segunda-feira, 23 de outubro de 2023

O Salário do Medo – Georges Arnaud (Leitura recomendada)

 



“A sensibilidade não deixa de ter lugar ao volante de um caminhão” (Georges Arnaud)


O Salário do Medo foi o romance de estreia do escritor francês Georges Arnaud. Escrito no ano de 1950, imediatamente recebeu aplausos da crítica e do público sendo traduzido para diversas línguas tornando-se um best seller mundial. A história se passa numa cidadela da Guatemala com toques autobiográficos em razão do escritor ter residido algum tempo naquele país tendo contato com alguns dos personagens da trama. Quatro corajosos motoristas aceitam fazer um transporte de nitroglicerina em caminhões precários, verdadeiras latas velhas e detonados, dirigindo por estradas esburacadas e lamacentas no fio da navalha dos precipícios. Um solavanco mais forte e tudo irá pelos ares.

A trama se passa numa pequena cidade pobre de nome Las Libras. A única empresa local é uma multinacional americana chamada Crude que explora poços de petróleo naquela região. Fora os habitantes indígenas nativos, a maioria dos outros habitantes é formada por marginais egressos de outros países, tais como, desertores, ex-marinheiros, ex-mercenários, contrabandistas, fugitivos foras da lei, etc. Toda essa gente foi para lá numa situação emergencial para ficar poucos dias. Entretanto, entrar na cidade é fácil, mas para sair o valor da passagem seja por balsa ou avião particular é um preço absurdo e praticamente impossível de se conseguir. A única diversão local é um boteco do tipo “pé sujo” de nome “Corsário Negro” no qual esse pessoal se encontra para se embebedar e trocar suas mágoas.

Ocorre um incêndio em dos poços de petróleo. Evidentemente que esse fogo não vai se apagar facilmente. Os engenheiros então decidem que a solução é a explosão total do poço em chamas e para isso precisarão de mil e quinhentos quilos de nitroglicerina que serão transportados por caminhões.  Da sede da companhia de onde partirão os caminhões são quinhentos quilômetros de distância. Elaboram então um anúncio para o recrutamento dos motoristas:

“Contratam-se excelentes motoristas de caminhões. Trabalho perigoso. Salários elevados. Dirigir-se ao RH da Cia.”

Vinte candidatos se apresentam, quando tomam conhecimento do tipo de carga metade desiste da vaga. Os dez restantes fazem os testes. Quatro são aprovados: o francês Gérard Sturmer, o romeno Johnny Mihalescu, o italiano Luigi Stornatori e o espanhol Juan Bimba. O transporte será feito em dois caminhões modelo KB7. Gérard revezará o volante com Johnny e Luigi revezará com Bimba. O francês Gérard é o principal personagem central e Johnny em seguida. O autor do livro não dá mais informações sobre Luigi Stornatori e Juan Bimba. Cada um dos motoristas receberá a importância de mil dólares por viagem.

Gérard Sturmer já trabalhava como peão de obra na Cia de petróleo Crude. É um fugitivo da lei, foi garimpeiro, contrabandista, motorista de fuga e pode-se dizer exímio motorista, um ás no volante. Já dirigiu pesados caminhões subindo e descendo ladeiras escarpadas nos Andes, atravessou pontes de madeira podre sobre rios, fazia os diabos ao volante. Gérard tem uma namorada chamada Linda que é garçonete no boteco Corsário Negro. Johnny Mihalescu foi chofer na Romênia, entende de mecânica de autos, se meteu com o crime organizado, assassinou uma pessoa e teve que fugir vindo parar em Las Libras.

Os dois caminhões (que não têm amortecedores!) já carregados partem no começo do anoitecer e deverão chegar ao destino antes do sol nascer, pois a carga não poderá aquecer para não entrar em combustão e explodir. Luigi e  Bimba saem na frente, Gérard e Johnny partem meia hora depois. Gerárd e Johnny têm perfis completamente opostos; Gérard é sarcástico e muito seguro ao volante; Johnny é o tipo reclamão, meio dandi, fala diversas vezes em desistir durante o trajeto e sente-se bem desconfortável quando tem que assumir o volante no revezamento. Os dois não se entendem muito bem.

