segunda-feira, 8 de setembro de 2025

À Altura (The Match): filme recomendado que aborda a difícil relação entre mestre e aluno




"Não importa olhar um para o outro, mas ambos olharem na mesma direção, para frente e mais para o alto" (Saint-Exupéry)


À Altura (The Match) está sendo considerado como um dos melhores filmes do gênero drama lançados esse ano pela Netflix.  Baseado em fatos reais, o filme conta a história dos dois maiores campeões nacionais e internacionais de “Go”, respectivamente, Cho Hun-hyun e seu aluno e futuro campeão, Lee Chang-ho, ambos sul-coreanos. Go é um complexo jogo de tabuleiro criado na China há mais de 2.500 anos sendo provavelmente o jogo mais antigo do mundo e que trata do cerco e domínio de territórios representados no tabuleiro por peças brancas e pretas.

Os protagonistas dão um show de interpretação, o professor e campeão Cho é interpretado pelo talentoso ator Lee Byung-hun e seu aluno Lee é interpretado por Yoo Ah-in (já adulto) e Kim Kang-hoon (garoto), ambos atuam magistralmente. A semelhança física com os campeões reais é impressionante. A direção é do competente cineasta e roteirista Kim Hyeong-ju, conhecido por alcançar resultados surpreendentes ainda que sempre trabalhe com baixo orçamento. Destaca-se também o cenário e a fotografia impecáveis da ambientação do filme na década de 80 ocasião em que se deu o encontro entre mestre e aluno.

Cho, após vencer mais um campeonato conhece um garoto (Lee) prodígio que costuma jogar GO nas praças da cidade e vencer todas as partidas disputadas ao mesmo tempo com diversos jogadores. Cho o observa jogar, reconhece que o garoto tem enorme talento, provavelmente vê nele um futuro campeão de Go, porém o garoto precisa de mais sutileza e treinamento apesar de jogar muito bem. Cho lhe faz um convite para treiná-lo em sua casa. Lee então, feliz da vida, aceita o convite e se muda para a casa do campeão e mestre Cho.

A relação entre mestre e aluno é bastante conflitante. Cho é duríssimo e implacável com Lee nas lições que compreendem as aberturas, ataques e defesas das partidas. Lee é admitido no clube de Go da cidade e vai ganhando todas as partidas que disputa, não há páreo para ele a não ser o seu mestre Cho que sempre demonstra insatisfação com o estilo de jogo de seu pupilo. 

O tempo passa e Lee desenvolve secretamente o seu próprio estilo de jogo, estilo esse que seu mestre Cho não aprova por julgar falta de sutileza e de classe. Até que chega o dia da disputa do campeonato oficial no qual o campeão Cho terá que enfrentar o segundo jogador no ranking que é nada mais nada menos do que seu aluno Lee. É uma partida tensa, angustiante que leva quase um dia, pois dois gigantes estão disputando o campeonato mundial. Cho perde a partida para o seu aluno Lee que se sagra campeão. Lee não se empolga, muito menos comemora a vitória para o espanto dos repórteres e fotógrafos presente que acompanharam a partida.

É a partir desse ponto que o drama vai se desenrolar, pois a vitória de Lee causará mudanças nas personalidades de mestre e aluno. Lee deixa a casa de Cho e retorna para a casa de seus pais. Ele se torna um sujeito apático e melancólico enquanto Cho não consegue digerir a derrota para o ex-aluno. Até que Cho encontra um jogador de Go, Nam (Jo Woo-jin) seu ex rival de inúmeras partidas e que fará com que Cho resgate o campeão e grande mestre que ele é. Cho e Lee se encontrarão novamente para uma outra disputa de campeonato.

