segunda-feira, 24 de maio de 2021

Filme recomendado: Jogo de Espiões


Mais uma obra prima dirigida com brilhantismo pelo saudoso mestre Tony Scott. Jogo de Espiões tem como protagonistas, Robert Redford (Nathan Muir) e Brad Pitt (Tom Bishop). Redford em uma de suas mais brilhantes performances é um agente da CIA em seu último dia de trabalho e Pitt é seu ex-pupilo que encontra-se detido numa prisão na China.


Lançado em 2001, tornou-se um clássico no gênero, mais do que um filme espetacular de ação e suspense de tirar o fôlego, o diretor foca no personagem Nathan Muir (Redford) que nos dará formidáveis lições de lealdade, inteligência, sagacidade, amizade e redenção. 


Num passado remoto, Muir recruta Bishop, um exímio atirador que havia se apresentado como voluntário. Muir fica impressionado com a determinação e as habilidades de Bishop e resolve treiná-lo para as missões mais obscuras da CIA. Podemos dizer que Muir se sentia quase um pai para Bishop e disso resultou uma cumplicidade fraterna.


Muir começou a passar missões para Bishop e dava ordens que Bishop não estava de acordo. Chegaram a discutir algumas vezes pelos métodos muito violentos e nada ortodoxos determinados por Muir. Bishop então se afasta de Muir. Porém, algum tempo depois, uma missão em Beirute para eliminar um perigoso terrorista coloca Muir e Bishop novamente juntos. Os dois saem para tomar um café e Bishop dá um presente de aniversário para Muir. É uma garrafinha portátil de bebida que Bishop confiscou numa operação chamada “jantar fora” (jantar fora guarde bem essa expressão!).Muir disse a Bishop que ia se lembrar disso.


Acontece que Bishop (disfarçado de fotógrafo) conhece no campo de feridos uma enfermeira voluntária, Elizabeth Hadley (interpretada pela atriz Catherine McCormack). Na verdade, Elizabeth é uma ex-ativista política britânica, porém ela não revela esse fato a Bishop e nem Bishop revela que está em missão pela CIA. Os dois se envolvem e têm um romance. Muir levanta a vida de Elizabeth e revela a Bishop que ela é uma perigosa ativista que participou de atentado em Londres e que resultou na morte do filho de um ministro chinês. Era verdade. Muir e Bishop discutem novamente. Após a missão cumprida em Beirute com a morte do terrorista numa exagerada operação comandada por Muir, os dois agentes rompem a amizade definitivamente para nunca mais se encontrarem. Nesse dia, Bishop retorna ao apartamento de Elizabeth e o encontra vazio. Um bilhete (forjado por Muir) escrito por ela revelando que realmente ela era uma ativista perigosa. Sem Bishop saber de nada, Muir entrega Elizabeth para os chineses em troca de um diplomata que estava capturado. Elizabeth pega prisão perpétua na China.



Muitos anos se passam e no último dia de trabalho de Muir na CIA ele é informado que seu antigo pupilo foi capturado na China e ia ser executado no dia seguinte. Bishop conseguiu rastrear Elizabeth e tentou resgatá-la (isso passa logo no início do filme) numa operação mal sucedida e acabou sendo preso. Os chefões da CIA questionam Muir sobre o que Bishop foi fazer na China. Muir disse que não fazia ideia (mas é claro que sabia!) e nunca mais teve contato com ele. Como não era uma missão autorizada, a CIA lava as mãos e não vai salvar Bishop. Bishop seria executado logo ao amanhecer. Muir é colocado como suspeito e é investigado por um comitê de investigadores. Ele não poderá mais sair do prédio até que esclareça as suas missões com Bishop.


É a partir daí que Muir entra em ação para salvar Bishop sem a CIA saber. O plano que Muir elabora é uma verdadeira lição de criatividade, sagacidade e ousadia. Dentro das dependências da CIA, Muir passa a noite forjando documentos, invadindo salas, telefonando para amigos, falsificando assinatura do diretor da CIA até que ele consegue um contato na China através de um amigo. A operação para livrar Bishop não vai sair barato, vai custar 500 mil dólares! Aonde Muir vai conseguir esse valor? Sim, ele vai usar de sua própria conta bancária, economias que ele juntou ao longo dos anos.


