segunda-feira, 26 de setembro de 2022

Setor de RH tem autonomia nas questões disciplinares

Até que ponto gerentes, chefes e supervisores de departamentos diversos têm poderes para advertir, suspender, demitir ou mesmo abonar faltas e atrasos de seus subordinados? Bem, até o ponto em que a função assim o exigir desde que esteja bem especificado na descrição de cargos de cada um deles. Acontece que delegar poderes disciplinares para os cargos citados seria preciso, e isso é mais do que óbvio, que todos eles tivessem alguma expertise na legislação trabalhista e na maioria das vezes isso não acontece na prática.

Ocorre que delegar poderes a qualquer dos cargos citados para punir ou premiar implica em envolver profundo conhecimento da legislação trabalhista e esta não é pouca. Será que um supervisor de vendas ou chefe de almoxarifado ou mesmo um gerente comercial possuem esse conhecimento? Não é à toa que nos anúncios de recrutamento para vagas de supervisão ou gerência costuma constar “desejável” formação em administração de empresas e conhecimento de legislação trabalhista. Desejável! Mas isso não basta.

Vamos combinar, se todo supervisor ou gerente dominasse profundamente o intrincado e infinito labirinto da legislação trabalhista ele não estaria atuando no setor de vendas, estoque, logística ou outro qualquer, mas sim no departamento de gestão de pessoas. E aqui começa o dilema. É claro que cada subordinado deve se reportar ao seu superior imediato, entretanto este não deve ter poderes para abonar faltas e atrasos, advertir por escrito, suspender ou mesmo demitir sem antes consultar o setor de Recursos Humanos. Ainda que na descrição de cargos do supervisor conste a delegação de tais poderes, o setor de RH deve ter autonomia para corroborar ou vetar as decisões tomadas pelos supervisores nas questões disciplinares de seus subordinados.

Normalmente o setor de Recursos Humanos se reporta à diretoria ou até mesmo diretamente ao sócio proprietário da empresa. Questões relativas ao regulamento interno, normas, abono de faltas e atrasos, prazo para entrega de atestados, limites de advertência ou punição e questões similares são assuntos disciplinares que somente quem domina profundamente a legislação trabalhista poderá definir medidas e diretrizes. Qualquer deslize nessas questões poderá colocar a empresa na mira da fiscalização do trabalho cujo resultado poderá terminar em severas autuações e multas brutais, ou seja, o prejuízo é líquido e certo.

Temos visto nos noticiários da mídia, bem como nas redes sociais casos de supervisores tomando decisões estapafúrdias em relação aos seus subordinados sem a mínima noção do que estão fazendo e com isso expondo as empresas para as quais prestam serviços em situações vexatórias aos olhos dos consumidores. A empresa que conta com um departamento de RH interno, presente, eficiente e atualizado isso jamais aconteceria, pois uma das características deste setor é atuar preventivamente nas questões disciplinares além da capacidade para "apagar incêndios" intempestivos, digamos assim.

Conforme cita a doutora Alice Monteiro de Barros em seu estudo de Direito do Trabalho, os cargos de confiança se distinguem segundo a doutrina em quatro graus: confiança genérica, específica, estrita e excepcional. O supervisor de departamento se enquadra no grau de confiança genérica, ou seja, sem poderes de questões disciplinares enquanto o gerente ou mesmo supervisor de RH se enquadra no grau de confiança estrita. E isso deve ficar bem claro na descrição de cargos do funcionário.

Isto posto, os supervisores de departamentos antes de deliberarem decisões que envolvam questões disciplinares tais como, advertência, suspensão, demissão, abono de faltas e atrasos, etc., devem antes consultar o setor de RH, responsável direto pelo capital humano da empresa e que em determinadas situações após análise poderá sim exercer o poder de veto, pois o responsável pelo setor se enquadra em grau de confiança estrita como já citado. Se assim não fosse, não teria razão desse departamento existir.


segunda-feira, 19 de setembro de 2022

A criação de rotinas, poderosa ferramenta para situações surpresas



O simpático e querido chef de gastronomia Érik Jacquin sempre fala que o cozinheiro não deve colocar a culpa na panela pela comida mal feita. E ele está corretíssimo. Mas essa declaração de Jacquin não se aplica apenas ao setor gastronômico. Podemos fazer uma oportuna analogia em outros diversos setores nos ambientes de trabalho nos quais costumamos culpar a impressora, o HD do computador, a marca de um produto e por aí vai para justificarmos um trabalho mal feito.