Bem, apesar de muitos que assistiram o filme tenham reprovado as lições duras e implacáveis que Cho impunha a seu aluno, o mestre enfim entendeu que as suas duras lições fizeram com que Lee acabasse criando o seu próprio estilo de jogo diferente de seu mestre. Mas como nos ensinou o filósofo Sócrates, não é esse mesmo o papel do mestre? Forjar o aluno para que descubra o seu próprio caminho e estilo para um dia então deixar de ser aluno e se tornar também um mestre? Entendo que Cho cumpriu o seu papel  magistralmente e com muita maestria fazendo com que Lee se tornasse um mestre de GO e campeão absoluto por anos consecutivos tal como Cho, o seu mestre. Leonardo da Vinci que foi um grande mestre sabiamente escreveu em seus cadernos de anotações:

"Triste discípulo aquele que não se esforça para ultrapassar seu mestre; e é um triste mestre aquele que se indigna de ver seus discípulos preocupados em ultrapassá-los".

segunda-feira, 1 de setembro de 2025

O Jazz sempre tem algo a ensinar sobre liderança compartilhada




A organização que improvisa*

Por Frank. J. Barrett**

Como seria uma organização que procurasse aprender com bandas de jazz? Os gerentes, para começo de conversa, teriam grande respeito pelas estratégias emergentes e teriam o cuidado de não separar aqueles que estão formulando a estratégia dos responsáveis pela sua implementação, porque a ação cria o feedback que fundamenta o próximo passo. Para isso, a alta gerência estaria com a mão na massa, aprendendo sobre as mudanças no ambiente e obtendo regularmente experiência prática e concreta.

A organização que improvisa criaria estruturas fluidas que se formam, se dissolvem e voltam a formar à medida que surgem novas situações e novos desafios. Grupos d projeto não seriam formados como resultado de sessões de de planejamento abstratas a priori, mas sim à medida que as situações exigissem. Grupos seriam formados e dissolvidos, reunidos para abordar determinados assuntos e servir a funções específicas e, em seguida, seriam dissolvidos.

A estratégia seria criada de forma retrospectiva, à medida que as pessoas experimentassem algo, formassem grupos para discutir a questão e, em seguida, articulassem qual seria a estratégia. Pessoas de diferentes áreas funcionais conversariam regularmente, compartilhariam insights e expertise de acordo com o que a situação exigisse. Expressões de espanto seriam comuns quando surgissem insights de lugares improváveis em momentos imprevisíveis e à medida que os empregados chegassem a novos acordos por meio de processos colaborativos.

As organizações criariam diretrizes mínimas, permitindo que os empregados se orientassem para situações concretas e seguissem seus palpites, dando contribuições necessárias. A energia oscilaria, à medida que indivíduos e grupos seguissem suas paixões ou reagissem a um desfio adaptativo. Haveria uma noção de descoberta comum à medida que as pessoas deparassem com situações de difícil solução, explorassem ideias e considerassem opções, descobrissem novas possibilidades apenas depois de ações experimentais já terem sido iniciadas. Mandatos de cima para baixo seriam recebidos com desconfiança, ou até mesmo ignorados, por medo de que pudessem atrapalhar as negociações de baixo para cima e os processos de análise.

Em vez de ficarem isolados em seus estilos, os funcionários trabalhariam em vários projetos ao mesmo tempo e pertenceriam a diversas equipes. Conversas e interações entre os silos criariam um modo de diálogo fundamentado na curiosidade. Perguntas surgiriam: De onde vem isso? Como você descobriu aquilo? Por que sou o único que não sabia disso? Por que não percebemos isso antes? Por que? Não porque todos quisessem bancar os especialistas, mas porque os empregados nunca estariam muito satisfeitos com o que sabem, nunca completamente confiantes de que estariam preparados para o que acontecesse a seguir.

Já que significados e cenários seriam fluidos, as pessoas utilizariam menos a clareza cognitiva e ficariam mais à vontade com a incerteza e a ambiguidade. Seria mais fácil admitir o que você não sabe e sentir livre para buscar a ajuda dos outros para obter informações; seria mais fácil também assumir qualquer papel solicitado quando surgisse a necessidade. Uma cadeia hoteleira que quisesse enfatizar o serviço quatro estrelas, em que todos os empregados seriam responsáveis por deleitar o cliente, se livrou de todos os títulos dos cargos. Todos os funcionários passaram a ser, a partir de então, “associados”, e era igualmente esperado d todos que respondessem aos pedidos independentemente de fazerem parte das exigências de departamentos específicos.