Enquanto isso, ao mesmo tempo, Muir responde impassível com firmeza e muita frieza as perguntas dos investigadores. Ele conta superficialmente sobe a relação de Bishop com Elizabeth, dando poucos detalhes. Por fim, ele fingiu também estar de acordo com o lavar de mãos da CIA para não libertar Bishop, pois foi uma missão não autorizada. Muir então é liberado, mas antes um investigador lhe faz uma última pergunta, o que considero uma dos pontos altos do filme. O investigador lhe pergunta que se ele soubesse que Bishop foi à China a fim de libertar Elizabeth, se ele contaria isso a seus superiores. Muir demora a responder, olha fixo para um ponto qualquer da sala e responde, NÃO! Reflita bem sobre esse “não”, pois isso já valeria o filme.


Nesse mesmo momento, enquanto Muir já havia saído do prédio da CIA, a operação para resgatar Bishop e também Elizabeth está em curso. Um blackout total é provocado no presídio e finalmente Bishop e Elizabeth são resgatados por soldados americanos. E aqui é o que considero o outro ponto alto do filme. O piloto do helicóptero comunica pelo rádio que a missão “jantar fora” foi cumprida. Bishop escuta e pede para o piloto repetir o que disse. E o piloto repete, “operação jantar fora, senhor”. Impossível não se arrepiar.


Além das lições de inteligência, sagacidade e lealdade ao antigo pupilo que o personagem de Muir nos passa, a maior lição que fica é que sempre há tempo para se redimir de um erro cometido no passado e na maioria das vezes,  o erro nunca sai barato. Mas Muir se redimiu, com muita inteligência, impassível e sorrindo.


Obs: há um versão desse filme disponível no youtube em português, embora a qualidade do som não seja aquelas coisas, vale a pena dar uma conferida.


segunda-feira, 17 de maio de 2021

Quer ser crítico de arte? Então fuja dos cursos de Artes Plásticas


“O pintor pensa em formas e cores. O objetivo não é construir um fato anedótico, mas constituir um fato pictórico” (Georges Braque, pintor cubista)


Eu tenho o maior apreço pela profissão de crítico de arte, porém não posso dizer a mesma coisa pela maioria dos profissionais que a exercem. Na falta de critério para analisar com seriedade uma obra de arte, inventam estórias numa linguagem para iniciados, politizam a obra, assumem o papel de psicanalistas frustrados empurrando o artista para o divã e acreditam piamente que sabem mais sobre a obra plástica do que o próprio autor que a compôs. Um pouco de história:

 

A crítica de arte se perde no tempo, teve o seu início oficialmente nos salões literários do século XVIII, quando os próprios artistas emitiam juízos de valor sobre as obras de seus pares. Ela envolve os elementos de interpretação, julgamento e do gosto particular. Ainda assim, na remota antiguidade já existiam autores que discorriam sobre a arte, podemos citar como exemplo, o robusto “Tratado da Arquitetura” ou “De Architectura”, (em 10 volumes!) de Marcus Vitruvius Pollio, que data aproximadamente de 27 a 16 a.C., entre muitas outras obras desse quilate.


No Brasil, a crítica de arte teve o seu início, considerando como o primeiro crítico de arte, Manuel de Araújo Porto-Alegre (1806-1879) o barão de Santo Ângelo, pintor, arquiteto, cartunista e historiador de arte. Ele era ligado à Academia Imperial de Belas Artes (AIBA). E aqui é importante distinguir História da Arte e Crítica de Arte. Grosso modo, a primeira trata dos acontecimentos passados e a segunda trata dos acontecimentos e movimentos artísticos do presente.

 

Vamos dar um salto pelo século XX e considerar que a partir do surgimento dos movimentos Arte Moderna e na sequência o Pós-Modernismo até os dias atuais, a crítica de arte abandonou a obra e se voltou narcisisticamente para si própria passando a ser mais importante que a obra em si. E o pior, é bem comum atualmente um crítico de arte desdenhar uma verdadeira obra de arte canonizada pelo tempo e sem critério algum. Chancela como obra de arte, defecar sobre a bandeira do país ou crianças pegando no bilau de marmanjos entre outras escatologias dessa natureza. É exatamente isso que os críticos de arte entendem como arte, ou seja, pura manifestação política rasteira sem qualquer conexão com o juízo estético.

