“O que é literatura? Nem todo livro escrito pode ser chamado de literatura. Um livro de aritmética ou geometria, um trabalho que trata tecnicamente das ciências não deve ser considerado literatura. O jornal, por mais variado que seja em termos de conteúdo, não pode ser definido como literatura. O que, então, constitui literatura? Duas coisas: primeiro, o assunto tratado deve apelar para nossa natureza humana comum; segundo, o assunto deve ser tratado de tal maneira que sua leitura proporcione prazer.
Um complementa o outro. Um texto sobre a natureza humana ou que seja atraente aos nossos sentimentos por si só, sem estilo, sem forma especial de expressão correspondente ao assunto, correspondente à personalidade que dele trata ,não constitui literatura. Do mesmo modo, o mero estilo, por mais polido, sem algo atraente para a nossa natureza humana, excluiria um livro assim escrito da categoria de literatura. Quando lemos uma peça de Shakespeare, vemos nela pensamentos profundos, num estilo maravilhoso. Descobrimos que esse grande autor “pôs um espelho diante da natureza”, e toda aspiração de nossa alma, toda batida de nosso coração, podemos encontrar nas maravilhosas páginas desse grande poeta.
De Quincey traça uma bela distinção entre o que ela chama de literatura do conhecimento e literatura do poder, uma ótima distinção que serve ao nosso propósito. Alguns livros são puramente técnicos e, ainda assim, agradam o intelecto e influenciam sua época. Podemos chamar esses livros de literatura do conhecimento. Na teologia, um exemplo dessa categoria de literatura é o livro Analogy, de Burler. Na filosofia, emos Ensaio sobre o entendimento humano, de Locke. No âmbito da economia política, podemos citar A riqueza das nações, de Adam Smith. A literatura do poder é diferente. Lida mais com as emoções e paixões da natureza humana; dirigi-se à cabeça e ao coração; interpreta para nós nossas aspirações e pensamentos mais profundos e sutis. Pode levar-nos às lágrimas por seu páthos, pode inspirar alegria e risos por sua inteligência ou humor, mas invariavelmente mexe como nossas emoções de uma forma ou de outra.
Mais uma vez, a literatura do poder, ao revelar-nos certas relações secretas entre nós e o mundo material, coloca-nos em um espírito de maior harmonia e contentamento com tudo que é grandioso, nobre e belo nas colinas, nos vales e no céu estrelado, no rio que corre ou no oceano agitado que é seu destino, e nossa apreciação e despertada para a percepção da beleza de tudo o que existe para ver e ouvir neste lindo mundo nosso. Mais uma vez, a literatura do poder chega ao cantos mais recônditos de nossas almas e desperta em nós a vida espiritual, além de revelar-nos nossas falhas, nossas fraquezas, mostrando-nos a nobreza e a beleza da virtude, para que possamos admirá-la e incorporá-la, e a deformidade do vício, para que possamos odiá-lo.
A partir disso, podemos perceber o grande elemento educacional da literatura e o alcance de sua influência. De fato, a literatura serviu parea educar as nações mais cultas. A Grécia moldou-se com base na literatura de Homero, Ésquilo e Sófocles. Num sentido especial, trata-se de uma nação literária. Mais uma vez, a literatura da Grécia refinou Roma, e os fragmentos remanescentes das literaturas grega e romana foram as influências educacionais do processo de civilização dos bárbaros e propagação de toda cultura medieval e moderna. Os maiores intelectos inspiraram-se na literatura da Grécia e de Roma e, mais tarde, nas literaturas cristãs das nações cristãs. Na história da civilização, a literatura foi o elemento singular que elevou os povos da barbárie à cultura e ao refinamento. [...]
Um único livro, às vezes, uma única passagem de um livro, é suficiente para moldar um caráter. Cuidem, portanto, de que o livro que os senhores forem ler seja útil para fortalecer seu caráter e suas resoluções, sendo, ao mesmo tempo, uma fonte de cultura e refinamento. A literatura estudada dessa maneira, o livro assim lido, cumprirá sua função essencial de influência educacional.”
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*Excerto extraído do capítulo, "Literatura: sua natureza e influência", do livro História e Essência da Educação Ocidental, de Patrick Francis Mullany, editora Kirion, 1ª edição, SP/2021
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