segunda-feira, 30 de novembro de 2020

O caso Carrefour pela perspectiva da legislação trabalhista



A lamentável morte de João Alberto Freitas causada pelo excesso de violência de seguranças terceirizados e mal treinados do supermercado Carrefour teve repercussão nacional e até mesmo internacional. As duas empresas, respectivamente o grupo Vector, empresa de segurança para a qual os dois seguranças trabalhavam e o Carrefour, vieram a público imediatamente após o ocorrido declarar a demissão por justa causa de todos os envolvidos no episódio. No caso, os dois seguranças e a fiscal do Carrefour. Será que realmente cabe justa causa nessa situação? Uma situação dessas não deixa de causar polvorosa no RH de qualquer empresa. Vejamos:


Bem, um fato que por diversas vezes costumo citar em meus artigos, é que demissão de funcionários é prerrogativa de toda empresa. Não precisa ter motivo ou mesmo justificar ao funcionário o motivo que ele está sendo demitido, basta demitir sem mais delongas e pronto. Nesse caso específico do Carrefour, obviamente que todos os envolvidos não teriam mais a mínima condição de continuar prestando serviços em qualquer unidade da empresa. A demissão dos envolvidos foi correta. Porém, a justa causa é cabível?


Uma demissão por justa causa tem que ser muito bem enquadrada e fundamentada, pois qualquer deslize as possibilidades de interposição de recursos são infinitas. Vejamos primeiro o caso dos dois seguranças. Em qual alínea do artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho-CLT, que trata da demissão por justa causa eles se enquadrariam? São 13 alíneas disponíveis e a única possível que vislumbro e com muita cautela seria (seria!) a alínea “j”. Vejamos:


Artigo 482, alínea “j”: "ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem”.


Trata-se de um enquadramento pouco comum nas demissões de justa causa. Muitos doutrinadores e juristas contestam a redação confusa dada por esta alínea. A defesa dos seguranças pode alegar que eles estavam defendendo entusiasticamente o empregador, os clientes e os próprios funcionários, pois estavam lá para isso mesmo, ainda que a atuação dos seguranças implique em excesso de rigor. De acordo com o artigo 482, alínea “j” da CLT, a legítima defesa também poderá ser alegada. É um caso que poderá durar anos tramitando na justiça e ao que tudo indica, poderá no final afastar o enquadramento de justa causa e terminar em acordo em razão de culpa recíproca pela falta de treinamento adequado da empresa de segurança.


Quanto à fiscal Adriana que foi demitida por justa causa e detida (na minha opinião, prisão absolutamente desnecessária e arbitrária), não vislumbro a mínima possibilidade de enquadramento em justa causa. Muitas pessoas a criticaram pela sua omissão ou de não interferir para que os seguranças parassem com a agressão. Pela ótica trabalhista, a situação é bem mais complexa em relação ao calor do momento, vamos lá:


Os seguranças pertenciam à empresa terceirizada (contratada) e Adriana, fiscal do Carrefour (contratante). A relação entre funcionários terceirizados com os funcionários da empresa contratante é um fio muito tênue, pois qualquer ordem de mando ou desmando, a caracterização de vínculo empregatício do terceirizado é automática e imediata. E não há como fugir disso.


Sabemos que a subordinação é um dos, senão o principal gatilho para a caraterização do vínculo empregatício. Portanto, não pode existir relação de subordinação entre funcionários terceirizados e funcionários da empresa contratante. A autonomia da fiscal, neste caso, é absolutamente limitada em relação às atitudes dos seguranças. Portanto, não é correto dizer que os dois seguranças se reportavam à Adriana, pois ambos tinham vínculo empregatício com outra empresa. Justa Causa nesse caso, nem pensar, a reversão na Justiça do Trabalho é praticamente líquida e certa.


A lição que se tira desse lamentável episódio é a revelação da falta de treinamento adequado para profissionais de segurança tomarem a atitude correta e saberem o que fazer em situações como essa. Afinal, a necessidade desses profissionais é justamente em razão do treinamento que possuem para atuarem  justamente em situações inusitadas e fora do comum, caso contrário, se nada fora do normal acontecesse não haveria razão para a contratação de seguranças bem treinados, nem mesmo a necessidade dessa profissão existir.

segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Sobre os Livros de Autoajuda


Se existe um gênero de leitura que eu sempre espinafro sem dó nem piedade é o famigerado gênero denominado “autoajuda”. O que eu sempre digo sobre esse gênero e que é corroborado por diversos críticos, é que os livros de autoajuda ajudam mesmo é a engordar a conta bancária de quem os escreve e em nada beneficiam os seus leitores, ao contrário, às vezes até saem frustrados da leitura. Bom, alguns escritores ganham a vida de maneira honesta e outros de maneira não tão honesta assim. Ocorre que nem sempre esse gênero foi fonte de pilantragem. E não, não foi uma invenção de americano como muitos acreditam, é o que veremos a seguir.