 

O professor Affonso Romano de Sant’Anna em seu esplêndido livro “O Enigma Vazio: Impasses da Arte e da Crítica”, livro obrigatório para quem quer se inteirar obre o assunto, discorre formidavelmente a cerca da bizarrice que se tornou a crítica de arte. Vamos conferir duas passagens de seu livro:

 

“Assim como a pintura no século passado através da arte conceitual quis-se palavra, fez-se conceito, fez-se frase, discurso sobre tela, também a crítica contemporânea fez algo igual e inverso: tornou-se ela mesma uma forma de pintar com palavras, como, aliás, foi mostrado no célebre livro de Tom Wolfe, “A Palavra Pintada” [...]

  

“A action writing” (termo cunhado pelo historiador de arte, Russel Lynes), embora pretenda uma transparência, uma homologia com a obra plástica que deflagrou a escrita, abandona a referência, encanta-se consigo mesmo. É a linguagem narcisista, deslumbrada com seus próprios reflexos. Se fôssemos tentar, não digo superpor, mas aproximar tal escrita à obra veríamos que não se reconhecem, não se ajustam. “O quadro descrito ficou aquém ou foi além da obra plástica, o texto realizou uma anamorfose, uma deformação, uma alucinação, uma especulação, fascinante em si, mas distante do original [...]"


Eu diria, bem distante, mas muito longe mesmo do original!

 

O saudoso jornalista americano Tom Wolfe citado por Sant’Anna, escreveu esse fantástico livro “A Palavra Pintada” (1975), leitura também recomendada. Wolfe zomba de críticos de arte dessa estirpe como os famosos e conhecidos, Clement Greenberg, Harold Rosenberg e quejandos dessa panelinha. Greenberg é autor da célebre frase: “Toda arte profundamente original parece a princípio feia”. Bem, em certos casos até que essa frase faz algum sentido, apesar de eu não ter apreço por este autor.

 

No Brasil, a crítica de arte a partir do século XX sempre se confundiu com militância política esquerdista, marxista e chinfrim, coisas de jecas provincianos como, por exemplo, Mário Pedrosa que, apesar de ser um profundo expert em arte, o seu proselitismo de militonto acabou se distanciando anos luz da crítica de arte. Monteiro Lobato, este sim um gigante (que também foi crítico de arte) se destacava com uma originalidade ímpar em seus artigos impecáveis. É famosa a sua polêmica com a pintora Anita Malfatti. Lobato escreveu um ácido artigo, “A Propósito da Exposição Malfatti”, espinafrando o modernismo “copy & paste” dos gringos que a artista usurpou quando esteve estudando no exterior. Lobato colocou Malfatti em seu devido lugar. Atualmente no Brasil um dos poucos nomes que se destaca e que tenho algum respeito é do crítico e curador de arte, Tadeu Chiareli.

 

Os críticos de arte estrangeiros também não ficam atrás nas questões de narcisismo e militância rasteira. Dificilmente aparece um monstro como o saudoso crítico de arte Robert Hughes ou mesmo um Hilton Kramer, fundador da publicação New Criterion. Posso citar aqui como boas referências, Roger Kimball, atual editor da New Criterion, James Panero, Karen Wilken e com muitas restrições, Eleanor Heartney.

  

E aqui cabe um fato que ocorreu com um estimado amigo meu, artista plástico, pintor e escultor, uma das pessoas mais cultas que conheci na vida, dessas pessoas que conversam com embasamento e conhecimento de causa a cerca de diversos assuntos. Ele viveu algum tempo na Inglaterra e nos Estados Unidos, depois retornou ao Brasil. Como tinha muitos contatos no meio artístico, foi convidado a expor as telas numa destacada galeria de arte. Uma crítica de arte escreveu para uma revista especializada uma resenha risível e bisonha sobre sua obra, especialmente sobre um quadro abstrato pintado pelo artista. Ela escreveu mais ou menos o que se segue:

 

“São traços violentos de vermelhos e azuis raivosos que se entrecruzam em busca de brechas, saídas e atalhos para onde levar o artista sufocado num país inóspito”. O fundo branco branco (sim, duas vezes!) o artista registrou o nada que via pela frente, a angústia da lonjura de sua terra natal e a falta de amigos, pessoas. O artista gritava luz, ele pedia por luz, mas ela se encontrava atrás do branco branco oculta pelas vias vermelhas e azuis que o impediam se se libertar [...] E o delírio na groselha não tinha fim.