As situações de perigo chocantes que essa dupla passou ao volante deixarei para o leitor saborear na leitura desse instigante livro. Posso adiantar que graças às habilidades, perícia e sensibilidade acima da média que Gérard demonstrou no domínio do caminhão beira ao surreal. O cara realmente foi um monstro ao volante durante o trajeto. Porém, ocorre um incidente grave: já próximo ao destino o KB7 atolou na lama e empacou. Johnny desce do caminhão para guiar Gérard enquanto este acelerava e virava o volante e nada de sair do atoleiro. Está muito escuro, Johnny escorrega na lama, cai de costas e a roda direita do caminhão passa sobre sua perna. Não havia caixa de primeiros socorros, apenas uma garrafa de rum. Gérard esta fora si, banhado de suor, as mãos já em carne viva de tanto esterçar o volante; Johnny terá poucos minutos de vida. Antes de falecer, Johnny revela um truque a Gérard que vai tirar o caminhão do atoleiro. O truque consiste em amarrar uma corda no eixo das rodas traseiras e a outra ponta num tronco de árvore. O truque funciona, o caminhão salta da lama, mas Johnny já não vivia mais. Gérard coloca o corpo de Johnny na boleia e segue em frente, falta pouco, o dia está quase amanhecendo. 

Por fim, o caminhão de Gérard chega ao alojamento, ele é o único que conseguiu! Sim, Luigi e Bimba não conseguiram, o caminhão foi pelos ares, Gérard e Johnny viram ao longe a bola negra de fogo subindo aos céus. Gérard é recebido e aplaudido pelos supervisores que o esperam. Exausto ele toma um banho e descansa enquanto a carga é descarregada. Johnny é enterrado, o supervisor considera que foi um incidente inevitável e dá a Gérard o valor que Johnny receberia. Gérard pega o cheque de dois mil dólares que trocará quando chegar na Cia. Para ele basta, ele não fará outra viagem, pedirá demissão ao chegar, mas não diz nada ao supervisor. O supervisor lhe oferece um chofer para leva-lo de volta, mas Gérard não aceita, ele mesmo quer voltar dirigindo aquela geringonça.

Gérard agora vai feliz da vida com o cheque de dois mil dólares, valor suficiente para ir embora de Las Libras. Não há mais carga perigosa, então agora ele vai fazer essa lata velha decolar. Pisa fundo, pé no talo, oitenta, noventa por hora, faz as curvas em duas rodas cantando pneus. A lata velha obedece, ele agora já pode chama-la de sua, porque ele é bom no que faz, acariciando o volante de madeira, é muito bom motorista, subiu e desceu as ladeiras escarpadas nos Andes, atravessou altas pontes de madeiras podres sobre as águas com o caminhão carregado e agora tinha no currículo um transporte de nitroglicerina. Gérard quer chegar rápido e zarpar com sua namorada Linda dessa espelunca para sempre. Faltam apenas dezesseis km para chegar. O KB7 voa na estrada a cem por hora porque Gérard é o melhor motorista do mundo, ele é o cara! Só que não! Gérard num reflexo vê a placa passar como um raio indicando “Reduza, fim de pista!” Gérard reduz a marcha desesperadamente, o diferencial geme, os pneus uivam, o cardan de transmissão se rompe e o caminhão entra em roda livre. Apenas trinta metros o separa do precipício, sessenta por hora, mas ainda é excessiva, os pedais não obedecem mais, não há mais nada a fazer, o destino de Gérard, o melhor motorista do mundo é selado ali inacreditavelmente!

Dessa leitura podemos tirar algumas lições. Escolhi duas:

1-Muitos que leram o livro chegaram a conclusão de que o valor pago por viagem (mil dólares) é um valor ultrajante e ridículo haja vista a periculosidade da carga e as péssimas condições dos caminhões e da estrada. No entanto cada um dos motoristas tinha o seu propósito, queriam se mandar o mais rápido possível de Las Libras e talvez aceitassem fazer o transporte até por um valor menor. Eu conversei com dez caminhoneiros, seis homens e quatro mulheres, perguntei a eles se aceitariam esse tipo de transporte de nitro naquelas condições e a resposta foi surpreendente: apenas três não aceitariam, os outros sete disseram que sim sem titubear, mesmo com aquele tipo de caminhão KB7, embora cobrariam um valor mais alto. Mentiram? Não há como saber.

