalmente que o que foi explanado neste artigo não esgota essa questão da promoção que é imensa, complexa e com muitas variantes. O que tem que ficar claro é que o colaborador em qualquer cargo que ele esteja exercendo, deve se esforçar ao máximo para ser aquele funcionário que faz a diferença, independente da questão da promoção. E às vezes será necessário reformular a pergunta "por que não sou promovido?", para: será que estou fazendo a diferença? Resposta: não está, caso contrário nem estaria fazendo essa pergunta.


segunda-feira, 10 de outubro de 2022

*Interação com colegas de trabalho


"O local de trabalho é um pequeno reino, quer seja um grande edifício de escritórios ou um posto de gasolina. Existe a sua majestade o patrão, os cavaleiros do reino e os servos. Isto quer dizer que, ao menos que você esteja lá no alto ou bem embaixo da hierarquia, você lida diariamente com superiores, colegas de trabalho e subordinados. Frequentemente essas interações são políticas, e sempre são delicadas. O modo como as pessoas lidam com elas reflete muitas facetas de sua personalidade.

O modo como o supervisor trata seus subordinados diz muito sobre ele. O poder embriaga, e muitas pessoas não sabem lidar com isso. O supervisor que é gentil, respeitador e amigável com seus subordinados tende a ser autoconfiante, compassivo, generoso, expansivo e preocupado com o modo como os outros o percebem. A supervisora que trata seus subordinados como empregados é insegura, dominadora, insensível e sem cuidados, não apenas no trabalho mas também nas outras áreas de sua vida. As pessoas não giram um botão e tratam os subordinados de um jeito, e a esposa e amigos de outro.

Quando nós selecionamos jurados, uma das perguntas mais importantes que fazemos é se eles são supervisores de trabalho, e se foram, quantos subordinados têm. As pessoas que passam muito tempo numa posição de controle e de responsabilidade sobre os outros tipicamente levam para casa essas atitudes do local de trabalho. Não é surpreendente que elas com frequência sejam os primeiros jurados.

A atitude de um empregado com relação ao seu patrão é tão reveladora quanto a atitude do patrão diante dos empregados. Alguns empregados são rabugentos e amargos, ressentidos, insatisfeitos com suas vidas, bravos, frustrados e até invejosos. Outros são ansiosos por agradar, às vezes até a ponto de bajular; isto indica falta de sinceridade, uma personalidade manipuladora e necessidade de aprovação. Outros ainda são respeitosos, responsáveis e cooperativos; isso reflete segurança, auto-estima elevada e aceitação de seus papel no trabalho. Normalmente, as pessoas que estão à vontade com sua posição profissional também estão satisfeitos em suas vidas, de modo geral.

Dê uma atenção especial ao modo como as pessoas tratam os seus iguais no trabalho. Alguns são jogadores em equipe, que apoiam e cooperam. Outros parecem acreditar que seu sucesso no trabalho depende do fracasso dos colegas. São individualistas e críticos; tipicamente não estabelecem relações sociais com os colegas. Quanto melhor for o relacionamento entre uma pessoa e seus colegas, maior será a possibilidade de que ela seja autoconfiante, satisfeita com sua situação na vida e sensível aos outros. Por outro lado, se é competitiva, individualista e egoísta no trabalho, por que você iria imaginar que pudesse ser diferente em casa?”

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*Excerto extraído do capítulo 8 "As Ações Dizem Mais que as Palavras: A Natureza Reveladora do Comportamento", do livro, "Decifrar Pessoas", de Jo-Ellan Dimitrius e Mark Mazzarela, editora Alegro, SP/2001.


segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Política e empregabilidade são termos excludentes



Estamos em ano eleitoral para a presidência da república, governos, deputados e senadores. No entanto, seja para qualquer cargo político, desde presidente, senador, deputado federal e estadual, governador, prefeito e vereador, sempre haverá entre eles aqueles políticos que vão prometer em suas campanhas eleitorais o que jamais poderão cumprir: a criação de emprego para todos. Com certeza uma das frases retóricas mais rasteiras proferida por políticos, mas que infelizmente ainda muitas pessoas inocentemente caem como patinhos nessa lábia. Como um político pode criar empregos? Ele não pode! Vejamos:

Não precisa muito esforço mental para sabermos que quem gera empregos é a iniciativa privada, empresas em todos os seus seguimentos, seja na indústria, no comércio, na logística ou na prestação de serviços, seja nos setores burocráticos ou operacionais. Quando um político promete empregos é preciso traduzir o que ele quer dizer com isso. Então vamos dar alguns exemplos de situações possíveis:

Trabalhe na campanha e ganhe um cargo comissionado

Aqui temos um bando de militontos que ajudam na campanha do candidato distribuindo santinhos de porta em porta e sujando as ruas, utilizam as redes sociais, participam da comitiva até o último dia de campanha. Caso o candidato seja eleito boa parte dessas pessoas estarão lotando os gabinetes como assessores sabe-se lá de que ou serão atendentes mal treinados em alguma repartição, normalmente em postinhos de saúde da periferia. E o salário dessa gente não é o político quem paga, sai do nosso bolso.

Editais de concurso

Editais de concursos públicos é outro caminho que presidente, governador e prefeito poderão se utilizar para justificar a promessa de emprego para alegria dos concurseiros que, diga-se de passagem, o contingente desse pessoal é imenso aqui no Brasil. E verdade seja dita: nessa gestão do presidente Jair Bolsonaro, houve uma redução considerável de servidores públicos em razão da suspensão de concursos e a não reposição para a vaga daqueles que se aposentaram. Vejo isso como mérito. E por quê?

Bem, para quem ainda não sabe, o valor gasto com salários do funcionalismo público no Brasil chega a quase 15% do PIB, um percentual absurdamente imoral e nababesco maior que Chile, México e Inglaterra. O Brasil possui o segundo congresso nacional (câmara e senado) mais caro do mundo só perdendo para os Estados Unidos. Vale aqui repetir o que sempre escrevo em meus artigos, quem paga essa conta somos nós, da iniciativa privada, tanto empregados e empregadores.

Construção de Obras faraônicas

O carro chefe de governadores e prefeitos são as obras faraônicas (quase sempre superfaturadas) que normalmente vão do nada a lugar algum, levam no mínimo duas décadas para serem concluídas, isso quando são concluídas porque muitas são abandonadas pelo próximo político eleito. O resultado dessas obras é a destruição do pouco que ainda havia de beleza estética na cidade, lixo infinito espalhado pelas ruas e atrapalhar a vida do cidadão que ali reside. Essas obras geram empregos? Muito pouco quase nada. Isto porque, as empresas contratadas já têm o seu próprio efetivo de trabalho e se tiver que abrir vagas, serão muito poucas e serão vagas voláteis.

Resumo da ópera, a promessa de emprego feita por políticos é pura cortina de fumaça porque o tipo de “emprego” (e coloca aspas nisso!!) que ele entrega não gera riqueza muito menos desenvolvimento econômico porque a produtividade é praticamente zero. De acordo com o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, a produtividade por hora trabalhada no período que compreende de 1981 a 2018 foi de apenas 0,4% (isso mesmo, 0,4%!!), ou seja, quase nada em praticamente quatro décadas, enquanto a renda per capita aumentou a uma taxa de 0,9% nesse período.

E para ser justo, A Reforma Trabalhista sancionada no governo de Michel Temer foi responsável pela criação de muitos postos de trabalho cujo mérito foi a flexibilização das leis trabalhistas. Portanto quando um político prometer a criação de empregos, o único caminho possível e legítimo é ousar mexer no vespeiro venenoso da legislação trabalhista flexibilizando cada vez mais as relações de trabalho. Isso sim gera a criação de empregos. Mas um político desses aqui no Brasil aparece um a cada século. Aguardemos então até o século XXII.


segunda-feira, 26 de setembro de 2022

Setor de RH tem autonomia nas questões disciplinares

Até que ponto gerentes, chefes e supervisores de departamentos diversos têm poderes para advertir, suspender, demitir ou mesmo abonar faltas e atrasos de seus subordinados? Bem, até o ponto em que a função assim o exigir desde que esteja bem especificado na descrição de cargos de cada um deles. Acontece que delegar poderes disciplinares para os cargos citados seria preciso, e isso é mais do que óbvio, que todos eles tivessem alguma expertise na legislação trabalhista e na maioria das vezes isso não acontece na prática.