Assim seria uma organização que improvisa. Na Roadway Trucking, onde os empregados da linha de frente participam ativamente do planejamento estratégico, os motoristas de caminhão não esperaram ter aprovação para usar o celular para comunicar informações importantes sobre as remessas de carga e horários de entrega. Ao contrário, tomaram a iniciativa de comprar celulares e começaram a usá-los para demonstrar que esse importante recurso deveria ser financiado pelo departamento.

“Todos fazem de tudo” – esse é um bom lema para bandas de jazz e para organizações que querem aprender a improvisar. As apresentações de jazz não são aleatórias nem acidentais. Os músicos se preparam para serem espontâneos, afinal como dizia o lendário baixista de jazz, Charles Mingus, “ninguém improvisa do nada”.

___________________________________________________________

*Excertos adaptados do capítulo 8 do livro, "Sim à Desordem, de Frank J. Barrett, editora Elsevier, 2013, Rio de Janeiro

**Frank J. Barrett é professor de Administração e Políticas Públicas Globais, doutor em Comportamento Organizacional , músico e pianista de Jazz.


segunda-feira, 25 de agosto de 2025

O Efeito Dunning-Kruger no ambiente de trabalho

"O problema da humanidade é que os estúpidos estão cheios de certezas, enquanto os inteligentes estão cheios de dúvidas" (Bertrand Russel)


Sabe aquele supervisor, gerente ou mesmo colega de trabalho que adora convencer os seus parceiros só no grito? Sempre aos berros, acredita que seja o dono da verdade em tudo, ninguém sabe mais do que ele e não admite o contraditório nem qualquer crítica ou questionamento? Isso tem um nome: Efeito Dunning-Kruger.  No entanto, o inverso também ocorre e portanto temos duas situações:

- pessoas com baixa competência tendem a superestimar as suas habilidades.

- pessoas competentes tendem a subestimar as suas habilidades.

Muitos ambientes de trabalho estão cheios desse tipo de pessoa. O vídeo abaixo muito divertido explica detalhadamente como essa síndrome foi descoberta por dois psicólogos sociais, David Dunning e Justin Kruger após analisar um assalto a banco mal sucedido.

O único caminho para evitar o efeito Dunning-Kruger é investir no conhecimento permanente e ter a humildade em reconhecer que não se pode saber tudo nesse mundo. Com a palavra o filósofo Sócrates: 

"Eu só sei que nada sei".









segunda-feira, 18 de agosto de 2025

Fanáticos e viciados em CLT


Tivemos dia desses um debate instigante publicado numa rede social denominado “1 patrão VS 30 demitidos”. Pelo lado do empregador, a presença do empresário Tallis Gomes e do outro lado 30 pessoas que foram demitidas das empresas nas quais prestavam serviço. O debate revelou entre outras coisas como ainda algumas pessoas se apegam cegamente à Consolidação das Leis do Trabalho-CLT sem se darem conta da armadilha perversa que esse diploma lhes confere.

Um dos grandes erros absurdos da CLT, entre tantos outros é colocar empregado e empregador em lados opostos como se inimigos fossem. Isso é um ilusão, um precisa do outro, o empregado é o valioso capital humano que todo empregador dispõe para o seu empreendimento. Aliás, diga-se de passagem, que a CLT é por si própria um terrível erro, nenhum outro país no mundo possui um diploma tão violento que impede na prática a fluência perfeita das relações de trabalho entre empregado/empregador. Fosse a CLT tão boa, milhares de pessoas de outros países viriam para cá a procura de emprego, porém na prática ocorre o oposto, existe sim fuga de mão de obra para outros países.

Ao longo dos anos tenha demonstrado em diversos artigos deste blog a artificialidade dos ditos “direitos trabalhistas” que não são gerados diretamente do contrato de trabalho, mas de um diploma tacanho, legado paternalista/getulista e imposto pelo Estado coercitivo, um diploma que pune tanto empregador quanto o trabalhador. Sim, o trabalhador se engana quando acredita que a CLT lhe dá “direitos”, pois tais “direitos” são pagos por ele próprio ainda que indiretamente sem que ele tenha a percepção desse esbulho.

