segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Falha humana no trabalho não é crime hediondo



Infelizmente esse ano tivemos algumas tragédias que ceifaram vidas causadas por falha ou erro humano e que repercutiram a exaustão na mídia e nas redes sociais. O povo brasileiro é realmente sui-generis, pois acostumado a deixar a razão de lado e deixar-se embalar pelo calor das emoções nos mais variados assuntos não poupou os profissionais que falharam em suas funções pedindo precipitadamente pela condenação sumária e linchamento de cada um deles. O povo influenciado por "shownalistas" venenosos que estão apenas em busca de audiência, não tem a humildade de se colocar no lugar do profissional que errou e conseguir enxergar a situação pelo ponto de vista do profissional.

Citarei aqui as três mais recentes tragédias que tiveram repercussão nacional: o ônibus urbano que colidiu com um trem numa passagem de nível em Brasília matando uma passageira; um motorista de van escolar em São Paulo que esqueceu um menino dentro do veículo e que acabou vindo a óbito e do acidente com o ônibus que tombou na estrada e que levava a torcida do Corinthians matando alguns dos torcedores. Este último já escrevi recentemente a respeito. Fora o caso famoso daquele zelador que trabalha há 30 anos no mesmo edifício e por não ter apartado a briga entre um ogro troglodita morador do prédio e um visitante beócio só faltaram pedir a pena de morte do pobre trabalhador enquanto os dois envolvidos na briga foram simplesmente esquecidos, removidos de foco e deixados de lado. Ah, mas a culpa é do coitado do zelador que não apartou a briga, ora, mas como não? Cadeia pra ele, não é mesmo senhores delegados celebridades?

E agora vamos pensar um pouco porque pensar não tira pedaço dos miolos, pelo contrário, os fortalece: será que algum motorista sai de casa às 4 horas da manhã decidido a colidir o ônibus que conduzirá contra um trem? Será que um motorista de van escolar vai para o trabalho decidido a esquecer um garotinho no banco de trás? Será que um motorista de ônibus de turismo sai decidido a capotar o ônibus na estrada durante a viagem? Faça-me o favor, isso não faz sentido algum.

Quando essas tragédias ocorrem, abre-se a temporada de caça cujo alvo é o profissional que errou na condução de suas funções. A saraivada de tiros vem de todos os lados: jornalistas (ops, shownalistas) venenosos de pacotilha e delegados e delegadas que adoram pousar de celebridades nas redes sociais e que querem ter seus 15 minutos de fama, ambos inflamando a população demonizando os profissionais envolvidos nos acidentes, pedindo prisão preventiva ou temporária de um trabalhador. De um trabalhador!! Ora, mas e aquele playboy que sai da balada na madrugada dirigindo bêbado ou drogado ou disputando um racha invade a calçada e tira a vida de 10 pessoas de uma só vez? Esse fica detido algumas horas e na audiência de custódia (só mesmo no Brasil!) paga uma fiança e sai debochando pela porta da frente? Como é isso? Trabalhador que cometeu um lapso, prisão nele, sem mesmo o devido processo legal, já o playboy, livre, leve e solto. E ainda descobre-se que o playboy já tinha a CNH aprendida e diversas ocorrências por direção perigosa. Como explicar isso, hein? 

Vou me deter aqui no caso mais recente do trem que colidiu com um ônibus em Brasília. Como pode um trem de carga cruzar uma autovia expressa com um fluxo intenso de veículos naquela velocidade? Normalmente em passagens de nível a velocidade de um trem é bastante reduzida para evitar acidentes. Sim, há placas de sinalização, mas isso não basta! Teria que ter ali uma cancela. Nos mais diversos países pelo mundo trens trafegam e cruzam centros urbanos e o índice de acidentes é praticamente zero. Nessas passagens de cruzamento sempre existem cancelas que são acionadas automaticamente por sensores. E a perícia mecânica do veículo acidentado?

No meu entendimento, temos pelo menos três elementos que contribuíram para esse acidente: a responsabilidade irrevogável do poder público em colocar uma cancela naquela via expressa absurdamente movimentada; a velocidade da locomotiva absolutamente incompatível numa passagem de nível e um lapso do motorista do coletivo.  Então por que estão crucificando somente o motorista do coletivo que também poderia ter morrido ou sofrido graves lesões?

