segunda-feira, 30 de setembro de 2019

A exposição negativa dos supermercados e a responsabilidade do setor de RH

Recentemente, a imprensa noticiou dois terríveis casos de tortura ocorridos nas dependências internas de supermercados. No decurso de um ano, alguns supermercados tiveram seus nomes expostos negativamente na grande mídia, seja no trato desumano com seus empregados, incluindo os terceirizados, seja na conduta reprovável de seguranças que agem despreparados com suspeitos de roubo ou furto. Vamos então recapitular os fatos que foram destaques na mídia:

Dezembro/2018: segurança acusado de matar cachorro a pauladas

Fevereiro/2019: segurança mata jovem com um golpe mata-leão

Março/2019: supervisora proíbe funcionária lésbica de usar o banheiro

Setembro/2019: seguranças torturam suspeitos de roubo (aqui e aqui)

Além disso, comentei neste blog um caso de um funcionário açougueiro desossador que também exerce as funções de padeiro, confeiteiro, repositor, entre outras funções que não constam em seu contrato de trabalho. Por tudo isso ele recebe apenas um salário sem direito a hora-extra e sem qualquer outro benefício, ou seja, um gritante caso de exploração que ocorre num supermercado de periferia.

Parece que na disputa entre as piores empresas no que diz respeito às relações de trabalho, os supermercados superaram as empresas de Call Center, que sempre foram as campeãs em tratar muito mal os seus colaboradores, atropelar não somente a legislação trabalhista como também a Constituição Federal.

Com exceção do caso do açougueiro desossador, os outros casos citados que envolvem seguranças, são serviços terceirizados, mas que de maneira alguma não exime o setor de Recursos Humanos da responsabilidade total pelas gravíssimas falhas ocorridas. 

A contratação de serviços terceirizados quer sejam eles de segurança, limpeza, manutenção elétrica ou outros que compreendem a atividade-meio, bem como os demais serviços que compreendem a atividade-fim, são responsabilidades exclusivas do setor de Recursos Humanos, que nos casos citados falhou de maneira escandalosa e que acabou expondo o nome e a imagem dessas empresas de maneira negativa na imprensa e com sequelas judiciais.

Quando essas situações gravíssimas são expostas na mídia, consequentemente há um impacto direto nos consumidores e fornecedores. As vendas despencam e o prejuízo é líquido e certo. De nada adianta a empresa soltar comunicados que o caso está sendo apurado, os envolvidos afastados e o contrato com a empresa terceirizada rescindido, pois depois que o fato acontece, medidas corretivas dificilmente se mostram eficazes na prática.

A Lei nº 13.429/2017 que trata da terceirização diz em seu artigo 4º-A, § 1º:

“A empresa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outras empresas para realização desses serviços”.

Falhanço geral dos setores de RH tanto das contratantes e principalmente das contratadas. Em vários artigos já escrevi sobre a importância de um documento denominado “Descrição de Cargos”. Esse documento pode evitar que os funcionários tenham condutas reprováveis, pois além de conter informações sobre os perfis, nele deverá constar outros itens tais como:

- Atividades, responsabilidades e deveres do cargo

- A qualificação profissional e as suas habilidades


- Equipamentos que estão sob sua responsabilidade


- Requisitos físicos exigidos (dependendo do cargo)


- A quem ele se reporta


- Assinatura do funcionário e do responsável pelo setor.


Nos casos mais graves das torturas, impossível que o setor RH dessas empresas não estivesse a par do que estava ocorrendo nas dependências internas do supermercado, pois existem câmeras monitorando o tempo todo cada sala, cada corredor e cada espaço do supermercado.

Portanto, existe sim responsabilidade total do setor de RH em razão da conivência ou então pela omissão em tomar providências preventivas e imediatas. Se tais medidas não forem tomadas, o resultado é o que todos viram na mídia, ou seja, a exposição negativa do nome e da imagem de empresas consolidadas no ramo de supermercados. O prejuízo vem rápido e a reboque, mas a recuperação do prestígio da marca é um longo processo que pode levar muito tempo e não custa nada barato.

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Empregado é obrigado a pedir demissão para não sofrer dispensa por justa causa?