Ocorre que delegar poderes a qualquer dos cargos citados para punir ou premiar implica em envolver profundo conhecimento da legislação trabalhista e esta não é pouca. Será que um supervisor de vendas ou chefe de almoxarifado ou mesmo um gerente comercial possuem esse conhecimento? Não é à toa que nos anúncios de recrutamento para vagas de supervisão ou gerência costuma constar “desejável” formação em administração de empresas e conhecimento de legislação trabalhista. Desejável! Mas isso não basta.

Vamos combinar, se todo supervisor ou gerente dominasse profundamente o intrincado e infinito labirinto da legislação trabalhista ele não estaria atuando no setor de vendas, estoque, logística ou outro qualquer, mas sim no departamento de gestão de pessoas. E aqui começa o dilema. É claro que cada subordinado deve se reportar ao seu superior imediato, entretanto este não deve ter poderes para abonar faltas e atrasos, advertir por escrito, suspender ou mesmo demitir sem antes consultar o setor de Recursos Humanos. Ainda que na descrição de cargos do supervisor conste a delegação de tais poderes, o setor de RH deve ter autonomia para corroborar ou vetar as decisões tomadas pelos supervisores nas questões disciplinares de seus subordinados.

Normalmente o setor de Recursos Humanos se reporta à diretoria ou até mesmo diretamente ao sócio proprietário da empresa. Questões relativas ao regulamento interno, normas, abono de faltas e atrasos, prazo para entrega de atestados, limites de advertência ou punição e questões similares são assuntos disciplinares que somente quem domina profundamente a legislação trabalhista poderá definir medidas e diretrizes. Qualquer deslize nessas questões poderá colocar a empresa na mira da fiscalização do trabalho cujo resultado poderá terminar em severas autuações e multas brutais, ou seja, o prejuízo é líquido e certo.

Temos visto nos noticiários da mídia, bem como nas redes sociais casos de supervisores tomando decisões estapafúrdias em relação aos seus subordinados sem a mínima noção do que estão fazendo e com isso expondo as empresas para as quais prestam serviços em situações vexatórias aos olhos dos consumidores. A empresa que conta com um departamento de RH interno, presente, eficiente e atualizado isso jamais aconteceria, pois uma das características deste setor é atuar preventivamente nas questões disciplinares além da capacidade para "apagar incêndios" intempestivos, digamos assim.

Conforme cita a doutora Alice Monteiro de Barros em seu estudo de Direito do Trabalho, os cargos de confiança se distinguem segundo a doutrina em quatro graus: confiança genérica, específica, estrita e excepcional. O supervisor de departamento se enquadra no grau de confiança genérica, ou seja, sem poderes de questões disciplinares enquanto o gerente ou mesmo supervisor de RH se enquadra no grau de confiança estrita. E isso deve ficar bem claro na descrição de cargos do funcionário.

Isto posto, os supervisores de departamentos antes de deliberarem decisões que envolvam questões disciplinares tais como, advertência, suspensão, demissão, abono de faltas e atrasos, etc., devem antes consultar o setor de RH, responsável direto pelo capital humano da empresa e que em determinadas situações após análise poderá sim exercer o poder de veto, pois o responsável pelo setor se enquadra em grau de confiança estrita como já citado. Se assim não fosse, não teria razão desse departamento existir.


segunda-feira, 19 de setembro de 2022

A criação de rotinas, poderosa ferramenta para situações surpresas



O simpático e querido chef de gastronomia Érik Jacquin sempre fala que o cozinheiro não deve colocar a culpa na panela pela comida mal feita. E ele está corretíssimo. Mas essa declaração de Jacquin não se aplica apenas ao setor gastronômico. Podemos fazer uma oportuna analogia em outros diversos setores nos ambientes de trabalho nos quais costumamos culpar a impressora, o HD do computador, a marca de um produto e por aí vai para justificarmos um trabalho mal feito.

