segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Medidas persecutórias do governo fazem de 2023 o pior ano no setor trabalhista nos últimos 50 anos


O ano de 2023 foi um dos anos mais sombrios para o setor trabalhista ficando atrás somente do ano de 1943 quando uma arma letal denominada Consolidação das Leis do Trabalho-CLT foi criada pelo pior e mais brutal ditador que o Brasil já teve desde que foi fundado, e do ano de 1988 quando os direitos trabalhistas foram constitucionalizados resultando num golpe fatal no setor trabalhista que até hoje produz seus efeitos letais engessando todas as portas da empregabilidade.

Desde o início desse governo a temporada de caça aos empregadores e trabalhadores autônomos ou avulsos foi decretada. A perseguição às plataformas de aplicativos, sobretudo a Uber (ainda que o STF já tenha se pronunciado que não há vínculo empregatício entre o motorista e a plataforma) e os motoboys de todo tipo de entrega. Projetos de criminalização de cambistas, dos ônibus “clandestinos”; a perseguição aos influencers digitais que sobrou até mesmo para as meninas do onlyfans.

A Lei nº 14.611 sancionada em Julho deste ano é um capítulo à parte, pois  trata-se de um show pirotécnico de redundâncias. Essa lei dispõe (de novo!) sobre a igualdade salarial entre homens e mulheres. Ora, já existem dispositivos legais que dispõem sobre o tema, tais como a própria CLT em seu artigo 461 e a Lei 9.029/95 que trata sobre práticas discriminatórias nas relações de trabalho. Na verdade, a Lei nº 14.611 nada acrescentou de positivo às mulheres a não ser uma série de medidas rigorosas tais como relatórios infinitos que o empregador terá que apresentar sistematicamente prestando satisfações sobre a remuneração das mulheres que integram o quadro de funcionários sob pena de severa fiscalização. Uma lei que é elaborada para criminalizar por presunção o empregador não gera empregos e assim sendo não haverá postos de trabalho nem para homens nem para mulheres.

Em setembro o STF aprovou a volta da sinistra contribuição assistencial que passou a ser obrigatória ainda que o trabalhador não seja sindicalizado. Com exceção dos empregados que se manifestarem oposição ao desconto “a tempo e a modo perante o sindicato da categoria”. Notem bem que a oposição ao desconto não será perante a empresa mas diretamente junto ao sindicato. Até o momento ainda não ficou definido como essa oposição ao desconto se dará na prática.

Tivemos o veto à prorrogação da desoneração da folha de pagamento que felizmente foi derrubado pelo Congresso aos 49 do segundo tempo já no apagar das luzes. Como o setor trabalhista pode conviver com uma insegurança jurídica dessas?

Pesquisa publicada no portal g1 apontou um aumento considerável de empregos formais conforme dados do IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, do Pnad – Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios e do CAGED- Cadastro Geral de Empregados e Desempregados. Então vamos lá, foram 685 mil empregos criados em que setor mesmo? No serviço público, ora mas como não? (no serviço público!!). Já na iniciativa privada teremos que somar o setor de comunicação, atividades financeiras, imobiliárias e administrativas para juntas perfazem 617 mil empregos. Bem, em 2023 o índice de recuperação judicial teve um aumento de 52%! Um péssimo cenário se comprado aos anos anteriores.

E tem mais, são centenas de projetos de leis no setor trabalhista tramitando no congresso nas comissões de assuntos sociais aguardando encaminhamento e aprovação. Só para citar um deles,  há um PL que trata da redução da jornada de trabalho para 4 dias na semana sem redução salarial. Cem por cento desses projetos são elaborados por “especialistas” de plantão que passam ao largo do setor trabalhista, nunca colocaram os pés num departamento de Recursos Humanos e nem sonham como funciona o setor de gestão de pessoas. No entanto, sejamos justos, são sim especialistas em encontrar uma maneira ardilosa de arrecadar muito mais impostos e criminalizar o empregador com severas fiscalizações que geram multas brutais para o abastecimento dos cofres públicos.