É inacreditável, abominável e inaceitável saber que esse tipo de situação ainda se faz presente em muitas empresas. A situação é colocada como se a empresa estivesse fazendo um favor ao empregado ao obrigá-lo a assinar um pedido forjado de demissão, caso contrário sofrerá a penalidade maior que é a justa causa. Já abordei o assunto em 2011 neste artigo, e infelizmente terei que abordá-lo novamente. Aos fatos:

Recebi essa semana uma consulta de uma funcionária que teve uma áspera discussão com uma colega de trabalho durante o expediente. As duas funcionárias então foram chamadas pela gerente que deu duas opções para ambas, a saber: ou assinariam o pedido de demissão forjada ou seriam demitidas por justa causa. É claro que se trata de uma situação absurda que coloca as funcionárias numa sinuca de bico. Evidentemente orientei as duas para não assinarem o pedido de demissão.

No entanto, é uma situação recorrente em empresas desorganizadas que recrutam gestores que são muito mal treinados, sem a mínima noção ou orientação da legislação trabalhista. Normalmente em empresas de Call Center, de departamentos de moda e vestuário, de departamentos de eletrodomésticos e em redes de supermercados (eles, de novo), essa situação é bem comum de ocorrer.

Isto porque, a maioria dos casos de justa causa é mal aplicada, mal fundamentada e como consequência, acaba sendo revertida na justiça para rescisão normal, salvo os casos muito graves e irreversíveis, mas que são raros. Obrigando o empregado a pedir demissão, a empresa alivia o valor das verbas rescisórias. Normalmente o aviso prévio é descontado pela falta de seu cumprimento forjado na carta de demissão, não há saque de FGTS nem entrega do formulário do seguro desemprego. Em muitos casos, a rescisão é zerada e o empregado sai com as mãos abanando e os bolsos vazios.

Ora, a justa causa é a penalidade maior que se pode aplicar a um funcionário, e para concretizá-la, o empregador deve estar muito certo e seguro do que está fazendo. Recentemente escrevi sobre essa questão quando tratei da rescisão indireta ou justa causa contra o empregador. E os critérios adotados para uma rescisão por justa causa são os mesmos tanto para empregado, bem como para o empregador.

Somente o fato de a empresa oferecer a opção do pedido de demissão forjada caso contrário aplicará a justa causa, já demonstra que a empresa não está tão segura de que o ato faltoso cometido pelas funcionárias como no caso em tela, realmente se enquadraria na penalidade maior que é a justa causa. Seria o caso de uma carta de advertência ou mesmo uma suspensão para as duas funcionárias.

Mesmo porque, a aplicação da justa causa requer apuração imediata dos fatos através da abertura de uma rápida sindicância, oitiva de testemunhas, laudo técnico, se for o caso, e a elaboração de um dossiê que deverá ser apresentado na justiça quando o ex-empregado demandar a reversão da justa causa.

Muitos empregados desinformados, aceitam assinar o pedido de demissão forjada pelo medo da justa causa, medo de que a empresa faça anotações desabonadoras na carteira profissional. Como já citei em artigos anteriores, a empresa não pode anotar nada de desabonador na carteira profissional do empregado, conforme artigo 20 § 4º da CLT: 

“É vedado ao empregador efetuar anotações desabonadoras à conduta do empregado em sua Carteira de Trabalho e Previdência Social”.

A empresa, cujo responsável por essa questão é o gestor de RH e que propõe ao funcionário forjar um pedido de demissão para não demiti-lo por justa causa, está jogando a conduta ética profissional na lata do lixo. Não importa se com a anuência do empregador ou não, pois mesmo que não seja de seu conhecimento, existe a responsabilidade da omissão e de não ficar a par da má conduta ética-profissional de seus gestores. O nome da empresa fica exposto de forma negativa com impacto direto nos clientes e fornecedores.

Naturalmente que a resposta para a pergunta do título deste artigo é um sonoro NÃO! O empregado jamais é obrigado a assinar um pedido forjado de demissão sob pena de sofrer uma justa causa, ao menos que ele seja reincidente no mesmo lapso e tenha três advertências já incluída uma suspensão pelo mesmo motivo.

Portanto, entre um pedido forjado de demissão e a justa causa, o empregado deve optar pela justa causa, as chances de reversão para rescisão normal na Justiça do Trabalho são de praticamente cem por cento. Demandar na justiça nem será preciso porque no momento em que o empregado optar convictamente pela justa causa, a empresa vai recuar, aplicar uma advertência ou suspensão ou demitir sem justa causa. E a sinuca de bico foi invertida.

