segunda-feira, 25 de março de 2019

O Fim dos Empregos! Será mesmo?

Eu sempre procuro manter uma boa distância dos livros de auto-ajuda, habitualmente escrevo neste blog sobre a  inutilidade dos mesmos. Porém, outro tipo de livro que com certeza é muito pior do que os de auto-ajuda, são os livros alarmistas e castatróficos. É o caso do livro “O Fim dos Empregos”, do economista Jeremy Rifkin (editora Makron Books). O livro foi escrito em 1994 e a tese desenvolvida revelou-se um falhanço absoluto. Vejamos:  

O autor afirmava que já no início do século XXI, até o prazo máximo do ano de 2010, todos os empregos estariam praticamente extintos, salvo alguns poucos privilegiados nos setores de serviços, conhecimento e inteligência, mas que também estariam fadados a desaparecer. Rifkin atribuiu essa catástrofe em razão da inevitável automação ou avanço tecnológico.

Tudo estaria controlado por robôs e também por máquinas inteligentes. Só para citar dois exemplos de Rifkin, nos restaurantes seríamos atendidos por robôs, os atores dos filmes seriam substituídos por hologramas e daí para pior.  O autor chama esse fenômeno de Terceira Revolução Industrial.

Na visão de Rifkin, os empregadores cada vez mais cortariam seus empregados substituindo-os por máquinas ou robôs para aumentar a produção exponencialmente,  reduzir os custos e obter muito mais lucro. É claro que autor está se referindo aos Estados Unidos, mas ele também previu o alcance inevitável da automação paulatinamente para o resto do mundo.

Ora, mas se os empregadores estão cortando capital humano e produzindo alucinadamente para um país de desempregados, não tem como não perguntar: para quem vender ou escoar toda essa  produção se todo mundo estará desempregado e sem condições de comprar até mesmo, segundo o autor, o pão de cada dia? Toda produção seria exportada? Como, se a automação também atingiria todos os países nos quais o contigente de desemprego seria total? Não faz sentido.

Obviamente que não podemos negar que a automação teve um impacto brutal no estiolamento de empregos, sobretudo nos Estados Unidos e Japão, especificamente no segmento da indústria automotiva. Com isso muitas profissões foram extintas e outras foram criadas nos setores de automação,  tecnologia e conhecimento. Ocorre que as novas profissões criadas ficam muito aquém das extintas.

No entanto, Rifkin tira da cartola uma solução para evitar o desemprego causado pelo avanço tecnológico: uma combinação de jornada de trabalho semanal de 30 horas com empregos de meio período, com salário proporcional às horas trabalhadas e também trabalho voluntário no Terceiro Setor (ONGS) ou comunidades temáticas.

De acordo com Rifkin, o governo (tinha que ser, como não?) pagaria como complemento de renda um "Salário Social por Serviços Comunitários" para aqueles que além de trabalharem meio período, prestassem serviços voluntários no Terceiro Setor. Essas ONGS (que já existem e são muitas) prestam serviços de creches, asilos, treinamento e orientação, coleta de lixo, restauração, preservação ambiental, paisagismo, etc. Muitas delas suprem com muito mais eficiência essas funções que o governo não supre. E de onde o governo repassaria essa renda aos voluntários?

Pois muito bem, Rifkin cita o economista Milton Friedman, da Escola de Economia de Chicago e que participou como conselheiro de economia nos governos de Richard Nixon e Ronald Reagan. A ideia do conservador Friedman surpeendentemente é um projeto de renda mínima garantida através da criação de imposto negativo. Na verdade, o imposto negativo foi criado originalmente pela economista britânica Juliet Rhys-Williams (uma  grande entusiasta do welfare state) e posteriormente por Friedman. Eu particularmente não vejo com bons olhos essa solução.

Grosso modo, imposto negativo significa que as pessoas que recebem salários até uma certa linha limite, estariam isentas de imposto e receberiam um valor suplementar do governo, valor esse obtido pelo percentual cobrado para quem recebe acima do limite estipulado. Farei uma exposição sobre o imposto negativo e a garantia de uma renda mínima em um outro artigo.

Não obstante a previsão catastrófica de Rifkin, o livro desperta a atenção para temas pontuais, tais como, o papel do Terceiro Setor, a redução da jornada de trabalho, novas e extintas profissões, automação, enfim, temas esses que estão diretamente inseridos na questão do desemprego, seja por causa do avanço tecnológico ou não. Esse debate continua atual, o economista keynesiano Paul Krugman, prêmio nobel de economia, escreveu recentemente um artigo sobre essas questões.