O conceito de culpa é uma imputação que se realiza a alguém por uma conduta que criou uma determinada reação. Ou seja, uma pessoa causadora ou motivadora de um ato. Não se pode culpar um amontoado de ferro, paredes ou tijolos ou objetos inanimados. Não faz sentido, no entanto, as pessoas fazem sem mesmo se dar conta disso.

Avançando mais um pouco podemos ver que transferir a culpa para um objeto sem vida é típico de quem costuma jogar a culpa no colega de outro departamento. É apenas um artifício para não assumirmos erros que cometemos. Ora, errar faz parte e é justamente assumindo esses erros que teremos como corrigi-los, saber aonde que erramos, por que erramos e como fazer melhor para não errar mais.

Quantos funcionários deixam de apresentar relatórios e importantes informações entre departamentos alegando que fulano de tal setor não passou os dados a tempo. Isso é um tipo de transferência de culpa. O culpado nesse caso não é quem deixou de passar os dados necessários a tempo, mas quem permitiu que a situação chegasse a esse ponto comprometendo gravemente provisões econômicas/financeiras da empresa.

A caixa de ferramentas de primeiros socorros

Todos nós possuímos uma caixa de ferramentas de primeiros socorros para essas ocasiões. O problema é que muitas pessoas desconhecem essa caixa que acaba ficando empoeirada num canto qualquer da memória. Dentro dela temos diversas ferramentas que podemos usá-las individualmente ou combinadas umas com as outras. São elas: tática, estratégia, criação de rotinas, imaginação, resiliência, improvisação e tantas outras, depende de cada pessoa. Vamos usar uma delas que eu considero uma das mais importantes: a criação de rotinas.

A criação de rotinas

Criar rotinas de trabalho é excelente e necessário. Esportistas criam rotinas, técnicos de futebol, tenistas, enxadristas, etc. Cozinheiros experientes criam rotinas, programadores criam rotinas, músicos, artistas, atores, etc.  A criação de uma rotina de trabalho deve ser elaborada no sentido da prevenção de erros externos que não estamos esperando e que não temos controle sobre eles. Então como criá-las?

Ela deve ser traçada ou mapeada num caderno de anotações no qual serão anotadas todas as situações possíveis e impossíveis que poderão nos pegar de surpresa. Tudo deve ser pensado e anotado, por exemplo: a tinta da impressora que acabou no momento errado, o computador que deu pau, um serviço que teve que ser interrompido por qualquer motivo que seja, o funcionário de outro setor que não passou as informações a tempo de concluir  o forecast ou o budget. Tudo, tudo deve ser pensado e anotado. E para cada situação devemos pensar numa uma solução rápida, tudo deve ter uma resposta para que nada, absolutamente nada nos pegue de surpresa. Deve ser traçado sempre um plano b, c , d e quantos sejam necessários para todas as situações. Dá trabalho? Sem dúvida alguma, mas o resultado vale o preço pago.

Naturalmente que no ambiente de trabalho não vai sobrar tempo livre para elaboração dessa rotina. Ela deve ser elaborada em casa (sim, em casa!), pensada e anotada no caderno de anotações. Na hora que precisar e essa hora vai chegar cedo ou tarde,  uma solução estará às mãos e que resultará na prática o que chamamos de improviso. Mas como já escrevi em outros artigos, o improviso nada mais é do que soluções já pensadas, testadas, anotadas e armazenadas ao longo do tempo. É como pensar como um enxadrista e enxergar 15 a 20 lances lá na frente e já pensar nas soluções antes que elas aconteçam. E vão acontecer, estejamos certos disso.

E claro, a panela não tem culpa alguma mas sim a pessoa que escolheu a panela errada ou perdeu o timing de cozimento daquele alimento. O colega do outro setor não passou as informações a tempo? Sem problemas! Você não vai depender dele porque você já pensou nisso, você saberá o que fazer, saberá como agir simplesmente porque você já criou uma rotina para essa situação. Situações surpresas? Nunca mais!