2-Excesso de autoconfiança nunca é recomendável, ele costuma ocorrer justamente com os melhores profissionais. Gérard era um baita motorista!  No entanto, o melhor cozinheiro tem o seu dia de errar no tempero e o melhor músico pode errar algumas notas. Gérard no seu retorno cometeu um lapso em desconsiderar a situação de perigo da estrada e daquele caminhão, ele teve um surto de excesso de confiança que acabou custando-lhe a vida. Deveria ter aceitado a oferta do chofer. Como disse o autor do livro, Gérard foi vítima de seu entusiasmo. Uma pequena dose de medo é sempre bem vinda em algumas ocasiões, uma gota sutil que poderá alterar a situação. Eu diria que uma pitada de prudência foi a marcha que faltou entrar para Gérard parar aquele caminhão.


Notas:

1- Em 1953, o diretor Henri-Georges Clouzot filmou "O Salário do Medo" fiel ao roteiro com Yves Montand no papel principal do motorista Gérard Sturmer. No entanto, o diretor deu  destaque também para o personagem Bimba interpretado pelo ator Peter van Eyck que ganhou o prêmio de ator coadjuvante por essa interpretação.

2- Em 1977, William Friedkin (falecido em agosto desse ano) fez uma refilmagem com o nome "Sorcerer" (no Brasil, "O Comboio do Medo) não tão fiel ao livro alterando algumas passagens. No entanto, as cenas dos caminhões são as mais impressionantes filmadas até hoje e o filme é considerado um dos melhores de ação/suspense de todos os tempos. Roy Scheider fez o papel do motorista principal. A trilha sonora é da banda alemã Tangerine Dream!

3- A Netflix divulgou em Abril desse ano um remake do roteiro original baseado no livro de Georges Arnaud. O filme é dirigido pelo cineasta Julien Leclercq e terá um mulher como motorista de um desses caminhões. O papel é da atriz Ana Girardot. Aguardemos!!


Abaixo as impressionantes cenas dos caminhões sobre a ponte, trailer do filme Sorcerer -O Comboio do Medo- de 1977. Os dois caminhões conseguem passar.



segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Um Dia e Meio (Filme Recomendado): policial estoico dá show de liderança





"Os seres humanos foram feitos uns para os outros: ou os ensine, ou os suporte" (Marco Aurélio-Meditações VIII, 59)

Existem diversos tipos de liderança, cada líder escolhe um modelo que mais se adequa a sua personalidade e também de acordo com a situação que tem pela frente. O policial Lukas, praticamente o protagonista do filme “Um Dia e Meio”, dá um show de liderança com seu estilo calmo e tranquilo de conduzir a situação que chega até a ser incômodo e perturbador.  Vamos ao filme, que, diga-se de passagem, ficou em 1º lugar entre os top 10 lançados pela plataforma Netflix.

“Um Dia e Meio” é um filme do gênero policial/suspense/psicológico. O roteiro e direção são do próprio e premiadíssimo ator e diretor sueco/libanês Fares Fares que interpreta com grande estilo o papel do policial Lukas. Fares escreveu o roteiro baseado em um fato real ao ler no jornal uma notícia na seção policial: um homem armado chamado Artan após sair da cadeia invade o consultório médico de sua ex-esposa, a médica Louise, para que ela lhe entregue a filha, pois ela detém a guarda da criança. Só que a criança está na casa dos pais dela, então Artan, a ameaça e a obriga a levá-lo até a casa dos pais. Há um tumulto na clínica, a polícia é  acionada. Lukas é o policial que vai atender a ocorrência.

O policial Lukas parece um personagem saído dos livros do escritor britânico Joseph Conrad, quem está habituado a ler Conrad perceberá esse detalhe. De início já vemos que se trata de um policial experiente, de uma calma inabalável, de olhar penetrante, sua presença passa confiança e credibilidade, sua fala é tranquila, porém firme, jamais ergue a voz. Ele vai atender todas as exigências de Artan. "Todas"! (será mesmo? hum, sei não!) A primeira exigência é um carro para sair da clínica e ir até a casa dos ex-sogros onde está sua filha Cassandra. Lukas é quem vai dirigir, Artan e Louise vão no banco de trás. Artan tem a arma apontada o tempo todo para a cabeça de Louise. Qualquer deslize, Artan diz que mata Louise e se mata logo em seguida.

Durante o trajeto pela estrada, Artan discute o tempo todo com Louisie. Descobre-se que Louise não é tão certinha assim, parece uma pessoa histérica e bastante descontrolada.  Artan, por sua vez não nos parece ser esse monstro sequestrador. Artan foi preso injustamente, pegou três anos de cadeia por uma mentira contada pelos pais de Louise que eram preconceituosos xenófobos e contra o casamento dos dois. Artan é de origem árabe e a família de Louisie é sueca. Louise não tinha bom relacionamento com os pais, teve depressão pós-parto e vivi a base de remédios. Lukas só escuta e os fita pelo retrovisor, sempre calmo e tranquilo, é de poucas palavras.