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Incêndio em hospital e a segurança do trabalho





Semana passada, o Brasil todo se comoveu com o incêndio no hospital particular Badim, situado na zona norte do estado do Rio de Janeiro. A tragédia contabilizou um saldo de 11 mortos, todos pacientes que estavam internados e faleceram em decorrência da inalação de fumaça tóxica causada pelo fogo ou do desligamento dos aparelhos que os mantinham vivos, pela falta de energia elétrica que faltou naquele momento.

Uma fatalidade tão chocante como essa, ocorre num momento muito oportuno para trazer à tona as questões pertinentes a medidas de segurança preventiva, não somente em hospitais porém, nas demais empresas do país que atuam nas mais diversas atividades. Vamos lá:

As análises preliminares apontam que o fogo começou em razão de um curto-circuito num gerador que estava no subsolo. Porém, conforme noticiado na imprensa, os motivos que resultaram em óbito de onze pacientes, foi a falta de condições mínimas de segurança que pudessem oferecer rápida fuga tanto para os pacientes, bem como, para os empregados do hospital que felizmente saíram ilesos.

Ausência de portas corta-fogo, de escadas de emergência, de rampas e principalmente de exaustores com revestimento antichamas que sugam a fumaça para fora e trazem ar puro para dentro, foram determinantes para o terrível sinistro que vitimou onze pacientes. Poderia até ter sido pior.

É neste momento que deve entrar em cena o técnico de segurança do trabalho, figura das mais importantes nas atividades hospitalares e serviços de saúde. Profissional indispensável em tais atividades é ele quem planeja e executa medidas preventivas para se evitar sinistros do porte deste que ocorreu no hospital Badim. Vamos falar então sobre essa questão importantíssima que é a segurança do trabalho nas empresas.

O grau de risco de uma empresa é medido de acordo com a atividade exercida mais o número de empregados que lá trabalham. O grau varia de 1, 2, 3 e 4. A Norma Regulamentadora 4 (NR 4) é a norma que rege a segurança e saúde no trabalho em serviços de saúde. Conforme o grau de risco, a empresa está sujeita a constituição do SESMT-Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho, cujos profissionais deverão ser empregados na empresa e avaliados semestralmente.

A Lei nº 6.514/77 alterou o capítulo V do título II da Consolidação das Leis do Trabalho-CLT, e foi regulamentada pela Portaria nº 3.214/78 do Ministério do Trabalho, concedendo garantia aos trabalhadores à segurança e medicina do trabalho.

A legislação em vigor exige que todo empregador e instituições, independente do número de empregados, elaborem e implementem o PCMSO – Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (NR 7) e o PPRA – Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (NR 9), ambos com prazo de validade de 1 ano. As empresas que não cumprirem essas normas estão sujeitas a penalidades previstas no anexo I da NR 28. 

As multas são aplicadas na ocasião da fiscalização e o valor é calculado de acordo com o número de empregados e do grau de risco que se enquadra a empresa. Por exemplo:

Uma empresa com três empregados, a multa poderá variar entre R$ 1.015,00 a R$ 1.254,00 pela não implementação do PCMSO; e R$ 2.252,00 a R$ 2.792,00, pela não implementação do PPRA.

A sáude ocupacional e a segurança do trabalho são responsabilidades do setor de RH, que é de praxe em empresas de médio e grande porte, ter um especialista na legislação que coordene os dois setores, ainda que eles sejam terceirizados.

A comunicação entre o RH e os profissionais do setor de saúde ocupacional e de segurança do trabalho deve ser frequente e contínua. O planejamento de medidas preventivas de saúde e segurança visando o bem estar e a qualidade de vida de funcionários e clientes, são investimentos que não têm preço. Medidas corretivas pós-tragédia custam muito mais caro, pois a falta de investimentos em segurança pode custar vidas como custou no incêndio do hospital Badim, que por ironia do destino, trata-se de empresa cuja atividade justamente é salvar vidas.