Acredito que a tecnologia quando atua tanto para melhorar as condições de trabalho do trabalhador aliviando seu sofrimento, bem como, para a redução de custos e aumento da produção, ela sempre será bem vinda. Porém, se isso implica em extinguir empregos e profissões, temos aqui um paradoxo ainda sem respostas e sem soluções.

Diversos autores já defenderam em seus livros o fim da história, o fim das artes, o fim do mundo, etc. Rifkin defendeu o fim definitvo dos empregos. É bem provável que algum dia em um futuro distante isso possa acontecer. Por enquanto, deixo aqui o meu muito obrigado a Jeremy Rifkin por ter errado espetacularmente em sua projeção e esse dia ainda não ter chegado.

segunda-feira, 18 de março de 2019

Terceirização mal feita pode gerar vínculo empregatício





Uma boa parte dos empregadores do Brasil parece que não estava preparada para a tão almejada, polêmica e combatida terceirização, sancionada pela Lei nº 13.429/17, após duras batalhas travadas no Congresso Nacional. Vamos ao ponto nevrálgico: muitos empregadores estão se utilizando dessa modalidade apenas para se verem livres dos encargos trabalhistas, porém fazendo uso e abuso de um poder de mando sobre os terceirizados que eles não têm, pois a lei em comento não lhes confere esse poder. De novo: a lei em comento não lhes confere esse poder de mando sobre os terceirizados.

Vamos recapitular o que diz a lei nº 13.429/2017

“Altera dispositivos da Lei no 6.019, de 3 de janeiro de 1974, que dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas e dá outras providências; e dispõe sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros.”

Art. 4º-A.  Empresa prestadora de serviços a terceiros é a pessoa jurídica de direito privado destinada a prestar à contratante serviços determinados e específicos. 

§ 1o  A empresa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outras empresas para realização desses serviços. 

Reiterando: a empresa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores. Em outras palavras, isso significa que a empresa tomadora de serviços também denominada contratante não tem poder de mando sobre os trabalhadores terceirizados, pois isso cabe somente à empresa prestadora de serviços. No entanto, não é isso que está ocorrendo na prática.

Só para citar dois casos recentes que tiveram intensa repercussão na mídia e que envolveram duas famosas redes de supermercados a saber, Carrefour e Makro. No primeiro caso, um segurança terceirizado recebeu ordens diretas (o que não pode) da gerência para afuguentar um caõzinho que estava perambulando nas imediações do estacionamento. O resultado disso todo mundo já sabe no que deu; no segundo caso, uma auxiliar de limpeza terceirizada, recebeu ordens absurdas de uma supervisora do supermercado (o que não pode) e ainda foi vilenpendiada pela mesma. Isso só para ficar nesses dois casos que tiveram repercussão, mas existem tantos outros dessa mesma natureza.

O que ocorre é que uma das, senão, a principal condição que caracteriza o vínculo empregatício é a questão da subordinação. O trabalhador terceirizado não está subordinado à empresa tomadora de serviços ou contratante, mas ele se reporta exclusivamente à empresa prestadora de serviços na qual é registrado, também denominada contratada. Naturalmente que deve haver bom senso por parte do contratante na delegação de instruções aos trabalhadores terceirizados, quer eles laborem na atividade meio ou na atividade fim.

A subordinação direta é uma condição letal para a caracterização imediata e automática do vínculo empregatício. Todo o cuidado é pouco no momento de se transmitir instruções, sobretudo ao se aplicar reprimendas quando necessárias aos terceirizados, situações essas que devem ser evitadas.

Para isso existe um documento essencial que nem todas empresas utilizam, mas que com certeza é uma das  soluções adequadas para essas questões. Estou falando da ficha "Descrição de Cargos". Esse documento é um histórico completo de todo perfil do trabalhador com todos os dados e informações possíveis e necessárias, tais como:

- Atividades, responsabilidades e deveres do cargo

- A qualificação profissional e as suas habilidades

- Equipamentos que estão sob sua responsabilidade

- Requisitos físicos exigidos (dependendo do cargo)

- A quem ele se reporta

- Assinatura do funcionário e do responsável pelo setor.

Essas são informações mínimas que a Descrição de Cargos deve conter. Pode-se acrescentar mais dados se forem necessários. Obviamente que esse documento é elaborado pela empresa prestadora de serviços ou contratada. Não se deve enviar trabalhadores para a tomadora de serviços se cada funcionário não tenha a ficha de descrição de cargos devidamente preenchida.