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Uma técnica simples para lidar com chefes complicados


Às vezes a solução para questões aparentemente difíceis é tão simples e descomplicada que após praticá-la nem acreditamos que passamos tanto tempo estudando inúmeros tratados de relações interpessoais sem encontrarmos a resposta que estava tão próxima e não nos demos conta dela. Lidar com chefes difíceis ou mesmo algum colega de trabalho que seja um xarope não é tão difícil como parece. Para isso, basta utilizarmos uma antiga técnica muito simples que se perde no tempo e que funciona muito bem. Vejamos:

Trata-se de uma técnica que foi muito utilizada pelos filósofos gregos, descritas nos manuais de retórica dos filósofos Cícero e Quintiliano quando atuavam como advogados. O filósofo estóico Sêneca também tratou do tema em seus escritos. Mais tarde foi citada nos exercícios pedagógicos dos jesuítas. No século XX, o neuropsiquiatra austríaco Viktor Frankl tratou dessa técnica em sua Logoterapia. Atualmente discute-se muito essa técnica aplicada nos treinamentos de chefia e liderança e Coaching. Naturalmente que essa técnica se adequa de maneira diferente a cada contexto no qual ela é aplicada. E claro, ela não se restringe apenas ao ambiente de trabalho, mas em diversas situações na vida pessoal de cada pessoa.

Então vamos lá: você tem um chefe horroroso que pra você é o pior do mundo cuja possibilidade de um diálogo civilizado é algo impensável. E agora o pulo do gato: vire a chave, mude tudo o que você pensa sobre ele, ou seja, acredite que ele é o melhor chefe que você teve até hoje, que é a pessoa mais bacana na face da terra, que ele é um bom ouvinte, enfim, que ele é o cara! Bem, se realmente ele é uma má pessoa isso não irá mudá-lo, mas a sua relação com ele mudará da água para o vinho. O resultado não é imediato, pode demorar um pouco, mas é infalível, não tem como dar errado, sempre funcionou. E de novo, não é ele quem vai mudar e sim a sua maneira de se relacionar tornando a comunicação entre ambos muito mais eficiente. O problema não é o chefe difícil, mas como lidar com um chefe difícil. 

O que ocorreu nessa situação foi que o cérebro registrou as novas impressões (ainda que falsas) sobre o seu chefe provocando em você ainda que de maneira imperceptível uma mudança geral de comunicação que envolve tom de voz, gestual, etc. A PNL-Programação Neurolinguística também sempre abordou essa questão.

E aqui vai um outro exemplo, trataremos de uma pessoa que é tímida e que quer perder a timidez. Se a pessoa acreditar que é a pessoa mais extrovertida do mundo, que é mais falante, desenvolta, desinibida, quando ela menos espera, estará agindo realmente como uma pessoa extrovertida e a timidez estará definitivamente dissipada. É preciso persistência e acreditar.

O escritor C.S. Lewis também tratou dessa questão e a denominou de técnica do “faz de conta” em seu livro “Cristianismo Puro e Simples”. No livro ele fala sobre as crianças que brincam do “faz de conta”, imitando soldados, ida ao supermercado para fazerem compras imitando e imaginado profissões e que já são adultos. Essa atividade é que vai contribuir para o amadurecimento deles.

Portanto, a técnica tão simples do digamos, “faz de conta”, por incrível que pareça tem um poder incrível de mudar situações, como já citei, não somente no ambiente de trabalho, bem como na maioria de situações indesejáveis na vida pessoal de cada um. É bom lembrar que deve-se ser persistente porque ela não gera efeito imediato, pode demorar um pouco, mas quando menos se espera, voilà! Ela é infalível e atravessou milênios. É mais uma ferramenta poderosa, não custa tentar, nada temos a perder ao utilizá-la. Então, vire a chave e faça de conta!


segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Leitura recomendada: O Sono Eterno - Raymond Chandler (Excelência profissional / Ética / Lealdade)


 “O brilho do sol era tão vazio quanto o sorriso de maitre d’hotel” (Philip Marlowe)