Há algum tempo escrevi um artigo "Salário do trabalhador deveria ser o dobro do que recebe" o qual recomendo e demonstro porque o trabalhador deveria receber o dobro do que ele vale como profissional no mercado de trabalho. É muito simples de entender, todo o pacote de “direitos” obrigatórios que o empregador paga inclusive a parcela da previdência social que é subtraída do próprio salário do trabalhador fatalmente reflete no valor nominal da remuneração salarial que poderia ser quase mais que o dobro não fosse esse pacotaço de “direitos” artificias coercitivos.

Basta uma análise rápida sobre os efeitos produzidos pela CLT para se colocar em cheque praticamente todos os seus artigos. Como pode um diploma dispor de regras iguais para centenas de profissões absolutamente diferentes? O artigo 58, por exemplo, que dispõe sobre a jornada de trabalho igual para profissões que precisam de jornadas absolutamente diferentes durante o expediente. O artigo 9, mais um exemplo que podemos citar que impede e veta flexibilidade ou acordos entre empregado/empregador. Cada artigo é uma dupla tijolada, um tijolo acerta a cabeça do empregador e outro a cabeça do trabalhador, embora o tijolo do trabalhador venha revestido numa bela, irresistível e enganosa embalagem travestida de “direitos trabalhistas”.

O ensino formal desde os primeiros anos estimula o fomento por políticas públicas e a veneração pelo Estado de bem estar social, a imagem do empreendedor é sempre vilipendiada cravando-lhe na testa um selo de explorador. Na conclusão do curso superior temos de um lado um contingente de concurseiros e de outro um contingente de viciados em CLT que iludidos pelo o que foi ensinado aguardam nas filas de empregos pelos seus pacotaços de “direitos trabalhistas”.  Vínculo empregatício são palavras sagradas,  enquanto empreendedor, que seja anátema!

Esse vício por CLT não é difícil de curar. A prescrição compreende doses maciças de escola austríaca de economia, leituras muitas de anarcocapitalismo e libertarianismo e praxeologia várias vezes ao dia. Quem seguir essa prescrição em pouco tempo nem chegará perto de uma CLT, um só artigo já será mais do que suficiente para lhe causar engulhos. A opção de laborar como PJ também é uma excelente vacina que uma única vez inoculada a pessoa estará curada e imunizada do vício celetista para todo e sempre.









segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Propriedade intelectual não existe*




Casos de plágios musicais sempre acabam sendo repercutidos pelas mídias e redes sociais. Não faz muito tempo tivemos o caso de um desconhecido compositor brasileiro que acusou a cantora britânica Adele de ter plagiado um trecho de uma de suas composições. O compositor ajuizou uma ação pleiteando indenização. Por enquanto ele se deu mal porque a justiça se declarou incompetente para julgar a questão. Trata-se de um caso que faz parte do tema Propriedade Intelectual (PI), um tema pra lá de polêmico e que abrange as mais diversas profissões, atividades econômicas e as relações de trabalho.

Ainda existe muita confusão e dúvidas sobre o tema, pois podemos desmembrar os tipos mais comuns de Propriedade Intelectual em: Direitos Autorais, Patentes, Segredo Comercial e Marca Registrada. Cada tipo tem as suas especificações e que mudam de país para país. Cada país elabora suas leis no que diz respeito à Propriedade Intelectual. 

No Brasil temos duas leis que tratam do tema, a Lei nº 9.279/96 que regula os direitos e obrigações relativos à propriedade industrial, incluindo patentes, marcas, desenhos industriais e indicações geográficas e a Lei nº 9.610/98 que trata dos direitos autorais, obras literárias e artísticas.

Grosso modo, de acordo com premissas lógicas, primeiramente é preciso ter uma clara definição de propriedade para depois concluir se propriedade intelectual faz algum sentido ou não. E de acordo com a Lógica, não faz sentido algum, pois toda propriedade é inexoravelmente um bem escasso. Bem escasso é bem finito e ideias não são escassas e portanto não são finitas. Não há como roubar ideias! Ideias podem ser copiadas, porém não roubadas. Se você copia uma ideia de alguém, a pessoa não fica sem a ideia e não importa muito o que você fará com ela, ou seja,  se vai ganhar algum dinheiro ou não.