O momento de maior tensão é justamente na casa dos sogros quando Artan quer ver e levar a sua filha. Muita roupa suja é lavada e o sogro de Artan confessa que mentiu só para vê-lo em cana. O sogro não admite que a menina seja levada e pega uma espingarda para ameaçar Artan. E aqui o policial Lukas interfere, consegue deter e desarmar o sogro de Artan. Artan e Lousie conseguem levar a menina.

A viagem segue agora com Artan, Louise, a filhinha Cassandra e Lukas ao volante. Mesmo na presença da menina, Artan continua apontando a arma engatilhada para a cabeça de Louise. A próxima exigência de Artan é para que o coloque num voo junto com Louise e a filha com destino a Albânia. Lukas pelo rádio faz o pedido. As autoridades concordam com a fuga desde que Artan liberte a filha e Louise. Mas assim Artan não quer e então ele pede a Lukas que solicite uma balsa para fugir do país via Polônia. Mais uma vez, Lukas faz a solicitação pelo rádio e o pedido é atendido.

No trajeto final em direção à balsa, Artan sente que de certa forma, Lukas sempre se mostrou solícito e disposto a ajuda-lo. Então começa a puxar prosa com o policial perguntando sobre sua vida. Lukas a essa altura já sabe que ganhou a confiança de Artan e diz que é divorciado, diz que traiu a esposa e que tem dois filhos que escolheram morar com a mãe. Disse que justamente naquele dia era o aniversário de seu filho mais velho e que lamentavelmente não poderia estar ao lado dele em razão de estar conduzindo essa ocorrência e longe de casa.

Por fim chegam ao porto aonde Artan aguardará pela balsa que lhe dará fuga. Do momento em que Artan entrou na clínica até aquele momento, tudo durou um dia e meio. Ambos estão exaustos. Artan decide emprestar o seu celular para Lukas falar com o seu filho e desejar-lhe um feliz aniversário. Lukas aceita e liga para o filho, deseja-lhe feliz aniversário, troca algumas palavras e se emociona, desliga e devolve o celular para Artan. Lukas é informado de que o capitão da balsa está reticente em embarcar uma pessoa armada. A situação é tensa. Artan pede para Lukas buscar um café enquanto aguarda a resposta do capitão da balsa. Lukas vai pedir o café pelo rádio, mas Artan pede para Lukas se ele pode deixa-lo com  Louise a sós por um instante. Lukas desce do carro e caminha (experiente que é ele já fez uma leitura suficiente de Artan e sabe que Artan não vai atirar em Louise). Bingo!  Artan desengata o pente da pistola e a entrega a Louise e desaba em lágrimas. Louise joga a arma para fora pela janela do carro.

Bem, não há balsa alguma aguardando por Artan, aliás, nunca houve balsa, nem avião e nem haverá café porque Lukas não vai retornar mais. Uma força tarefa cercava o carro e aguardava Artan se entregar. Ninguém saiu ferido, ninguém morreu e nem um tiro foi dado e Lukas não encostou um dedo sequer em Artan, embora oportunidades é que não faltaram, principalmente quando Artan ficou vulnerável na casa dos sogros. Talvez outro policial tivesse agido de outra maneira, não Lukas, ele preferiu seguir em frente.

As perguntas são inevitáveis:

Com quem o policial Lukas falava pelo rádio? Seria mesmo uma autoridade ou apenas um colega de profissão para disfarçar? Nas duas paradas pelo caminho, Lukas trocou sinais e gestos com uma policial que os acompanhava de longe. Qual o significado daqueles sinais? O que Lukas contou de sua vida para Artan, que era divorciado e os filhos moravam com a mãe ele estava mentindo ou estava sendo sincero? Foi mesmo com o seu filho que ele falou ao celular desejando um feliz aniversário? Desde o início, Lukas foi sincero ou foi ardiloso e esperou o momento certo para prender Artan? Afinal, Artan apontava a arma o tempo todo para a cabeça de Louise. Se ardiloso, foi uma jogada de mestre ao deixar que Artan acreditasse que estava no controle da situação, só que não estava; se sincero, Lukas pegou Artan pelo seu lado humano, demasiadamente humano, tal como Lukas. A missão foi cumprida espetacularmente com sucesso e cada um vai tirar a sua própria conclusão.

quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Dia 05 de Outubro: Dia Mundial do Professor - Marva Collins: ela fundou uma escola com recursos próprios para alunos pobres



Desde o ano de 1994, a UNESCO em cooperação com a OIT (Organização Internacional do Trabalho) escolheram o dia 05 de Outubro para comemoração do dia mundial e internacional do professor. Em alguns países, o dia do professor é comemorado em outra data, como é caso do Brasil no qual a data de comemoração sancionada pelo imperador Dom Pedro I é no dia 15 de Outubro. Quero destacar aqui nesta data o trabalho espetacular de uma professora norte americana, Marva Collins (1936-2015) que escreveu a sua assinatura na história como brilhante educadora.

Em todas as profissões sempre vai existir aquele profissional que se destaca dos demais, aquele que um dia fez a diferença e podemos dizer que a professora Marva Collins foi uma dessas profissionais que fez a diferença e até hoje é referência para os seus pares de profissão.

Marva Delores Collins nasceu no estado do Alabama, filha de um contabilista e pequeno comerciante teve uma boa e sólida educação. Formou-se na Clark Atlanta University, na Geórgia. Lecionou por dois anos no Alabama e em 1959 mudou-se para Chicago e começou a lecionar inicialmente como professora substituta e depois titular por 14 anos em escolas públicas. Aborrecida com o equivocado currículo escolar chancelado pelo governo que em nada contribuía para o desenvolvimento e aprendizado dos alunos, sobretudo aqueles de origem pobre e com dificuldades, decidiu tomar de empréstimo cinco mil dólares e fundar a sua própria escola nos cômodos superiores de sua própria residência.

Então no ano de 1975, Collins fundou a Westside Preparatory School, situada no bairro pobre de Garfield Park, em Chicago-Illinois. Collins cobrava um preço irrisório pelas aulas, pois sua intenção visava alunos pobres, sobretudo negros cujos pais tinham baixíssima renda. Utilizou métodos sofisticados de ensino como o estudo dos clássicos, Artes Liberais, o Método Socrático, o método Harkness Table (Mesa de Aprendizagem Colaborativa), etc. Foi muito bem sucedida no seu empreendimento cuja atuação foi reconhecida por todo país.

Pelos méritos de seu trabalho foi convidada duas vezes para o cargo de Secretária da Educação, uma no governo do presidente Ronald Reagan, outra no governo de George Bush (pai) propostas que evidentemente ela não aceitou nenhuma das duas, pois nunca quis ter qualquer conexão com cargos políticos. Foi contemplada com diversos prêmios na área da educação. Em 2004 ganhou a Medalha Nacional de Humanidades.

A sua escola, sempre singela e no mesmo local ficou ativa desde a inauguração em 1975 até o ano de 2008 quando encerrou as atividades por dificuldades financeiras. Foram 33 anos dedicados à paixão pelo magistério e capacitação de alunos que viviam em situação de pobreza. Trinta e três anos não é pouca coisa não! Fica aqui registrada a minha homenagem a essa grande e corajosa guerreira pela sua nobre iniciativa.

Obs: Existe um filme de 1981 sobre a vida de Marva: "The Marva Collins Story," com Cicely Tyson (Marva) e Morgan Freeman (Clarence, o marido de Marva). Disponível no Youtube no original, sem tradução, mas vale a pena, é bem fiel à história.


segunda-feira, 2 de outubro de 2023

Motorista Uber com carteira assinada? Olha só o que te espera, "motô"!





Algumas justiças do trabalho locais têm reconhecido o vínculo empregatício de motoristas da plataforma digital Uber contrariando jurisprudência do STF que já se pronunciou sobre o tema, pronunciamento esse bem claro de que não há que se falar em vínculo empregatício entre a Uber e os motoristas. Essas sentenças localizadas são individuais e não criaram súmulas vinculantes, ou seja, valem apenas para aqueles motoristas que entraram com ação contra a Uber e não para todos.