A terceirização é uma solução razoável (eu não diria boa não) que soluciona de maneira paliativa a questão do desemprego. Funciona na maoiria dos países desde o início do século vinte. No Brasil, a lei demorou anos para ser sancionada. Podemos dizer que reduziu um pouco a  questão do desemprego, entretanto, alguns empregadores tomadores de serviços estão abusando na questão disciplinar dos funcionários terceirizados, e isso a lei que regula a terceirização não permite.

Coloco mais uma vez aqui a mesma questão que já venho colocando já há algum tempo: Aonde está o setor de Recursos Humanos nessas horas? Essas medidas de segurança e orientação na contratação de terceirizados cabe única e exclusivamente ao RH das empresas, pois o sócio-propietário nem sempre domina a legislação.

Portanto, passar instruções equivocadas ou aplicar reprimendas em trabalhadores terceirizados, significa relação de emprego, significa que essas pessoas em breve, muito breve farão parte do quadro de funcionários dessa empresa. Isto porque assim diz a lei, assim entendem os fiscais do Ministério do Trabalho e assim entenderá o juiz numa demanda trabalhista.


segunda-feira, 11 de março de 2019

Camelódromos são indefensáveis

Folhapress

Sempre defendi com garra, unhas e dentes em meus artigos tudo quanto é tipo de trabalho que existe nesse mundo. Desde o homen-placa, o vendedor de balas no semáforo, o distribuidor de panfletos nas ruas, o de magarefe entre outros tantos que muitas pessoas sequer imaginam que existam. Muitos são trabalhos terríveis, sub-empregos que ocorrem debaixo das intempéries ou em ambientes insalubres e desumanos, para se dizer o mínimo. Mas são todos eles trabalhos dignos, executados por pessoas que infelizmente não tiveram outras alternativas por não possuírem qualificação profissional.  Entretanto, uma atividade que não há a mínima chance de defesa é a de camelô. Vejamos um pouco de história:

A palavra tem origem no termo árabe "Khamlat", que siginifica tecido rústico. Esse tipo de tecido era vendido pelos árabes em feiras livres há muitos séculos atrás. Foi na França que o termo foi adptado para "cameloter", ou seja, aquele que vende mercadoria de baixo valor. Foi registrado pela primeira vez no século 17 com o seguinte significado: "vender quinquilharias grosseiras de tosco acabamento ou proceder sem polidez". O vocábulo atravessou o oceano Atlântico e aportou no Brasil no início do século 20 mantendo com toda razão o sentido depreciativo ou pejorativo. Também são chamados de marreteiros.

Há infinitas razões que eu poderia assinalar aqui que causam desconforto a esse tipo de atividade, por isso vou enumerar as que julgo as mais pertinentes.

- O camelódromo (ou marretódromo) que é um agrupamento, as mais das vezes desordenado de centenas de camelôs, é uma visão das mais degradantes quando inseridas em praças ou centros urbanos. O resultado é uma terrível poluição visual sem precedentes, além da produção enorme de detritos e falta de higiêne. E isso ocorre bem de frente ou nas proximidades de lojas legalizadas e que pagam seus impostos em dia.

- O camelô não é empregado, é um tipo de comerciante clandestino, um lojista de fachada e ilegal que não paga nenhum tipo de imposto e não dispõe de licença ou alvará de funcionamento. A permissão para instalar sua barraca sempre teve origem em militância e conluios político-partidários com a anuência da prefeitura local, sobretudo quando o partido dominante é o PT. Aliás, a proliferação inapropriada de camelódromos em centros urbanos ocorreu na maioria das vezes nas gestões petistas.

- O camelódromo é iluminado, mas eles não pagam energia elétrica, é tudo feito na gambiarra (gatos de fios que se entrecruzam assustadoramente sobre as cabeças dos transeuntes) sempre com o risco iminente de causar um incêndio.

- A maioria das mercadorias vendidas são falsificadas, piratas, xing-ling, com raríssimas exeções. Ou são contrabandeadas ou são produtos de furto ou roubo. Em alguns estados, como por exemplo no Rio de Janeiro, eles têm estreita relações com milícias e com o crime organizado.

- Os produtos não tem garantia alguma. Comprou um celular que não funcionou? Dane-se, não há troca nem devolução do dinheiro, vá reclamar com o bispo. Comeu um lanche estragado? Morra! Não temos a quem recorrer, pois juridicamente camelôs nem existem.