Sabemos que os americanos são praticamente os campeões na edição de livros de autoajuda, são fanáticos por esse tipo de leitura. Entretanto, o primeiro livro que podemos classificá-lo como sendo de autoajuda foi escrito no ano de 1859 pelo escritor e jornalista escocês, Samuel Smiles (1812-1904), cujo título é “Self-Help”. A obra foi traduzida no Brasil com o título, “Ajude-se”, em 2012 pela editora Abnara. Trata-se de um livro excelente, bem como, a obra completa desse prolífico escritor.

Ocorre que esse gênero de livro quando surgiu, tratava de outros temas diametralmente opostos aos temas atuais do gênero autoajuda. Não eram apelativos, não falavam sobre os 7 hábitos para você se tornar “o cara”, ou como conquistar a garota dos sonhos em 5 passos e meio, ou como deixar o seu chefe doido por você, ou como ser rico levando a vida na flauta, ou mesmo como ser feliz comendo só capim, coisas assim que abrangem inúmeras áreas, tais como, Recursos Humanos, Administração, Psicologia, Economia, vida pessoal principalmente, etc. Tem para todos os gostos e desgostos.

Mas do que exatamente tratavam os primeiros livros de autoajuda? Tratavam, sobretudo, do aprimoramento intelectual, do aperfeiçoamento da percepção humana, do refinamento do gosto e apreciação do Belo, do fortalecimento do caráter e da coragem, da importância de se dedicar às ocupações paralelas às atividades profissionais do indivíduo (o que chamamos hoje de hobbies), do cultivo da língua culta e das boas maneiras, do estudo dedicado a diversos ramos do conhecimento, tudo isso tendo como corolário a elevação do indivíduo como Ser e Pessoa.

Tais livros são verdadeiros tratados pedagógicos para a conduta humana em todos os seus aspectos, pois capacitam espetacularmente o ser humano para o enfrentamento de qualquer situação que ele se depare, seja no trabalho, na família, na escola, nos negócios e nas situações corriqueiras do dia a dia.

Só para citar alguns desses preciosos tesouros que fazem parte dessa lauta galeria de conhecimentos temos: “A Vida Intelectual”, de Antonin de Sertillanges, “Como Ler Livros”, de Mortimer Adler, “O Trabalho Intelectual”, de Jean Guitton, “Caráter”, de Samuel Smiles, “O Cortesão”, de Baldassare Castiglione, “A Arte da Prudência”, de Baltasar Gracián, “O Homem Medíocre”, de José Ingenieros, “Sobre a Firmeza do Homem Sábio”, do filósofo romano Sêneca, “As Dores do Mundo”, do filósofo alemão Arthur Schopenhauer, “Em Busca de Sentido”, do psiquiatra Viktor Frankl e tantos outros desse quilate.

Vimos até aqui que as obras citadas acima, não obstante as datas em que foram escritas permanecem atualíssimas pelo alcance e abrangência de seus conteúdos. E atualmente, quais obras podemos citar correlatas àquelas? Como o foco aqui é o setor corporativo especificamente a área de Recursos Humanos, podemos citar e recomendar fortemente as obras do psicólogo Jordan Peterson, do jornalista corporativo Malcolm Gladwell, do professor em Ciências Comportamentais, Paul Dolan, do sensacional ensaísta Nassim Nicholas Taleb e outros nessa linha. A cada leitura de algumas obras desses autores, o leitor nunca mais será o mesmo.

Embora a maioria desses livros nós encontramos nas estantes de autoajuda das livrarias, na verdade não são livros propriamente de autoajuda. Não oferecem um pacote de formulas mágicas para se dar bem e ser feliz (como nos livros fajutos de autoajuda), pelo contrário, alguns até carregam na tinta pesada e sombria da Filosofia com boas doses de pessimismo que nos mostram sim que vitórias e derrotas fazem parte de nossa trajetória e por que não indagar, será que estamos aqui mesmo somente para se dar bem?

