Por Samuel Smiles
“Até mesmo os hobbies são úteis para desenvolver a capacidade de trabalho. Eles exigem um certo tipo de esforço, e pelo menos proporcionam uma ocupação agradável. Não se trata de hobbies como o de Domiciano, que se ocupava em caçar borboletas. Os passatempos do rei da Macedônia, que fabricava lanternas, e do rei da França, que fazia fechaduras, eram mais respeitáveis. Até mesmo uma ocupação mecânica regular é sentida como um alívio pelas mentes sob constantes pressão. É uma interrupção do trabalho, isto é, um descanso, um relaxamento. E o prazer consiste no trabalho em si, não no resultado.
Entretanto, os melhores hobbies são os intelectuais. Assim é que homens de mente ativa se afastam dos negócios cotidianos para encontrar divertimento em outras paragens, uns na ciência, outros na arte, e um maior número na literatura. Tais recreações constam entre as melhores profilaxias contra o egoísmo e o materialismo vulgar. Acreditamos que foi Lorde Brougham que disse: “Abençoado seja o homem que tem um passatempo!”, e ele mesmo, com a grande versatilidade de sua natureza, tinha vários, da literatura à óptica, da história e da biografia à ciência social. Diz-se que Lorde Brougham chegou a escrever um romance, e a história notável de Man in the Bell (O Homem no Sino), publicado há muitos anos no Blackwood, tem sua autoria atribuída a ele. Os hobbies intelectuais, porém, não devem ser excessivos, pois em vez de divertir, renovar e revigorar a natureza do homem, apenas surtem o efetivo de fazê-lo retornar ao trabalho exausto, nervoso e deprimido.
Além de Lorde Brougham, muitos líderes respeitados produtivos ocuparam seu tempo ocioso ou se consolaram ao se aposentarem de suas funções, produzindo obras que se tornaram parte da literatura mundial. Assim, os comentários de César ainda são um clássico. O estilo claro e enérgico o coloca em pé de igualdade com Xenofonte, que também foi bem sucedido ao combinar o envolvimento nas letras com as demandas da vida ativa.
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Ao perder o ministério por força de intrigas de seus inimigos, Turgot encontrou consolo no estudo da ciência física. Ele também retomou o gosto antigo por literatura clássica. Durante longas viagens e nas noites quando a gota o atormentava, ele se distraía escrevendo versos em latim. Embora o único verso preservado foi aquele que fez com a intenção de retratar Benjamin Franklin: “Arrancou do céu o raio, e dos tiranos, o cetro”.
Entre outros líderes respeitados franceses mais recentes, para quem, no entanto, a literatura é uma profissão tanto quanto a política, podemos citar Tocqueville, Thiers, Guizot e Lamartine. Napoleão III aspirou a uma cadeira na Academia com “A Vida de César”.
A literatura também tem sido o principal deleite de nossos maiores líderes políticos. Quando Pitt deixou o ministério, assim como seu grande contemporâneo Fox, retomou prazerosamente o estudo dos clássicos gregos e romanos. De fato, Grenville considerou Pitt o melhor estudioso da Grécia que ele conhecia. Ao se aposentarem, Canning e Wellesley se dedicaram à tradução de todas as sátiras de Horácio. A paixão de Canning pela literatura permeou todas as suas atividades e deu colorido à sua vida. Segundo seu biógrafo, depois de um jantar na residência de Pitt, enquanto o resto do grupo se dispersava para conversar, ele e Pitt podiam ser visto debruçados sobre algum velho autor grego, num canto da sala. [...]
Para o falecido Si George Cornwell Lewis, um dos nossos mais capazes e esforçados líderes políticos modernos, a literatura era um hobby assim como uma atividade. Ele foi um excelente homem de negócios, diligente, preciso e meticuloso. Ocupou sucessivamente os cargos de presidente do conselho de administração da taxa dos pobres, cujo mecanismo foi criação sua, de chanceler do Tesouro, de secretário do ministério do interior e do ministério da guerra. Em cada uma dessas ocupações, ele adquiriu a reputação de administrador extremamente bem sucedido. Durante os intervalos das funções oficiais, ele se ocupava em pesquisa de assuntos variados, como história, política, filologia, antropologia e antiguidades. [...] Ele sentia um prazer especial em estudar os ramos mais obscuros do conhecimento, e encontrava neles extrema satisfação e divertimento". [...]
*Texto extraído do livro, "Caráter", de Samuel Smiles, capítulo IV, páginas 105 a 109
*Texto extraído do livro, "Caráter", de Samuel Smiles, capítulo IV, páginas 105 a 109
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