Bem, imagine se somente os descendentes dos irmãos Wright teriam direito de fabricar aviões, imagine se somente os descendentes de Louis Daguerre detivessem os direitos sobre as máquinas fotográficas e assim por diante. A humanidade não chegaria aonde chegou.

Não é preciso um tratado científico para provar a impossibilidade lógica da propriedade intelectual, embora dentro em breve escreverei um artigo mais detalhado a respeito. Imagine que você, funcionário de uma empresa crie um software para melhorar a produtividade de sua equipe. Quais são os seus direitos pela criação? O software pertence a você ou à empresa? A ideia foi sua mas... a animação que ilustra este artigo poderá responder essas questões. E se você discorda você está errado! Afinal, quem nunca baixou música, filme, livros, etc. da Internet? Quem nunca?

_________________________________________________________

Nota: Video compartilhado do canal Ação Horizontal - Alisson Neres


segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Sobre a liberdade de errar, segundo Ludwig von Mises*




“O fato é que, no sistema capitalista, os chefes, em última instância, são os consumidores. Não é o Estado, é o povo que é soberano. Prova disto é o fato de que lhe assiste o direito de ser tolo. Este é o privilégio do soberano. Assiste-lhe o direito de cometer erros: ninguém o  pode impedir de cometê-los, embora, obviamente, deva pagar por eles. Quando afirmamos que o consumidor é supremo ou soberano, não estamos afirmando que está livre de erros, que sempre sabe o que melhor lhe conviria. Muitas vezes os consumidores compram ou consomem artigos que não deviam comprar ou consumir.

Mas a ideia de que uma forma capitalista de governo pode impedir, através de um controle sobre o que as pessoas consomem, que elas se prejudiquem, é falsa. A visão do governo como autoridade paternal, um guardião de todos, é própria dos adeptos do socialismo. Nos Estados Unidos, o governo empreendeu certa feita, há alguns anos, uma experiência que foi qualificada de “nobre”. Essa “nobre experiência” consistiu numa lei que declarava ilegal o consumo de bebidas tóxicas. Não há dúvida de que muita gente se prejudica ao beber conhaque e uísque em excesso. Algumas autoridades nos Estados Unidos são contrárias até mesmo ao fumo. Certamente há muitas pessoas que fumam demais, não obstante o fato de que não fumar seria melhor para elas. Isso suscita um problema que transcende em muito a discussão econômica: põe a nu o verdadeiro significado da liberdade.

Se admitirmos que é bom impedir que as pessoas se prejudiquem bebendo ou fumando em excesso, haverá quem pergunte: “Será que o corpo é tudo? Não seria a mente do homem muito mais importante? Não seria a mente do homem o verdadeiro dom, o verdadeiro predicado humano?” Se dermos ao governo o direito de determinar o que o corpo humano deve consumir, de determinar se alguém deve ou não fumar, deve ou não beber, nada poderemos replicar a quem afirme: “Mais importante ainda que o corpo é a mente, é a alma, e o homem se prejudica muito mais ao ler maus livros, ouvir música ruim e assistir a maus filmes. É pois dever do governo impedir que que se cometam esses erros.”

E como todos sabem, por centenas de anos os governos e as autoridades acreditam que esse era de fato o seu dever. Nem isso aconteceu apenas em épocas remotas. Não faz muito tempo, houve na Alemanha um governo que considerava seu dever discriminar as boas e más pinturas – boas e más, é claro, do ponto de vista de um homem que, na juventude, fora reprovado no exame de admissão à Academia de Arte, em Viena: era o bom e o mau segundo a ótica de um pintor de cartão-postal. E tornou-se ilegal expressar concepções sobre arte e pintura que divergissem daquelas do Füher supremo.

A partir do momento em que começamos a admitir que é dever do governo controlar o consumo de álcool do cidadão, que podemos responder a quem afirme ser o controle dos livros e das ideias muito mais importante?