O setor trabalhista está estrangulado de legislação, não adianta criar mais leis, não cabem mais, pois na prática são impossíveis de serem cumpridas. E não sendo cumpridas as empresas serão autuadas e multadas e sendo multadas as demissões são líquidas e certas e não haverá criação de postos de trabalho e sim empresas com atividades encerradas. Portanto, a sanha do governo por mais impostos, encargos e contribuições é um tiro no próprio pé, pois quanto mais aumentar as demissões e o desemprego em razão de medidas que visam penalizar empregadores, segue-se de maneira inevitável que a arrecadação diminuirá substancialmente no reino do Estadostão.

segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

De quem é a responsabilidade da instalação de cancelas em passagens de nível?



Após o grave acidente no Distrito Federal em que um ônibus foi atingido por um trem cargueiro em alta velocidade resultando em óbito de uma passageira e deixando vários feridos, veio à tona um tema que nem deveria ser motivo de debate por motivos óbvios que é a instalação de cancelas nas passagens de nível. Devemos lembrar que em Março desse ano ocorreu outro grave acidente em Jandaia do Sul, no estado do Paraná quando um ônibus escolar também foi atingido numa passagem de nível e duas crianças vieram a óbito e com diversos feridos gravemente. Por que não havia cancelas nessas passagens de nível, sobretudo no local onde ocorreu o acidente no Distrito Federal sendo que se trata de uma via expressa com um fluxo intenso de veículos? A imprensa irresponsável correu para demonizar o motorista do coletivo e nem uma palavra sequer sobre a instalação de cancelas.

No parágrafo acima citei que o trem estava em alta velocidade. Eu explico. De acordo com o depoimento do maquinista, no momento da colisão a locomotiva trafegava a 30 Km/h. Pode parecer uma velocidade baixa, mas não é se levarmos em conta que a passagem de nível na qual ocorreu o acidente cruza uma via expressa com um considerável fluxo de veículos como já citei. Observando diversas passagens de nível em cidades do interior de São Paulo e também de Minas Gerais constatei que comboios de trens passam quase parando nas passagens de nível, alguns chegam até a parar e apitar. Cansei de presenciar essa cena. Portanto, 30 Km/h por hora parece-me uma velocidade incompatível com uma via expressa com alto fluxo de veículos e sem cancelas. Não sabemos se 30 Km/h por hora em passagens de nível é uma velocidade deliberada pelo maquinista ou é instrução da própria Cia ferroviária em seus regulamentos do setor de Segurança do Trabalho, razão pela qual não podemos precipitadamente culpar o maquinista. Quero acreditar que essa Cia tem um competente setor de segurança do trabalho.

Como já escrevi no artigo anterior a esse, na maioria dos países pelo mundo, o transporte ferroviário seja de composição cargueira ou de passageiro é bastante utilizado compreendendo uma malha ferroviária infinitas vezes mais extensa do que no Brasil. Esses trens cruzam bairros, cidades, centros urbanos em passagens de nível e o índice de acidentes é próximo ao zero com exceção da Índia, país no qual a malha ferroviária pela sua dimensão gigantesca está bastante sucateada, ultrapassada e mal cuidada. O que faz o índice de acidente ser praticamente inexistente na maioria dos países é a instalação de cancelas eletrônicas controladas por sensores e softwares além da sinalização ostensiva. Dificilmente falha.

Vamos ver agora então a quem caberia a responsabilidade de instalação de cancelas em passagens de nível. Em Dezembro de 2022 a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça firmou acórdão em razão de uma demanda envolvendo uma empresa privada de ferrovia que opera em 21 bairros de Criciúma-SC., e o Ministério Público de Santa Catarina. Para isso, o STJ valeu-se do Decreto nº 1.832/1996 que trata do regulamento dos transportes ferroviários e do Código de Trânsito Brasileiro. Vejamos: 

Decreto nº 1.832/1996, artigo 10, parágrafo 4:

§ 4° O responsável pela execução da via mais recente assumirá todos os encargos decorrentes da construção e manutenção das obras e instalações necessárias ao cruzamento, bem como pela segurança da circulação no local.

Código de Transito Brasileiro, artigo 24, inciso III:

Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição: (Redação dada pela Lei nº 13.154, de 2015). III - implantar, manter e operar o sistema de sinalização, os dispositivos e os equipamentos de controle viário.