Os motoristas que estão acionando a Uber para o reconhecimento do vínculo empregatício estão dando um tiro fatal em seus próprios pés porque no final quem vai pagar essa conta são eles próprios e a população em geral. Se eu for relacionar aqui as mil e uma desvantagens do vínculo empregatício este artigo seria infinito, portanto, vou apenas pontuar as principais desvantagens, as mais espinhosas:

- Cumprimento de jornada de trabalho (8:00 horas/dia conforme artigo 58 CLT): diga adeus à flexibilidade de horário, pois com o registro em carteira o motorista terá que cumprir rigorosamente as 8 horas diárias, tendo um horário certo para começar e parar. E ai dele se não cumprir! Caso atrase mais de 5 minutos na semana perderá o DSR (Descanso Semanal Remunerado), pois para receber o domingo o motorista não poderá ultrapassar os 5 minutos de atraso durante a semana. Isso é CLT!

- Ausência do Trabalho. Caso precise se ausentar do trabalho, o motorista terá que entrar em contato com a empresa imediatamente justificando o motivo da ausência. Se for motivo de enfermidade, o motorista terá um prazo determinado pela empresa para apresentar o atestado médico e ter a falta abonada, sob pena do desconto do dia, do Descanso Semanal Remunerado e se tiver algum feriado na semana também será descontado do salário. Caso não apresente o atestado médico no tempo determinado ou não apresente nenhuma justificativa pela falta o motorista terá o dia e o DSR descontados e ainda poderá ser advertido ou mesmo demitido sumariamente. Isso é CLT!

- Refém do piso salarial da categoria profissional: atualmente o piso salarial da categoria de motorista está em torno de R$ 1.800,00 reais, muito, mas muito mesmo abaixo do que ele recebe como prestador de serviço para a Uber. Sobre os R$ 1.800,00 sofrerá todos os descontos legais possíveis e impossíveis, tais como, previdência social, imposto de renda, etc, etc. Isso é CLT!

- Justa causa lambendo o cangote o tempo todo! Caso o motorista se envolva em algum acidente e seja comprovada a sua culpa, a demissão por justa causa é líquida e certa e neste caso, ele só receberá os dias trabalhados, não tem direito ao aviso prévio, 13º salário, não saca o FGTS e ainda, de acordo com a alínea “m”, do artigo 482 da CLT, ele poderá perder a CNH caso seja comprovado conduta dolosa. Isso é CLT!

Além disso, o motorista ficará praticamente impedido de fazer viagens particulares em razão da jornada extensa de trabalho. Ele até pode exercer outra atividade, no entanto, cumprindo jornada integral de trabalho isso será praticamente impossível.

Ah, mas o motorista terá previdência social, FGTS, 13º salário, férias acrescida de 1/3, seguro desemprego (em caso de demissão) não é mesmo?  Só que não! Todos esses “direitos” artificias saem de seu próprio bolso, só que ele não sabe disso. O vínculo empregatício só tem um destino: o Estado, os cofres públicos via arrecadação de impostos e demais contribuições compulsórias.

E aqui vamos combinar, a maioria dos motoristas de aplicativos não quer vínculo empregatício, já existem diversas estatísticas que comprovam isso, recentemente o Datafolha fez pesquisa com motoristas de Uber e dos entregadores do IFood e a esmagadora maioria declarou rejeitar o vínculo empregatício.

Essas sentenças favoráveis ao vínculo empregatício são absurdamente equivocadas, esses juízes não fizeram a lição e o dever de casa, estão atuando como militantes sindicais inconsequentes e deslumbrados, senão vejamos: Para caracterização do vínculo são necessários alguns elementos que sem os quais o vínculo é inexistente. São eles, serviço prestado por pessoa física, pessoalidade, não eventualidade,  subordinação e onerosidade. No caso dos motoristas Uber não existe subordinação e eles trabalham o dia que quiserem, podem faltar quantos dias sejam necessários sem qualquer satisfação. Além disso, muitos deles têm inscrição MEI, atuam como empresas, então como pode ser possível estabelecer vínculo empregatício uma empresa com a outra?

Portanto, caríssimo condutor de Uber, diante dos pontos demonstrados neste artigo, o vínculo empregatício e a assinatura de sua carteira terá um preço salgado a ser pago, o Estado estará lhe espreitando no espelho do retrovisor, lhe esperando em cada esquina, em cada curva, abanando a CLT numa mão e brandindo um chicote na outra, com aquele sorriso maligno e característico do Leviatã. Então, acelere condutor, vire na próxima esquina, escolha um caminho alternativo, fuja disso enquanto é tempo e nem ouse olhar para trás.


Organização, Gerenciamento de Tempo e Produtividade

Matriz de Eisenhower Não existem mágicas, truques, macetes ou segredos, o que existem sim são métodos, técnicas e ferramentas bem estudadas ...