Quero deixar bem claro aqui que esses três profissionais envolvidos, seja no coletivo urbano em Brasília, na estrada com a torcida do Corinthians ou na van escolar, todos têm as suas responsabilidades sim e devem responder por isso. No entanto, é preciso aguardar o inquérito policial, a sindicância da empresa para apurar os fatos, a defesa justa e imparcial de cada um deles que inclui as excludentes de ilicitude, afinal todos são trabalhadores, não são bandidos. E é bom lembrar aqui aos carrascos de plantão que o Direito existe justamente para a aplicação da pena justa sempre proporcional ao delito, se é que esses profissionais cometeram algum delito.

Portanto, todo profissional está sujeito a cometer erros na área em que atua, erros que se tornam infrações graves ou não conforme o grau da negligência. Erros esses que devem ser conduzidos com responsabilidade pelas autoridades e a ampla e justa defesa dos profissionais envolvidos. Quando a voz do povo os condena injusta e precipitadamente, perdeu-se o senso das proporções e neste caso, a voz do povo não é a voz de Deus.


segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Agências de emprego e o fator custo/benefício




Por João Bosco Lodi


"Toda agência costuma ter uma classificação própria quanto ao valor dos clientes, a qual poderá ser uma atitude consciente ou não consciente. As firmas são divididas em grupo como A, B, C, N. Aquelas firmas que entram na categoria A são as “exigentes”, que não se deixam enganar pelas aparências, que conferem os candidatos em sua própria seleção, enfim, são empresas que, pelo seu rigor seletivo, gozam de alto prestígio junto às agências. As firmas das categorias B e C são gradualmente mais indulgentes, são aquelas que aceitam facilmente qualquer candidato. As firmas N são aquelas que as agências não têm interesse em atender, devido a problemas anteriores. Convém lembrar que as firmas C, que têm baixo prestígio junto ao agenciador, são os melhores clientes das agências; aqueles que aceitam facilmente os candidatos enviados, aqueles a quem é fácil satisfazer. Geralmente essas empresas apresentam um turnover muito elevado que as faz recorrer constantemente às agências, aumentando o seu faturamento. Um candidato rejeitado por uma firma da categoria A é facilmente aceito por uma firma C. Essa atitude oculta pode ser o fundamento das relações entre a agência e a empresa.

Ao escolher uma agência, o recrutador deverá tomar informações comerciais sobre a mesma. Procurará obter na própria agência uma lista de clientes e se informará com os recrutadores desses clientes sobreo desempenho da agência. Poderá visitar esses clientes e apurar os critérios e o rigor da seleção de pessoal nessas firmas. Convém não visitar apenas os clientes que já usam dos serviços da agência há mais de três anos, porque eles tenderão a apresentar uma avaliação positiva. Deverão também ser visitados os clientes que já deixaram de usar os serviços da agência.

Duas ou três agências poderão ser usadas durante um período experimental. Seus serviços poderão ser cotejados pacientemente e de forma confidencial. Só se paga taxa quando se compromete a aceitar o candidato.

A eficiência do recrutamento está na relação entre o uso dos meios e o resultado final, que é o número de candidatos aprovados. Um recrutamento feito através de fontes inadequadas, agências não idôneas, ou anúncios e divulgação mal feitos certamente encarecem o resultado final. Dividida toda essa despesa pelo número de candidatos aprovados chegamos a um alto custo unitário. Comparando-se mês com mês, o custo unitário temos ideia de maior ou menor precisão no trabalho. Quando um recrutador fixa um orçamento ele parte de uma estimativa do trabalho a ser feito e posteriormente compara o orçado com o real para descobrir os desvios havidos.

Para se estabelecer um orçamento é preciso partir de um sistema de custo. O custo do recrutamento é calculado dividindo-se todas as despesas mensais ou anuais pelo número de candidatos aprovados. Pode-se estabelecer um custo unitário geral e um custo unitário por grupo ocupacional (o custo do recrutamento de uma secretária, de um engenheiro, de um vendedor) e ainda um custo unitário por classe econômica.

Consideram-se despesas mensais de recrutamento: salário do pessoal da seção, despesas de viagem, anúncios de vagas, taxas de agências. Devem ser ainda incluídas em forma de rateio mensal, prospectos, folhetos, cartazes, banners, divulgação nas redes sociais e despesas de visitas de estudantes e professores à empresa quando estas últimas são feitas com finalidade de recrutamento.

Uma vez identificadas as despesas ordinárias do mês e obtido o custo unitário, o recrutador elabora um gráfico de modo a controlar de mês para mês as variações de custo. Pode-se estabelecer um índice de custo histórico que é a média dos meses anteriores.