Liberdade significa realmente liberdade para errar. Isso precisa ser bem compreendido. Podemos ser extremamente críticos com relação ao modo como nossos concidadãos gastam seu dinheiro e vivem sua vida. Podemos considerar o que fazem absolutamente insensato e mau. Numa sociedade livre, todos têm, no entanto, as mais diversas maneiras de manifestar suas opiniões sobre como seus concidadãos deveriam mudar seu modo de vida: eles podem escrever livros; escrever artigos; fazer conferências. Podem até fazer pregações nas esquinas, se quiserem – e faz-se isso, em muitos países. Mas ninguém deve tentar policiar os outros no intuito de impedi-los de fazer determinadas coisas simplesmente porque não se quer que as pessoas tenham a liberdade de fazê-las.”

________________________________________________________________________
*Excertos extraídos do capítulo II do livro "As Seis Lições", de Ludwig von Mises, editora José Olympio, RJ, 1979

segunda-feira, 28 de julho de 2025

A febre do morango do amor




A mão invisível do livre mercado produz mesmo milagres. De repente, em alguma plataforma das redes sociais alguém publica uma atrativa sobremesa conhecida como “morango do amor’. A postagem viraliza e em poucos dias muda a vida de confeiteiros, docerias, aplicativos de entrega e produtores de morango. Não existe algo mais belo e moral do que isso, haja vista a quantidade de profissionais e setores da economia envolvidos nessa demanda pelo doce engendrada pelo livre mercado. 

Na verdade não há nada demais nessa sobremesa, pois trata-se de uma variação de outro doce já conhecido, a “maçã do amor”, iguaria criada nos Estados Unidos no início do século XX concebida pelo confeiteiro William W. Kolb. Ele teve a ideia de cobrir a fruta com uma calda na cor vermelha através da utilização de corante alimentício, batizando a iguaria como “maçã do amor”.  Em Londres, desde 1890 já se produziam maçãs caramelizadas cujo nome era “toffee apples”, embora não na cor vermelha. Lembrando também que no norte da China desde a Dinastia Sung já se produziam um tipo de iguaria denominada thanghulu que nada mais eram do que frutas mergulhadas em calda de açúcar caramelado, depois espetadas num palito eram vendidas nas ruas e nas praças pelas doceiras chamadas tiánshí tānzhǔ.

Pois bem, após a viralização nas redes sociais, milhares de confeiteiras publicaram suas receitas do “morango do amor’”. É uma sobremesa até simples que implica em envolver o morango com um creme de brigadeiro branco e depois cobri-lo com a calda vermelha de açúcar cristalizado. Parece fácil, não? O problema é que achar o ponto dessa calda não é tão fácil assim, poderá ficar muito dura ou borrachuda. É preciso utilizar termômetro culinário para saber o ponto correto.

O resultado disso traduzido em números é o seguinte: a demanda pelo morango aumentou nesse curto espaço de tempo em 1333%; em apenas um mês os pedidos pelo Ifood aumentaram de 257 mil para 524 mil pedidos dessa iguaria. Uma confeiteira independente vendeu 12 mil unidades do doce faturando 34 mil reais em apenas alguns dias.

Entretanto, um setor que foi pouco citado nessa febre pelo “morango do amor” é o setor de odontologia que vai faturar horrores surfando nessa onda. Em razão da calda ser vitrificada já existem muitos casos viralizando nas redes de dentaduras e próteses dentárias arrancadas, dentes quebrados e gengivas perfuradas. Mais um setor econômico que entra em ação que é o dos profissionais da odontologia e claro, por tabela a venda de medicamentos.

A praxeologia é um método empírico criado pelo economista da escola austríaca de economia, Ludwig von Mises , cujo axioma central é  "o ser humano age com propósito. “O homem age.” Isso implica dizer que o ser humano realiza ações conscientes para alcançar fins, usando meios disponíveis". E apenas uma postagem -uma ação humana- de uma sobremesa nas redes sociais acendeu e movimentou a vida de diversos profissionais de diferentes setores da economia provou mais uma vez a premissa irrefutável de Ludwig von Mises. Ações humanas dessa natureza serão sempre bem vindas.



À Altura (The Match): filme recomendado que aborda a difícil relação entre mestre e aluno

"Não importa olhar um para o outro, mas ambos olharem na mesma direção, para frente e mais para o alto" (Saint-Exupéry) À Altura (...