- Ao contrário (e bem ao contrário mesmo!) do que todos imaginam, os produtos não são nem de longe mais baratos do que nas lojas legalizadas, alguns chegam a ser mais caros. Por diversas vezes já comparei o preço dos produtos da mesma marca vendidos em camelôs sem garantia alguma e em lojas legalizadas que vendem com nota fiscal. Para o meu espanto, os produtos (Pendrives, armações de óculos, acessórios para celular, por exemplo) nas lojas legalizadas estavam 40% abaixo do preço dos camelôs.

- O atendimento é o pior possível, pois todos eles matêm a tradição de serem grosseiros e mal educados, ainda que eles desconheçam esse detalhe histórico. Portanto, comprar em camelôs é só para masoquistas que gostam de ser ofendidos e tratados na ponta da bota.

Eu poderia citar mais pontos, mas fiquemos por aqui mesmo.

Que fique bem claro, neste artigo não estou me referindo aqueles vendedores ambulantes, também chamados de toreros que dispoem seus produtos em tabuleiros de madeira e que obtêm autorização da prefeitura local para se instalar em pontos determinados, ou seja, que não atrapalham os comerciantes locais e nem causam um impacto negativo no paisagismo urbano. Além disso, oferecem produtos artesanais feitos pelos próprios, tais como, doces, bijuterias, etc.

A expansão de camelódromos em centros urbanos de capitais e de cidades históricas e tradicionais espantam turistas e visitantes de outras cidades. As pessoas não se se sentem confortáveis ao se depararem com aquela seara de imundíce. O paisagismo urbano é o primeiro a sofrer o impacto de maneira brutal. Quem não se sente bem em andar por cidades bonitas, belas, arborizadas e limpas? Mas com camelódromos instalados, a maioria deles nas regiões centrais, fica impossível de se preservar o paisagismo local e a limpeza das ruas.

Em Belo Horizonte, uma lei municipal deu uma solução paliativa para essa questão, transferindo o camelódromo para locais denominados shoppings populares, como é o caso de Shopping Oi e Shopping Xavantes. Ao invés de barracas desodernadas, nesses shoppings, os boxes são sorteados para cada camelô. Em Curitiba, a Prefeitura também alocou os camelôs nas chamadas Ruas da Cidadania.  Pelo menos melhora a questão paisagística urbana e da higiêne das ruas.

Há quem os defenda, há quem diga que camelôs são pessoas que escolheram essa atividade pela falta de emprego ou por falta de qualificação profissional, que não são bandidos nem deliquentes e são pessoas dignas que apenas integram o contingente nacional do trabalho informal. E esse é um de ponto de vista bem rasteiro, senão vejamos:

Já citei acima a questão da procedência dos produtos que são produtos de contrabando ou da pirataria vendidos sem nota fiscal, sem garantia e a um preço nada módico. Não que eu seja um ferrenho defensor de impostos, pelo contrário, mas com esse mercado de produtos clandestinos e piratas, o governo deixa de arrecadar mais de 50 milhões de impostos. Em torno de 2 a 3 milhões de postos de trabalho deixam de ser criados em razão do mercado pirata. Por esses motivos entre outros, não podemos afirmar que se trata de atividade honesta.

Alocá-los em shoppings populares como já foi feito em algumas cidades, parece-me uma solução provisória ou paliativa na intenção de melhorar o impacto do paisagismo urbano local. Ainda assim, por todas as razões citadas neste artigo, entre muitas outras que deixei de citar, na minha opinião, camelôs e camelódromos serão sempre indefensáveis à luz da estética paisagística urbana,  à luz  da legislação tributária e naturalmente das relações do trabalho.

segunda-feira, 4 de março de 2019

Supervisora proíbe lésbica de usar banheiro feminino

Já há algum tempo eu venho insistentemente batendo na tecla da incompetência do setor de Recursos Humanos das empresas. Problemas da rotina do dia a dia que envolvem funcionários e que poderiam ser facilmente resolvidos pelo RH mas não são, acabam levando as empresas ao banco dos réus. E foi extamente isso que aconteceu.