 

E agora a verdadeira história do quadro. O artista acordou pela manhã e ao entrar em seu estúdio tropeçou em duas latas de tintas destampadas, respectivamente azul e vermelha. A tintas rolaram e foram escorrendo por cima de uma tela de duratex branco que estava no chão. O artista então pegou uma vassoura e gravetos, fez alguns arranjos e... voilà!, em menos de 15 minutos um quadro abstrato estava pronto e de maneira bem displicente. Eu e ele demos boas risadas dessa crítica de arte de meia tigela. O artista até enviou um artigo para a revista contando como realmente o quadro foi produzido, mas é claro que a sua réplica não foi publicada.

 

Ficou claro o que faz um crítico de arte hoje? Vamos lá, recapitulando: enxerga a obra de arte apenas como propaganda política (e como bem diz o filósofo Roger Scruton, "a mensagem da propaganda não faz parte do significado estético), chancela escatologias como obra de arte, se transforma num simulacro de psicanalista e viaja na maionese quando analisa uma obra de arte dando significado a ela que jamais passou pela cabeça do autor;  e por fim acredita piamente que o seu texto sobre a obra é tão belo e magnifico que até mesmo supera a beleza da obra analisada. Ele quer apenas o aplauso de seus pares.


Por isso, se alguém quer ser crítico de arte, fuja, passe batido dos cursos universitários de artes plásticas que chafurdaram a Beleza numa lama que é uma mistura de estruturalismo e desconstrucionismo forjados por figuras como Jacques Derrida, Roland Barthes e Gilles Deleuze. Comecem estudando Benedetto Croce, Romano Galeffi, Gillo Dorfles, Carlo Ludovico Ragghianti, José Ortega Y Gasset, Louis Lavelle, Etienne Gilson, Bruno Zevi, Charles Lalo, Harold Osborne, Suzanne Langer e Lionelo Venturi. Não é preciso cursar uma faculdade  de artes plásticas para ser crítico de arte, pelo contrário, os grandes críticos de arte da história vieram de outras vertentes do conhecimento humano, sobretudo, da Filosofia.

 

Portanto, sempre quando lermos as abóboras e groselhas que um crítico de arte escreve, estejamos certos que do outro lado bem longe dali, haverá o próprio artista que produziu a obra fazendo escárnio e dando boas risadas dessas críticas e análises ridículas, risíveis, medonhas e não mais que bisonhas.

_______

GALEFFI, Romano. Fundamentos da Crítica de Arte. 2.ed. Centro Brasileiro de Estudos Estéticos.1985

HEARTNEY, Eleanor. Pós-Modernismo. Editora Cosac & Naif.2002

ORTEGA Y GASSET, José. A Desumanização da Arte. 6.ed. Cortez Editora. 2012

DE SANT'ANNA, Affonso Romano. O Enigma Vazio: Impasses da Arte e da Crítica. Editora Rocco. 2008

SCRUTON, Roger. Beleza. Editora É Realizações.2013

VENTURI, Lionelo. História da Crítica de Arte. Edições70. 2007

WOLF, Tom. A Palavra Pintada. L&PM Editores. 1987



segunda-feira, 10 de maio de 2021

O melhor veterinário do mundo ou quando a vocação faz a diferença



Há muitos anos quando residi por um tempo numa pequena cidade do interior, conheci um profissional da medicina veterinária, daqueles que podemos falar sem medo de errar, “esse é o cara”. Vou chamá-lo de Dr. R, porque "R" é a letra inicial do nome dele. Como sempre tive pets, a minha relação com veterinários sempre foi constante. Eu o conheci tomando café e comendo um pão doce numa padaria. Trocamos cartões de visita e dias depois fiz uma visita ao seu consultório.