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Funcionário falta ao trabalho por falta de Vale Transporte e recebe advertência. Cabe anulação

Umas das questões mais recorrentes nas consultas que recebo, dizem respeito aos atrasos e faltas de funcionários e as advertências recebidas por tê-los cometidos. A carta de advertência não deixa de ser uma punição que choca e assusta, caso o funcionário nunca tenha recebido alguma. A maioria dos que a recebem ficam chateados e desmotivados, principalmente se o motivo do atraso ou da falta não foram cometidos por displicência, nem por culpa do funcionário, como veremos a seguir.

Recentemente recebi uma consulta de um funcionário que recebeu uma advertência por não ter comparecido ao trabalho pela falta dos créditos do Vale Transporte, além de ter o dia e o descanso semanal descontados de seu salário. E nesse caso específico, a advertência não procede, trata-se de um flagrante desrespeito à legislação e falta de profissionalismo do responsável pelo RH ou má fé, ou até mesmo ambas as coisas. Tenho comigo que a incompetência profissional anda de mãos dadas com a má intenção. Vamos lá:

O artigo 1º da Lei nº 7.418/85, que trata do fornecimento do Vale Transporte, diz o seguinte:

“Fica instituído o vale-transporte, que o empregador, pessoa física ou jurídica, antecipará ao empregado para utilização efetiva em despesas de deslocamento residência-trabalho e vice-versa, através do sistema de transporte coletivo público, urbano ou intermunicipal e/ou interestadual com características semelhantes aos urbanos, geridos diretamente ou mediante concessão ou permissão de linhas regulares e com tarifas fixadas pela autoridade competente, excluídos os serviços seletivos e os especiais”.  

Agora o artigo 2º do Decreto nº 95.247/87:

“O Vale-Transporte constitui benefício que o empregador antecipará ao trabalhador para utilização efetiva em despesas de deslocamento residência-trabalho e vice-versa”.

Vamos recorrer agora ao artigo 476 do Novo Código de Processo Civel:

“Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro”

Estamos diante de uma situação que, de maneira alguma procede o desconto da falta, muito menos uma carta de advertência ao funcionário, que  óbvio, se negou a assinar a carta porém, duas testemunhas assinaram por ele. Ele pode pleitear na justiça a anulação da carta e o ressarcimento da falta descontada, mas isso vai dar muito trabalho e naturalmente não deixará de causar constrangimento entre as partes. Tudo isso poderia ser evitado não fosse mais uma picaretagem protagonizada por um funcionário desqualificado e totalmente despreparado para gerenciar um departamento de Recursos Humanos.

Só se justificaria o desconto da falta, caso o funcionário tivesse utilizado todo o seu Vale Transporte para viagens particulares (o que não é permitido) e os créditos acabassem antes da data prevista, o que não foi o caso. E mesmo assim, a carta de advertência só se justificaria se o funcionário fosse reincidente no fato, sendo advertido verbalmente. Do meu ponto de vista a empresa cometeu nesse caso excesso de rigor.

É sempre bom lembrar que a a Lei nº 13.467/2017 – Reforma Trabalhista, trouxe novidades no capítulo das justas causas, no caso, Artigo 482, alínea “m”, que diz: 

“perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado.”

Na minha opinião, no caso em tela, trata-se de negligência profissional e conduta dolosa cometida pelo gestor de RH dessa empresa, não importa se por iniciativa própria ou por receber orientação do  empregador. Esse funcionário sim, mereceria a alínea "m" do artigo 482 da CLT, ou no mínimo uma carta de advertência por desconhecimento da legislação, não saber o que está fazendo e conduzindo irresponsavelmente a empresa para o banco dos réus da Justiça do Trabalho.

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Artigo 483 da CLT (Rescisão Indireta) é letra morta

O artigo 483 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT é conhecido por permitir que o empregado demande a justa causa contra o empregador. Também chamado pela equivocada denominação de “rescisão indireta” (para mim, toda rescisão é direta, de uma maneira ou de outra), com suas sete alíneas, raramente é figura presente nas demandas trabalhistas e quando ocorre, é muito rara a decisão em juízo aceitar a denúncia de justa causa. Vejamos:

Em primeiro lugar, devemos levar em conta que a grande maioria de trabalhadores, inclusive do setor administrativo, desconhece a opção da rescisão indireta e quem a conhece, de início, como sempre cito em meus artigos neste blog, se sente constrangido em demandar o empregador, estando ainda prestando serviços na empresa. Em segundo lugar, mesmo que o empregado utilize esse remédio, as suas chances de vitória são quase nulas podendo o remédio funcionar como veneno contra si próprio como veremos mais adiante.