O conceito de culpa é uma imputação que se realiza a alguém por uma conduta que criou uma determinada reação. Ou seja, uma pessoa causadora ou motivadora de um ato. Não se pode culpar um amontoado de ferro, paredes ou tijolos ou objetos inanimados. Não faz sentido, no entanto, as pessoas fazem sem mesmo se dar conta disso.

Avançando mais um pouco podemos ver que transferir a culpa para um objeto sem vida é típico de quem costuma jogar a culpa no colega de outro departamento. É apenas um artifício para não assumirmos erros que cometemos. Ora, errar faz parte e é justamente assumindo esses erros que teremos como corrigi-los, saber aonde que erramos, por que erramos e como fazer melhor para não errar mais.

Quantos funcionários deixam de apresentar relatórios e importantes informações entre departamentos alegando que fulano de tal setor não passou os dados a tempo. Isso é um tipo de transferência de culpa. O culpado nesse caso não é quem deixou de passar os dados necessários a tempo, mas quem permitiu que a situação chegasse a esse ponto comprometendo gravemente provisões econômicas/financeiras da empresa.

A caixa de ferramentas de primeiros socorros

Todos nós possuímos uma caixa de ferramentas de primeiros socorros para essas ocasiões. O problema é que muitas pessoas desconhecem essa caixa que acaba ficando empoeirada num canto qualquer da memória. Dentro dela temos diversas ferramentas que podemos usá-las individualmente ou combinadas umas com as outras. São elas: tática, estratégia, criação de rotinas, imaginação, resiliência, improvisação e tantas outras, depende de cada pessoa. Vamos usar uma delas que eu considero uma das mais importantes: a criação de rotinas.

A criação de rotinas

Criar rotinas de trabalho é excelente e necessário. Esportistas criam rotinas, técnicos de futebol, tenistas, enxadristas, etc. Cozinheiros experientes criam rotinas, programadores criam rotinas, músicos, artistas, atores, etc.  A criação de uma rotina de trabalho deve ser elaborada no sentido da prevenção de erros externos que não estamos esperando e que não temos controle sobre eles. Então como criá-las?

Ela deve ser traçada ou mapeada num caderno de anotações no qual serão anotadas todas as situações possíveis e impossíveis que poderão nos pegar de surpresa. Tudo deve ser pensado e anotado, por exemplo: a tinta da impressora que acabou no momento errado, o computador que deu pau, um serviço que teve que ser interrompido por qualquer motivo que seja, o funcionário de outro setor que não passou as informações a tempo de concluir  o forecast ou o budget. Tudo, tudo deve ser pensado e anotado. E para cada situação devemos pensar numa uma solução rápida, tudo deve ter uma resposta para que nada, absolutamente nada nos pegue de surpresa. Deve ser traçado sempre um plano b, c , d e quantos sejam necessários para todas as situações. Dá trabalho? Sem dúvida alguma, mas o resultado vale o preço pago.

Naturalmente que no ambiente de trabalho não vai sobrar tempo livre para elaboração dessa rotina. Ela deve ser elaborada em casa (sim, em casa!), pensada e anotada no caderno de anotações. Na hora que precisar e essa hora vai chegar cedo ou tarde,  uma solução estará às mãos e que resultará na prática o que chamamos de improviso. Mas como já escrevi em outros artigos, o improviso nada mais é do que soluções já pensadas, testadas, anotadas e armazenadas ao longo do tempo. É como pensar como um enxadrista e enxergar 15 a 20 lances lá na frente e já pensar nas soluções antes que elas aconteçam. E vão acontecer, estejamos certos disso.

E claro, a panela não tem culpa alguma mas sim a pessoa que escolheu a panela errada ou perdeu o timing de cozimento daquele alimento. O colega do outro setor não passou as informações a tempo? Sem problemas! Você não vai depender dele porque você já pensou nisso, você saberá o que fazer, saberá como agir simplesmente porque você já criou uma rotina para essa situação. Situações surpresas? Nunca mais!