Em se tratando de custo de agência de emprego, o recrutador pode estabelecer um estudo comparativo entre a agência e outra fonte de recrutamento, por exemplo, anúncios nas redes sociais. Pode ocorrer que em casos críticos seja mais econômico trabalhar com uma agência que cobre 100% do primeiro salário do empregado, do que divulgação na internet. Se, porém, a empresa tem um recrutador especializado com tempo integral, é possível que o custo do trabalho do contato pessoal desse recrutador seja menor que a soma das taxas de uma boa agência.”

_______________________________________________________________

Excerto extraído e adaptado do livro, Recrutamento de Pessoal, de João Bosco Lodi, Livraria Pioneira Editora, São Paulo.


segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Uma lata de leite condensado, uma lata de creme de leite e meia xícara de leite em pó




O leitor que achou que iria encontrar aqui uma receita de sobremesa se enganou. Este artigo num primeiro momento pode até parecer zoeira infinita, mas não é, até poderá ser se algum leitor assim entender. Com toda certeza alguém já leu ou já ouviu pelo menos uma vez na vida em algum lugar as três frases do título deste artigo. São zilhões de vídeos dessa nem sei dizer o que (receita?) que as youtubers disponibilizam há anos e pousam como se tivessem descoberto a pólvora revelando o segredo daquela vovó (coitadas das vovós!) guardado por anos a sete chaves e que agora lhe é apresentado a um clique de seu mouse. Voilà, bem vindos à pilantragem gastronômica.

Obviamente que algumas dessas pretensas confeiteiras de mão cheia (cheia de más intensões eu diria) para não dizer que copiam umas as outras, apresentam aos incautos variações do mesmo tema, seja acrescentando um suco mal espremido de limão (que talhará o leite, diga-se de passagem), ou meia xícara de amido, raspas de chocolate, amendoim torrado e moído que chamam de pralinè! (risadas?) ou gelatina em pó sem sabor e diluída. Mas tem que ser diluída no micro-ondas ora bolas, afinal um tom professoral com as sobrancelhas erguidas e um dedo em riste poderão conferir à moçoila maior credibilidade.

A combinação desses três ingredientes crus batidos num liquidificador resulta no que? Num angu indigesto (como esse da foto), ou melhor, num anguzão solidificado e abrutalhado, absurdamente ardido de doce, enjoativo, que nem nome tem e que passa anos luz de ser uma legítima sobremesa. E não é mesmo! Basta misturar e bater tudo (tem quem nem bate, mistura com a colher mesmo) jogar no freezer, esperar solidificar e pronto, aí está aquela “sobremesa avoenga” que a avó da youtuber guardou há anos a sete chaves e agora o grande segredo foi revelado de graça para impressionar convidados para o jantar.

A malandragem é infinita nesses canais de culinária e gastronomia. Tem aquela que diz que finalmente descobriu a formula secreta daquele famoso sorvete do McDonald's misturando apenas creme de leite (ele de novo!) solidificado em pedrinhas de gelo e batido no liquidificador, ou aquela que mistura café solúvel, açúcar, água quente batidos na batedeira e diz que criou uma mousse de café dos céus!! Mas ainda pode piorar! Temos agora a receita conceito, eu explico: é apresentado um ambiente chique com utensílios de luxo, só aparecem as mãos da confeiteira, uma musiquinha fajuta produzida em computador ao fundo, a receita é passada em legendas no vídeo e o que importa mesmo é o momento ASMR que se segue em alto e bom som. Os utensílios jogados na bancada (pláft!), o fouet mexendo a gororoba (tzuk tzuk tzuk tzuk!), o leite derramado no bowl (blu blu blu blu blu blu!) e por aí vai. E a sobremesa mesmo é o que menos importa aqui. É muita cara de pau (cara que de algumas nem aparecem no vídeo), é fazer de seus seguidores um bando de otários desprovidos da mínima inteligência. É a pilantragem culinária em busca de “likes”, visibilidade e monetização fácil.

Agora vamos comparar com os canais das autênticas confeiteiras de vocação, sejam elas profissionais ou amadoras, isso não importa. Essas jamais passariam uma receita de anguzão solidificado de pura glicose. Nesses canais podemos encontrar receitas tradicionais e legítimas do mais refinado bom gosto, tais como,  torta sacher, pastel de santa clara, gateau ópera, mil folhas entre outras delícias, todas ensinadas passo a passo com paciência aos seus seguidores, com esmero e dedicação típicas daquela profissional que tem paixão pelo o que faz, resultado de muita leitura, prática e pesquisa. Essas tem todo o meu respeito.