Conforme o saudoso e ilustre jurista e que atuou muito tempo como magistrado, Dr. Wagner Giglio, fartamente pesquisou e escreveu a respeito do tema em tela, a demanda da rescisão indireta, sempre peca pela má formulação do pedido elaborado pelo advogado do reclamante e pelo vício da desatualização, ou seja, pela falta da imediatidade dos fatos ocorridos.

Tomando como exemplo, o artigo 483, alínea “a”, a saber, de “serviços exigidos pelo empregador alheios ao contrato de trabalho” e a análise cirúrgica do ilustre jurista e professor Giglio:

“Convém ressaltar, contudo, que se os serviços alheios forem cumpridos pelo empregado, durante tempo apreciável, sem irresignação, entende-se que passam a integrar suas funções, por renúncia tácita de denunciar a alteração. Assim, a alegação tardia de inconformismo seria repelida por desatualização da falta ou, ainda porque não se estabeleceria o vínculo da causa e efeito entre a infração e a rescisão”.

Ainda na alínea “a”, do artigo 483, sobre os "serviços exigidos superiores às suas forças”, assinala o ilustre jurista:

"Na vida prática, raras são as ocorrências que se enquadram com precisão na hipótese legal de exigência, do empregado, de serviços superiores às suas forças, certamente porque seria necessária um grande dose de insensibilidade ou de maldade, do empregador ou do superior hierárquico, para caracterizar a ordem ilegal.”

“A alegação dessa justa causa encobre, algumas vezes, a malícia de empregado desidioso, que se recusa a executar serviços que, embora pesados, não excedem sua capacidade normal de trabalho.”

Sobre o rigor excessivo disposto na alínea “b”, do artigo 483, já tratei dessa questão neste artigo. Lembrando que, para que seja caracterizado o rigor excessivo, ele deve se repetir com insistência e ter características persecutórias.

A alínea “d”, do artigo 483, que dispõe sobre o "não cumprimento das obrigações contratuais", é o que mais motiva o empregado (desde que ele tenha conhecimento do artigo 483) a demandar a rescisão indireta. A falta de recolhimento do FGTS em dia, o não recolhimento do INSS, o atraso sistemático do pagamento dos salários, o não pagamento das férias, são consideradas infrações gravíssimas e justificam plenamente a denúncia do contrato pelo empregado, diante da frustração de seus direitos.

Ocorre que, no caso da alínea “d’, quando o empregador toma ciência da notificação trabalhista, ele rapidamente providencia o recolhimento dos encargos em atraso com juros e correção monetária muito antes do dia da audiência.

Os juízes do trabalho tendem a seguir os mais influentes doutrinadores do direito do trabalho universal, e neste caso, citemos o doutrinador Guido Bortolotto, sobre a justa causa, de ambos os lados. Três perguntas devem ser feitas:

"1)  houve a falta?

2)  há nexo de causalidade entre a falta e seu suposto autor?

3) essa falta é de tal modo grave que impede a continuação, ainda que provisória, do vínculo de emprego?"

“Só haverá ato faltoso bastante para justificar a rescisão, quando se verificar uma violação, de tal modo grave, que impeça a continuação mesmo provisória, da relação de trabalho”.

Ressalte-se que, a manifestação da vontade de resilição contratual, uma vez transmitida, torna-se irrevogável unilateralmente, salvo se a retratação chegar ao conhecimento do receptor em tempo hábil. A revogação tardia não produz efeito, salvo com a concordância do receptor.

Como constatamos, o artigo 483 da CLT é mais uma jabuticaba jurídica, foi muito mal elaborado (como o restante da CLT) somente para inglês ver. Ou seria para italiano ver?

Para concluir, se a justa causa ser indeferida em juízo o que acontece? Simples, nesse caso a rescisão é transformada em rescisão normal, por iniciativa do empregado e assim sendo, será descontado o aviso prévio, não há saque do FGTS, nem o pagamento da multa e sem direito ao Seguro Desemprego. Ou seja, é a típica situação em que o remédio se transformou em veneno contra o próprio paciente.

*As anotações e a Caixa de Ferramentas

Por Sönke Ahrens “Quando pensamos que estamos fazendo diversas tarefas, o que realmente fazemos é deslocar nossa atenção rapidamente entre d...