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Uma técnica simples para lidar com chefes complicados


Às vezes a solução para questões aparentemente difíceis é tão simples e descomplicada que após praticá-la nem acreditamos que passamos tanto tempo estudando inúmeros tratados de relações interpessoais sem encontrarmos a resposta que estava tão próxima e não nos demos conta dela. Lidar com chefes difíceis ou mesmo algum colega de trabalho que seja um xarope não é tão difícil como parece. Para isso, basta utilizarmos uma antiga técnica muito simples que se perde no tempo e que funciona muito bem. Vejamos:

Trata-se de uma técnica que foi muito utilizada pelos filósofos gregos, descritas nos manuais de retórica dos filósofos Cícero e Quintiliano quando atuavam como advogados. O filósofo estóico Sêneca também tratou do tema em seus escritos. Mais tarde foi citada nos exercícios pedagógicos dos jesuítas. No século XX, o neuropsiquiatra austríaco Viktor Frankl tratou dessa técnica em sua Logoterapia. Atualmente discute-se muito essa técnica aplicada nos treinamentos de chefia e liderança e Coaching. Naturalmente que essa técnica se adequa de maneira diferente a cada contexto no qual ela é aplicada. E claro, ela não se restringe apenas ao ambiente de trabalho, mas em diversas situações na vida pessoal de cada pessoa.

Então vamos lá: você tem um chefe horroroso que pra você é o pior do mundo cuja possibilidade de um diálogo civilizado é algo impensável. E agora o pulo do gato: vire a chave, mude tudo o que você pensa sobre ele, ou seja, acredite que ele é o melhor chefe que você teve até hoje, que é a pessoa mais bacana na face da terra, que ele é um bom ouvinte, enfim, que ele é o cara! Bem, se realmente ele é uma má pessoa isso não irá mudá-lo, mas a sua relação com ele mudará da água para o vinho. O resultado não é imediato, pode demorar um pouco, mas é infalível, não tem como dar errado, sempre funcionou. E de novo, não é ele quem vai mudar e sim a sua maneira de se relacionar tornando a comunicação entre ambos muito mais eficiente. O problema não é o chefe difícil, mas como lidar com um chefe difícil. 

O que ocorreu nessa situação foi que o cérebro registrou as novas impressões (ainda que falsas) sobre o seu chefe provocando em você ainda que de maneira imperceptível uma mudança geral de comunicação que envolve tom de voz, gestual, etc. A PNL-Programação Neurolinguística também sempre abordou essa questão.

E aqui vai um outro exemplo, trataremos de uma pessoa que é tímida e que quer perder a timidez. Se a pessoa acreditar que é a pessoa mais extrovertida do mundo, que é mais falante, desenvolta, desinibida, quando ela menos espera, estará agindo realmente como uma pessoa extrovertida e a timidez estará definitivamente dissipada. É preciso persistência e acreditar.

O escritor C.S. Lewis também tratou dessa questão e a denominou de técnica do “faz de conta” em seu livro “Cristianismo Puro e Simples”. No livro ele fala sobre as crianças que brincam do “faz de conta”, imitando soldados, ida ao supermercado para fazerem compras imitando e imaginado profissões e que já são adultos. Essa atividade é que vai contribuir para o amadurecimento deles.

Portanto, a técnica tão simples do digamos, “faz de conta”, por incrível que pareça tem um poder incrível de mudar situações, como já citei, não somente no ambiente de trabalho, bem como na maioria de situações indesejáveis na vida pessoal de cada um. É bom lembrar que deve-se ser persistente porque ela não gera efeito imediato, pode demorar um pouco, mas quando menos se espera, voilà! Ela é infalível e atravessou milênios. É mais uma ferramenta poderosa, não custa tentar, nada temos a perder ao utilizá-la. Então, vire a chave e faça de conta!


segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Leitura recomendada: O Sono Eterno - Raymond Chandler (Excelência profissional / Ética / Lealdade)


 “O brilho do sol era tão vazio quanto o sorriso de maitre d’hotel” (Philip Marlowe)