Mas antes de visitá-lo, tenho como mania de profissional de RH levantar a vida das pessoas. Coletei o máximo de informações sobre a sua pessoa, pois eu não me sentia confortável com os outros veterinários disponíveis que atendiam na cidade. O que descobri sobre o Dr. R causou-me certo espanto. Ele veio de outra cidade (como eu) e residia ali não fazia muito tempo, porém, tempo suficiente para conquistar um prestígio profissional que nem mesmo os veterinários locais possuíam. Diziam que ele chegou a ressuscitar alguns animais, informação essa que foi confirmada por alguns de seus clientes e até mesmo por uma sua ex-assistente. Ele mesmo não gostava muito de falar sobre o assunto. Quando indagado sobre esse fato ele não confirmava, mas também não negava, apenas sorria e dizia que era uma questão de fé.


Então fui até o seu consultório. Ele atendia na sua própria e modesta residência na qual a parte da frente ele adaptou o seu consultório. Já tive uma surpresa quando cheguei, pois o encontrei em meio a uma pilha de livros abertos sobre uma escrivaninha. Concentrado, ele fazia anotações que nem me viu entrar. Era a sua biblioteca particular que ficava junto ao consultório. Quando me viu convidou-me para um café. Contou-me um pouco de sua história, a sua paixão incondicional por animais desde criança e a vocação inexorável para cursar medicina veterinária. Leitor voraz de Agatha Christie e Georges Simenon e apreciador de uma deliciosa cerveja artesanal que ele mesmo fazia com miolo de pão preto. Se valia da alopatia, homeopatia e até mesmo muita oração. E dava certo, salvar vida de pets era com ele mesmo, não importava o método, a sua maior alegria era ver o bichano abrindo os olhinhos.


De todos os pets que deixei aos seus cuidados ele acertou em todos, desde os casos mais simples até os casos mais graves. Com o Dr. R não tinha essa de sábado, domingo ou feriado não poder trabalhar. Não, não, a qualquer hora do dia ou da noite ele era incapaz de recusar atendimento, inclusive em domicílio se preciso fosse, pois ele salvava vidas. Dinheiro nunca foi problema, se não tinha na hora, pagava depois. Fazia o seu preço de acordo com a possibilidade do cliente, chegava a cobrar preço abaixo da tabela o que lhe causou alguns problemas com a maldita guilda do CRMV. Varou noites e madrugadas fazendo cirurgias complicadas, mas como sempre, todas muito bem sucedidas.


Para o Dr. R, tratar um pet não era como consertar um chuveiro ou um ferro elétrico como infelizmente muitos veterinários fazem (alguém aí vestiu essa carapuça?), sempre foi contra a comercialização de animais domésticos e um fervoroso defensor da adoção responsável. Levava uma vida modesta, sem luxos, investia o que ganhava em estudos, pesquisas e livros, sua vida era clinicando ou estudando em e meio a uma pilha de livros. Sempre solícito e gentil, dava dicas e orientações sobre pets na rua para quem o interpelava, mesmo que não fosse seu cliente fiel.


Esse tipo de comportamento ético, exemplar e impecável acabou gerando raiva e incompreensão por parte dos veterinários da cidade, afinal, para eles, Dr. R era um forasteiro que se mudou para cidade só para se dar bem, atitude típica de provincianismo local. Foi denunciado diversas vezes para a guilda CRMV por cobrar abaixo da tabela, fazer campanha de castração gratuita, dar consultas de graça e doar remédios para quem não podia pagar. Quantos crimes, não?


Dr. R não era de se meter em confusão e não fazia parte dessa panelinha decrépita de veterinários mercenários e incompetentes. Retornei para o estado de São Paulo não sem antes me despedir dele ao sabor de uma saborosa cerveja artesanal. Não o encontrei mais, ele sempre foi arredio às redes sociais mas, em contato com amigos tive notícias que ele ainda reside por lá e continua firme e clinicando com toda a sua competência extraordinária para a felicidade dos pets.


É claro que a expressão “o melhor veterinário do mundo” é apenas um termo de força de expressão retórica, no entanto, apesar de ter contato com excelentes profissionais veterinários, nunca mais encontrei outro profissional dessa envergadura, diferenciado, de um amor pela profissão que chegou a assustar seus pares concorrentes. E a explicação disso encontra-se numa única palavra: vocação! Infelizmente, uma palavra que está fora de moda e acabou sendo absorvida pelo lucro fácil ou apenas o fetiche de usar um jaleco branco. 