Romances policiais nem sempre são entretenimento para passar o tempo. “O Sono Eterno” (The Big Sleep), de 1939, uma verdadeira obra de arte do escritor e roteirista americano e um gênio do estilo, Raymond Chandler (1888-1959) é uma prova disso. O protagonista da história é o famoso detetive particular Philip Marlowe, cuja ética moral, a conduta e a excelência profissionais estão acima dos honorários que recebe pelos serviços prestados. Um personagem construído (alter ego do autor?) magistralmente por Chandler e que juntamente com Philo Vance (S.S. Van Dine) e Sam Spade (Dashiell Hammett) acabaram inspirando outros detetives particulares que vieram depois como protagonistas dos romances policias

Perfil de Philip Malowe: hábil jogador de xadrez, deixa sempre em seu escritório um tabuleiro armado pra analisar lances que joga contra si próprio. Lê muita poesia, gosta de de conhaque, é sarcástico, irônico, sagaz, detentor de uma calma estóica, não se abala com ameaças, destrói seus oponentes com respostas rápidas elaboradas de uma construção lógico-analítica assustadora. Às vezes responde com o silêncio. Seus traços mais fortes são a conduta moral inabalável, a lealdade e a busca da excelência profissional.

A trama do livro: Marlowe é chamado por um general aposentado que está sendo chantageado por um desconhecido chamado Geiger. Este lhe envia fotos comprometendo uma de suas filhas. O chantagista pede muito dinheiro. O general tem duas filhas, Carmem e Vivian. Na entrevista, o general simpatiza com  Marlowe e o contrata, enquanto as duas filhas abominam o detetive. Para atrapalhar, o ex-marido de Vivian, Rusty Reagan era um ex-traficante que desapareceu sem mais nem menos sem deixar rastro. Seu carro foi encontrado numa garagem em local ermo da cidade. Nunca mais deu notícias. O general o tinha como um filho.

O que parecia ser um simples caso de chantagem fácil de resolver acaba se transformando em um quebra-cabeça complexo cada vez que Marlowe está prestes a capturar o chantagista. Muitas mortes aparentemente sem nexo ocorrem. Marlowe acaba envolvido num cenário no qual estão presentes uma livraria de fachada que vende livros pornográficos e objetos de arte falsificada, a máfia de cassinos, ruas escuras onde sempre está chovendo. É perseguido e emboscado por carros e pessoas estranhas que não querem que Marlowe descubra a verdade que está por trás da chantagem e do desaparecimento do genro do general.

Estamos diante de uma trama que se passa em cinco dias em que o chantagista é apenas o fio condutor para camuflar o desaparecimento inexplicável de Rusty Reagan, o genro do general. Marlowe, sagaz que é, e sem autorização do general que o contratou, tenta montar esse quebra-cabeça e segue a pista do desaparecimento de Rusty Reagan, embora o general não tenha pedido isso. No entanto, nenhuma peça se encaixa e na medida em que o tempo passa mais difícil fica buscar um sentido para tudo, aonde está o ponto de conexão, aonde uma peça se encaixa. E nunca se encaixa. Marlowe não encontra Rusty Reagan.

Então o detetive se apresenta ao general, sabe que prestou um serviço insatisfatório, segundo ele próprio. É duramente repreendido pelo general Sternwood e em razão disso se propõe a devolver o valor recebido pelos serviços prestados:

“Gostaria de oferecer o seu dinheiro de volta, talvez não significaria nada para o senhor, mas significaria muito para mim”.

Este é Philip Marlowe! Mas a trama, é claro, não termina aí. O cliente não aceitou a devolução que Marlowe propôs e ainda pediu que ele fosse em frente. E assim Marlowe o fez, usando toda a sua habilidade de exímio jogador de xadrez. Assim  sendo, Marlowe termina esse jogo brindando o leitor com um cheque mate surpreendente e arrasador, digno de um mestre enxadrista.

Temos aqui então um romance que não se resume apenas a uma trama policial, mas nos trás com muita inteligência e humor ácido lições de fidelidade ao cliente, a busca da excelência profissional e uma conduta ética profissional que não se encontra tão fácil por aí na qual um profissional altamente qualificado se dispõe a devolver os honorários por não ter executado um serviço de maneira satisfatória. Será que encontramos por aí um tipo como Philip Marlowe? Ou Marlowe é o tipo de profissional que apenas reside dentro os romances policias?



Organização, Gerenciamento de Tempo e Produtividade

Matriz de Eisenhower Não existem mágicas, truques, macetes ou segredos, o que existem sim são métodos, técnicas e ferramentas bem estudadas ...