Bem, há muito tempo as redes sociais representam uma fonte riquíssima para o recrutamento de talentos. Sabemos muito bem que muitas confeitarias renomadas, restaurantes estrelados e hotéis de luxo sempre estão de olho nas redes sociais em busca de uma confeiteira competente. Então, qual delas pode ter uma chance de receber uma proposta de trabalho? Aquelas confeiteiras mandrionas de fancaria limitadas à misturar aqueles três ingredientes e acreditam que descobriram a pólvora  ou aquelas de vocação que tiram de letra uma sfogliatella, uma baba ao rum ou uma torta frangipane? Depois a culpa é sempre das vovós. Malvadas vovós!


segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Entenda: aumento salarial e reajuste salarial são situações bem diferentes



É sabido e notório que a legislação trabalhista com suas leis infinitas é algo que está restrito aos iniciados no setor de RH e aos advogados especializados nessa área e olhe lá. A maioria dos trabalhadores com vínculo empregatício tem muita dificuldade em compreender os seus “direitos” (aspas já explicadas em diversos artigos deste blog) haja vista a complexidade da legislação. Recentemente uma funcionária enviou-me uma questão dizendo que a empresa na qual ela trabalha lhe informou que ela não terá direito ao reajuste da Convenção Coletiva em razão de ela ter recebido aumento salarial dois meses antes. Está errado, muito errado! Ela faz jus sim ao reajuste da categoria, mesmo recebendo aumento salarial dois meses antes. Esclarecendo a questão:

Aumento salarial

O aumento salarial significa aumento real de salário e não é previsto em lei, a empresa concede aumento ao trabalhador a seu critério por deliberação. Isso ocorre em algumas situações:

Promoção: o aumento é concedido quando ocorre promoção do funcionário que exercia cargo de assistente ou auxiliar para um cargo de supervisão, gerência ou chefe de setor.

Mudança de Cargo: o novo cargo tem remuneração maior que o trabalhador ocupava antes e aqui é bom deixar claro que mudança de cargo não significa necessariamente promoção, por exemplo: um assistente de RH dependendo sempre da atividade da empresa tem salário maior do que um assistente de vendas.

Mérito: cumprimento de metas, produtividade, proatividade, eficiência acima da média, puxa-saquismo (é infelizmente em algumas empresas tem dessas coisas, principalmente em supermercados).

Prazo de experiência cumprido: algumas empresas para incentivar o funcionário costumam conceder um pequeno aumento quando ele passa pelo prazo da experiência, embora seja muito raro e não é obrigatório, afinal, reiterando que o aumento salarial não é previsto em lei.  

Reajuste Salarial

O reajuste salarial é definido em Acordo, Convenção ou Dissídio Coletivo de uma categoria profissional na data base. É previsto no artigo 611 da CLT, parágrafos 1º e 2º. O reajuste salarial é um índice aplicado (normalmente é o INPC- Índice Nacional de Preços ao Consumidor) ao salário do trabalhador para repor a perda monetária durante o período em que o funcionário foi admitido até a data da homologação da convenção. Tanto pode ter validade bienal ou anual, depende da categoria profissional a qual o trabalhador se enquadra. Não se trata de aumento real de salário, mas da perda inflacionária que o salário sofreu durante o período. O índice sempre é aplicado sobre o salário atual do trabalhador independente se ele obteve aumento salarial real ainda que seja no mês anterior ao do reajuste. Nem mesmo o trabalhador poderá abrir mão do reajuste (artigo 9º CLT) quanto mais o empregador.

Portanto, o reajuste bienal ou anual da categoria profissional é obrigatório e é aplicado sobre o salário atual do trabalhador, ainda que a empresa tenha lhe concedido aumento salarial real por qualquer situação que seja. Algumas empresas até costumam antecipar o reajuste por conta da convenção para depois ser descontado na data da homologação do mesmo, situação que eu não recomendo e que já comentei em alguns artigos. E mais uma vez para que fique bem claro, reajuste não é aumento real de salário, mas a reposição da perda monetária durante o intercurso que começa na data da admissão até a data da homologação da convenção coletiva. É obrigatório, previsto em lei e irrenunciável.


Organização, Gerenciamento de Tempo e Produtividade

Matriz de Eisenhower Não existem mágicas, truques, macetes ou segredos, o que existem sim são métodos, técnicas e ferramentas bem estudadas ...