Um fato recente ocorrido na cidade de Campinas/SP e  com intensa repercussão na mídia, foi o caso da auxiliar de limpeza Thaís, uma funcionária terceirizada de uma empresa de serviços de higienização e que presta serviços para um supermercado. A funcionária é lésbica e por ter aparência masculina foi impedida por uma supervisora do  supermercado de utilizar o banheiro feminino. Desde então, Thaís foi obrigada a utilizar o banheiro masculino por determinação dessa supervisora. Vamos aos fatos:

A princípio, Thaís utilizava normalmente o banheiro feminino, tanto para proceder com o serviço de higienização, bem como para uso próprio. Uma promotora de vendas que nem pertence ao quadro de funcionários do supermercado, ao utilizar o banheiro se deparou com Thaís. A promotora então reclamou, pois julgou que havia um homem no banheiro feminino, haja vista a aparência masculina da moça. Não ficou claro se a promotora sabia se tratar realmente de um homem ou de uma mulher ou foi a aparência de Thaís que a incomodou.

A partir daí, segundo a própria Thaís conta, sua supervisora lhe disse assim: “já que você parece homem, vai ter que usar o banheiro masculino”. Thaís ainda tentou argumentar, disse que era mulher, mas em vão, a supervisora foi irredutível. E como se isso não bastasse, a supervisora passou a chamá-la de Thalisson ao invés de Thaís, ainda que Thaís insistia para ser chamada pelo seu nome próprio.

Foram dias de terror não somente para Thaís, bem como, agora era também uma situação constrangedora para os funcionários homens usarem o banheiro masculino e se depararem com Thaís, que é mulher. Eles também reclamaram, mas de novo, foi em vão.

Está faltando alguma coisa aí, não? Acredito que todos já perceberam o que é. Sim, é a falta de presença do RH do supermercado que parece que nem existe e ainda nem entrou em cena. Mas é claro, nessa altura do campeonato o RH devia estar preocupado em promover alguma palestra motivacional com algum guru autor de livros de auto-ajuda ou então promovendo algum curso bizarro de leader training.

Temos até aqui uma situação muito fácil de ser resolvida pelo RH, pois esse setor existe nas empresas justamente também para solucionar assuntos dessa natureza relacionados à pessoas, funcionários, enfim ao capital humano da empresa. No entanto, a situação caminhava a passos largos para a justiça trabalhista e bem distante do RH.

E agora Thaís não podia usar nem o banheiro feminino, pois foi proibida de usá-lo e tampouco o banheiro masculino, pois o constrangimento era recíproco entre Thaís e os os homens que o utilizavam.

Aconselhada por uma amiga, Thaís procurou uma advogada que entrou com uma ação de danos morais contra as três empresas, ou seja, a contratante, a contratada e a empresa em que a promotora prestava serviços. Vejam que lambança! Vejam como faz falta nessa hora um RH atuante e experiente que impeça que uma situação tão simples de se resolver como essa chegue a tal extremo.

Em 26 de Fevereiro, a 6ª Vara Cível do Foro de Campinas, através do juíz André Pereira de Souza, deferiu uma liminar (antecipação dos efeitos da tutela) para que Thaís voltasse a utilizar o banheiro feminino. A empresa tem 15 dias para apresentar defesa e caso não cumpra a decisão liminar, pagará multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Após o recebimento da liminar, o supemercado enviou um comunicado que iria apurar e elucidar os fatos. Pois eu digo, um pouco tarde para isso, não é mesmo? Agora, vejam na sequência a pérola de comunicado que o supermercado expediu:

"A rede esclarece que a funcionária terceirizada, contratada de uma empresa que presta serviço de limpeza à loja de Campinas, solicitou ao seu empregador que fosse tratada pelo gênero masculino, adotando o nome de Thalyson.

O Makro foi comunicado deste posicionamento pela empresa terceirizada e, alinhado com seus valores de respeito à diversidade e à inclusão, imediatamente apoiou a decisão pessoal da funcionária, assim como sua escolha em utilizar o banheiro que melhor refletisse sua identidade de gênero."

E agora, o comunicado enigmático da empresa contratada:

"em um determinado momento do contrato de trabalho, surgiu o questionamento de como gostaria de ser chamada e de qual banheiro se sentia mais confortável em utilizar. De acordo com a Elofort, Thais respondeu que "gostaria de ser chamado de Thalison" e que "se sentia mais confortável em usar o banheiro masculino"

Nota-se que as versões das empresas contratante e contratada estão em consonância. Porém, alguém está mentindo. Se realmente é verdade o que as empresas afirmam nos comunicados, se Thaís optou por ser chamada de Thalisson e pediu para usar o banheiro masculino, não faz sentido ela insistir no supermercado para utilizar o banheiro feminino e todo esse imbróglio ainda está muito mal explicado. E aí justamente está o ponto chave da questão aonde tudo começou (se é que começou) e nem deveria ter começado. Vejamos:

Voltemos ao comunicado da empresa contratada: "em um determinado momento do contrato de trabalho,(grifo meu) surgiu o questionamento de como gostaria de ser chamada e de qual banheiro se sentia mais confortável em utilizar. De acordo com a Elofort, Thais respondeu que "gostaria de ser chamado de Thalison" e que "se sentia mais confortável em usar o banheiro masculino"

Pois bem, como assim em um determinado momento do contrato de trabalho?? Se isso realmente ocorreu, o correto seria buscar socorro e remédio na legislação, porque o que manda é o CONTRATO DE TRABALHO, cujas informações foram obtidas mediante documentação apresentada pela funcionária.  É do sexo feminino? Então, elementar, mulher usa banheiro feminino, se homem, usa banheiro masculino e fim de conversa! O setor de RH da empresa de limpeza falhou, caberia a este setor a responsabilidade de deixar as regras claras e que se o pedido da funcionária fosse atendido traria sérios problemas para a empresa, inclusive o de falsidade ideológica por parte da funcionária.

Um festival de erros:

Thaís errou ao se reportar à supervisora do supermercado um problema dessa natureza. Isto porque, de acordo com a Lei nº 13.429/2017 que trata da terceirização, juridicamente os funcionários são subordinados à empresa prestadora de serviços e não à tomadora. Portanto, o poder de direção é da empresa prestadora e isso está bem claro na legislação.

A supervisora (mal treinada) do supermercado errou. Ela tomou uma decisão proibitiva sobre uma funcionária terceirizada. Isso pode gerar automaticamente vínculo empregatício de Thaís com o supermercado. Além disso, ela poderia ter evitado as consequências de suas ordens descabidas se permitisse que Thaís usasse o banheiro feminino. Houve execesso de rigor por parte da supervisora, o que é proibido por lei, conforme artigo 483, alínea "b" da CLT. Cabe justa causa para essa supervisora que cometeu incontinência de conduta e até mesmo ato lesivo da honra contra Thaís, situações essas previstas no artigo 482, alíneas "b" e "j" da CLT.

A advogada de Thaís errou: ela deveria pleitear o vínculo empregatício, pois Thaís teve que obedecer ordens (ordens bizarras, diga-se de passagem,) de uma supervisora indevidamente. O pedido de dano moral está corretíssimo, caso as empresas não apresentem as provas contraditórias. E se as empresas apresentarem na defesa o que elas alegaram no comunicado, ou seja, que foi Thaís quem pediu para ser chamada de Thalisson e utilizar o banheiro masculino, a causa estará definitivamente perdida porque esse fato é irrelevante para a justiça.

A promotora de vendas: foi o pivô de tudo, embora não seja funcionária do supermercado, não agiu de forma correta, foi leviana na reclamação e acabou levando a empresa em que trabalha inadvertidamente para o banco dos réus. A empresa também poderá enquadrá-la na justa causa.

RH da prestadora: errou feio, das duas uma: ou a versão apresentada no comunicado é mentira ou se realmente for verdade, o RH errou em não esclarecer os fatos para Thaís à luz da legislação como citei acima. O RH não agiu preventivamente como deve agir.

RH do supermercado: foi o que mais cometeu erros primários. Não atuou na hora em que devia, não passou as orientações devidas sobre funcionários terceirizados aos seus supervisores. Se for verdade o comunicado, aceitou uma orientação da empresa prestadora sem qualquer amparo legal, porque como eu disse, o que manda é o que está escrito no CONTRATO DE TRABALHO e também, se for o caso, no REGULAMENTO INTERNO.

No meu entendimento, ocorreu um falhanço geral cuja responsabilidade maior é unica e exclusiva do setor de Recursos Humanos do supermercado, a  empresa tomadora de serviços. O que o RH fez para evitar ou agir preventivamente para que tal situação simples de se resolver chegasse aonde chegou? Nada, absolutamente nada e se atuou, o fez de da maneira inversa do que deveria ser feito. Faltou preparo, repertório e expertise para os profissionais desse setor que acabou muito mal na fita, levando três empresas para o banco dos réus.

Portanto, a falta de conhecimento e repetório da legislação por parte dos profissionais que atuam no setor de Recursos HUmanos é o motivo principal que tem levado as empresas a prestar contas com a Justiça do Trabalho.

*As anotações e a Caixa de Ferramentas

Por Sönke Ahrens “Quando pensamos que estamos fazendo diversas tarefas, o que realmente fazemos é deslocar nossa atenção rapidamente entre d...