Portanto, sejamos seletivos quando um leque de livros ditos de autoajuda nos é oferecido, pois se sentirmos mesmo necessidade de buscar livros que ofereçam amparo e socorro para nossa existência, seja no trabalho, na família ou na vida social, nós os encontraremos com certeza em outros setores, em outras estantes de livrarias que oferecem outros gêneros que não são os ditos de autoajuda.

domingo, 8 de novembro de 2020

Perfeccionismo: defeito ou virtude?


Muitos candidatos já foram eliminados do processo de seleção por se declararem perfeccionistas durante a entrevista. Mas muitos também acabaram sendo contratados por possuírem essa característica. Tudo vai depender do cargo pretendido e naturalmente dos demais atributos do candidato, sobretudo da sua experiência como profissional. A formação do recrutador também será determinante nesse caso, ou seja, o que ele pensa sobre a questão. Veremos agora que o perfeccionismo tem o seu lado negativo e positivo, embora o negativo tenha muito mais peso e não é tão bem vindo no ambiente de trabalho. Seria o perfeccionismo um defeito ou uma virtude?


Podemos destacar alguns pontos negativos do perfeccionista: a dificuldade em lidar com críticas, a procrastinação (ele procrastina até tentar chegar à perfeição), alto padrão de exigência para com seus colegas e para consigo mesmo, dificuldade em trabalhar em equipe, etc. Como pontos positivos temos então: organização, a busca da excelência, comprometimento, perseverança, etc.


O consultor e palestrante Max Gehringer em seu excelente livro “Emprego de A a Z”, o qual recomendo fortemente a sua leitura, diz que no mundo corporativo o perfeccionismo é mesmo um tremendo defeito pelos motivos citados no parágrafo acima. Já o coach José Roberto Marques, (conselheiro participante da última edição do reality O Aprendiz) diz que “o perfeccionismo, quando não ocorre de modo exagerado, pode sim contribuir para as nossas atividades do dia a dia. Esse comportamento torna-se útil para diversas funções e atividades, desde pessoais até mesmo profissionais”.


Em minha opinião, creio que Max Gehringer e outros profissionais que enxergam o perfeccionismo como um obstáculo se equivocam porque os pontos negativos de um perfeccionista não se repetem necessariamente em outros perfeccionistas e nesse ponto, José Roberto Marques acertou em cheio na sua feliz colocação. E diz mais: “De uma forma positiva, podemos dizer que quando essas pessoas assumem funções que exijam um perfil mais detalhista; como aquelas ligadas a normas, números e processos, os perfeccionistas têm mais chances de se sair bem e conseguir fazer um trabalho que os levem a ficar um pouco mais satisfeitos do que em outras tarefas.


Existem diversas profissões que exigem não apenas a busca da excelência, mas a própria perfeição. Que o digam os comandantes de um Airbus ou Boeing (assistam o filme Sully: O Herói do Rio Hudson, e o perfeccionismo do comandante Sully e do primeiro oficial Jeff Skilles), que o digam os chefs de restaurantes estrelados na elaboração da refeição perfeita, que o digam os grandes pintores da humanidade como foram Michelangelo, Rafael, Leonardo da Vinci que eternizaram suas pinturas em seus traços perfeitos, que o digam os arquitetos entre outras profissões que somente com a perfeição do profissional a excelência será revelada no resultado final. A excelência é resultado da busca da perfeição.


É um grande erro eliminar um candidato somente porque ele se declara perfeccionista quando o entrevistador lhe pede para revelar um defeito ou uma virtude. E aqui vale citar mais uma vez o coach José Roberto Marques: “O perfeccionismo é bom quando ele nos estimula a dar o nosso melhor. No entanto, ele não deve nos dar a sensação de que a perfeição possa ser alcançada. Ela não existe e, portanto, é irracional persegui-la”.


Dependendo do recrutador, o candidato pode até não ser contratado ao ser sincero e revelar que é um perfeccionista, porém não deve abrir mão de algo que lhe é caro e precioso, mesmo porque a perfeição sempre está nos olhos de quem vê e quem julga e por mais que o perfeccionista entende que fez um trabalho perfeito, alguém lhe dirá que seu trabalho é apenas bom, razoável ou até mesmo aceitável. Sofrível, talvez?


Organização, Gerenciamento de Tempo e Produtividade

Matriz de Eisenhower Não existem mágicas, truques, macetes ou segredos, o que existem sim são métodos, técnicas e ferramentas bem estudadas ...