Romances policiais nem sempre são entretenimento para passar o tempo. “O Sono Eterno” (The Big Sleep), de 1939, uma verdadeira obra de arte do escritor e roteirista americano e um gênio do estilo, Raymond Chandler (1888-1959) é uma prova disso. O protagonista da história é o famoso detetive particular Philip Marlowe, cuja ética moral, a conduta e a excelência profissionais estão acima dos honorários que recebe pelos serviços prestados. Um personagem construído (alter ego do autor?) magistralmente por Chandler e que juntamente com Philo Vance (S.S. Van Dine) e Sam Spade (Dashiell Hammett) acabaram inspirando outros detetives particulares que vieram depois como protagonistas dos romances policias

Perfil de Philip Malowe: hábil jogador de xadrez, deixa sempre em seu escritório um tabuleiro armado pra analisar lances que joga contra si próprio. Lê muita poesia, gosta de de conhaque, é sarcástico, irônico, sagaz, detentor de uma calma estóica, não se abala com ameaças, destrói seus oponentes com respostas rápidas elaboradas de uma construção lógico-analítica assustadora. Às vezes responde com o silêncio. Seus traços mais fortes são a conduta moral inabalável, a lealdade e a busca da excelência profissional.

A trama do livro: Marlowe é chamado por um general aposentado que está sendo chantageado por um desconhecido chamado Geiger. Este lhe envia fotos comprometendo uma de suas filhas. O chantagista pede muito dinheiro. O general tem duas filhas, Carmem e Vivian. Na entrevista, o general simpatiza com  Marlowe e o contrata, enquanto as duas filhas abominam o detetive. Para atrapalhar, o ex-marido de Vivian, Rusty Reagan era um ex-traficante que desapareceu sem mais nem menos sem deixar rastro. Seu carro foi encontrado numa garagem em local ermo da cidade. Nunca mais deu notícias. O general o tinha como um filho.

O que parecia ser um simples caso de chantagem fácil de resolver acaba se transformando em um quebra-cabeça complexo cada vez que Marlowe está prestes a capturar o chantagista. Muitas mortes aparentemente sem nexo ocorrem. Marlowe acaba envolvido num cenário no qual estão presentes uma livraria de fachada que vende livros pornográficos e objetos de arte falsificada, a máfia de cassinos, ruas escuras onde sempre está chovendo. É perseguido e emboscado por carros e pessoas estranhas que não querem que Marlowe descubra a verdade que está por trás da chantagem e do desaparecimento do genro do general.

Estamos diante de uma trama que se passa em cinco dias em que o chantagista é apenas o fio condutor para camuflar o desaparecimento inexplicável de Rusty Reagan, o genro do general. Marlowe, sagaz que é, e sem autorização do general que o contratou, tenta montar esse quebra-cabeça e segue a pista do desaparecimento de Rusty Reagan, embora o general não tenha pedido isso. No entanto, nenhuma peça se encaixa e na medida em que o tempo passa mais difícil fica buscar um sentido para tudo, aonde está o ponto de conexão, aonde uma peça se encaixa. E nunca se encaixa. Marlowe não encontra Rusty Reagan.

Então o detetive se apresenta ao general, sabe que prestou um serviço insatisfatório, segundo ele próprio. É duramente repreendido pelo general Sternwood e em razão disso se propõe a devolver o valor recebido pelos serviços prestados:

“Gostaria de oferecer o seu dinheiro de volta, talvez não significaria nada para o senhor, mas significaria muito para mim”.

Este é Philip Marlowe! Mas a trama, é claro, não termina aí. O cliente não aceitou a devolução que Marlowe propôs e ainda pediu que ele fosse em frente. E assim Marlowe o fez, usando toda a sua habilidade de exímio jogador de xadrez. Assim  sendo, Marlowe termina esse jogo brindando o leitor com um cheque mate surpreendente e arrasador, digno de um mestre enxadrista.

Temos aqui então um romance que não se resume apenas a uma trama policial, mas nos trás com muita inteligência e humor ácido lições de fidelidade ao cliente, a busca da excelência profissional e uma conduta ética profissional que não se encontra tão fácil por aí na qual um profissional altamente qualificado se dispõe a devolver os honorários por não ter executado um serviço de maneira satisfatória. Será que encontramos por aí um tipo como Philip Marlowe? Ou Marlowe é o tipo de profissional que apenas reside dentro os romances policias?



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