Artigo dedicado ao Dr. R.C.S, médico veterinário.

segunda-feira, 3 de maio de 2021

Cláusula no contrato de trabalho que obriga empregado prestar hora-extra é abusiva






No artigo anterior abordei a problemática do contrato de adesão nas relações de trabalho, pois esse tipo de contrato permite a disposição de cláusulas abusivas sem que o empregado nada possa fazer para evitá-las. Citei como exemplo duas cláusulas abusivas, sendo que uma trata dos descontos no salário causados por danos e prejuízos, e a outra por obrigar o empregado à prestação de horas extras sempre que a empresa determinar. Vejamos porque dispor cláusula de horas-extras no contrato de trabalho caracteriza cláusula abusiva.


A cláusula em questão que observo na maioria dos contratos de trabalho é essa:


“Obriga-se também o EMPREGADO a prestar serviços de horas extraordinárias, sempre que lhe for determinado pela EMPREGADORA na forma prevista em lei.”


Não é bem isso o que diz a redação do artigo 59 da CLT que trata das horas-extras. Vejamos:


“Art. 59. A duração diária do trabalho poderá ser acrescida de horas extras, em número não excedente de duas, por acordo individual, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.


Ora, sendo o contrato de trabalho um típico contrato de adesão, este torna-se evidentemente incompatível com uma situação de “acordo individual”. Além disso, não há previsão legal que permita que a empregadora determine e obrigue o empregado a prestar horas-extras sempre que ela determinar conforme consta na cláusula acima que citei como exemplo. Portanto, não há que se falar em acordo mútuo quando se trata de um contrato de adesão no qual as cláusulas já são pré-determinadas unilateralmente.


Quanto ao acordo ou convenção coletiva de trabalho, tenho a opinião de que o empregado não pode ser refém de decisões sindicais que não foram autorizadas por ele próprio.


Ao ser contratado, ainda no processo de recrutamento, o empregado toma ciência de sua jornada de trabalho, ou seja, o horário a ser cumprido na entrada e na saída. Vamos presumir que este empregado após a jornada de trabalho tenha compromisso com estudos, seja faculdade, curso técnico, curso de idiomas, curso de aperfeiçoamento, etc. Muitas vezes até mesmo presta serviços em outra empresa, o que é bem comum atualmente a pessoa ter dois empregos. Então ao assinar seu contrato de trabalho ele se depara com uma cláusula na qual ele se obriga e prestar horas-extras sempre quando a empresa assim determinar. Neste caso é óbvio que ele não vai poder atender a empresa quando esta solicitar, porém se o empregado se negar a prestá-las poderá ser advertido em razão da cláusula abusiva disposta em seu contrato de trabalho.


Existem muitos empregados que precisam fazer horas-extras para ajudar no salário, porém, nesses casos dependerá de solicitação prévia e aprovação da empresa que poderá autorizar ou indeferir a solicitação. Temos aqui uma situação de dois pesos, duas medidas, ou seja, se o empregado precisar fazer horas-extras dependerá de autorização prévia, porém se a empresa solicitar, ele já está obrigado a fazê-las, pois, em seu contrato de trabalho existe uma cláusula que o obriga a prestá-las quando a empresa assim determinar.


Horas-Extras podem ser necessárias tanto para o empregador bem como para o empregado, dias mais dias menos este terá que prestá-las. O problema é como ela é disposta no contrato de trabalho de maneira obrigatória. Na verdade, trata-se de uma cláusula que nem deveria constar no contrato, pois, a prestação de horas-extras caberia à empresa comunicar o empregado por escrito e com antecedência em razão dos compromissos e disponibilidade do mesmo, bem como, respeitar e cumprir os horários de entrada e saída descritos em seu contrato de trabalho.


Lembrando que qualquer tipo de cláusula abusiva no contrato de trabalho é efeito do contrato de adesão (artigo 442 da CLT) o qual apenas o empregador determina as regras e condições de trabalho. E ainda tem quem ainda defenda a CLT? Pois eu digo que não é possível defender um diploma que já nasceu absolutamente indefensável, do primeiro ao último artigo.

 

Organização, Gerenciamento de Tempo e Produtividade

Matriz de Eisenhower Não existem mágicas, truques, macetes ou segredos, o que existem sim são métodos, técnicas e ferramentas bem estudadas ...