 Assim sendo, decidiu o STJ:

“Se ferrovia é anterior ao bairro, município deve pagar por obras de sinalização.”

AquiREsp Nº 1.569.468 - SC (2015/0300604-6)

Outrossim, em razão do acidente em Jandaia do Sul, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 1066/23 "que torna obrigatória a instalação de cancelas automáticas equipadas com dispositivos sonoros e visuais, e de semáforos nos cruzamentos rodoferroviários e passagens de nível em zonas urbanas ou de expansão urbana. Além disso, a velocidade máxima dos trens nesses trechos será de 15 km/h".

No caso do acidente no Distrito Federal vemos um gradiente de responsabilidades que passa pelo condutor do coletivo, aumenta a nuance quando passa pelo maquinista e pela Cia ferroviária e ganha cores fortes (muito fortes!) ao atingir o poder público municipal que na minha opinião é omisso nessa questão que envolve segurança nas passagens de nível. Pois é, mas que surpresa, não? A instalação de cancelas não rende votos e em acidentes como esses é muito mais prático e fácil dar as mãos à imprensa e culpar em uníssono o condutor do coletivo.


segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Aluno adormece e é esquecido no interior de coletivo escolar. Descrição de Cargo elucida responsabilidades



A bruxa está solta, aconteceu novamente. Um menino de cinco anos de idade adormeceu no trajeto até a escola e acabou sendo esquecido no interior de um ônibus escolar na Cidade Ocidental, município de Goiás no entorno sul de Brasília. A notícia não teve tanta repercussão porque uma mãe que levava seu filho à escola estava passando pelo local e viu o menininho batendo no vidro do ônibus. Segundo ela, ligou para os bombeiros e para a polícia, mas como ninguém apareceu ela mesma forçou a porta do ônibus para liberar o menino e ele ficou bem, graças a Deus. O coletivo estava estacionado na porta de uma escola pública.

Como era de se esperar, a imprensa local já atirou paus, pedras e bodoques contra o motorista do ônibus e o monitor. A prefeitura emitiu um comunicado explicando que a empresa do coletivo escolar é terceirizada e que o motorista e o monitor foram afastados. Muito interessante é que nesses casos nunca a imprensa dá a oportunidade para ouvir o outro lado da história e como em todos os casos semelhantes que temos visto ultimamente, pede-se a as cabeças numa bandeja dos profissionais envolvidos sem ao menos dar a oportunidade de ouvi-los.

É justamente aqui, após a apuração dos fatos e da responsabilidade dos envolvidos que entra em cena um documento essencial e praticamente obrigatório que fica arquivado no RH das empresas chamado “Descrição de Cargos”. Trata-se de um documento que infelizmente algumas empresas dispensam, mas que faz toda diferença quando ocorre um incidente ou acidente com algum funcionário. Nesse documento, consta o título do cargo do funcionário, a finalidade de suas funções, a quem o funcionário se reporta e todas as suas atribuições, deveres e obrigações.  O funcionário toma ciência desse documento impresso em duas vias ao assiná-lo logo no primeiro dia de trabalho. Uma via fica arquivada no RH e a outra em poder do funcionário.

Será que a empresa do ônibus escolar tem esse documento com as atribuições do motorista?  Isto porque, em caso afirmativo, se na "Descrição de Cargos” desse motorista constar um item que expressa que ele tem a obrigação de contar os alunos na entrada e na saída na hora do desembarque, pode-se então a partir daí se falar em responsabilidade do motorista em ter esquecido o menino no interior do coletivo, caso contrário, se não constar esse item nem mesmo a empresa possuir esse documento “Descrição de Cargos”, não há que se falar em responsabilidade ou culpa do motorista.

Sem dúvida alguma a maior responsabilidade no caso em tela recai sobre o monitor, pois é justamente para cuidar de todos os detalhes na segurança dos alunos que ele atua. Atribuições como, garantir a segurança das crianças, certificar que todas elas estejam identificadas e principalmente acompanhar o embarque e desembarque individual de cada aluno. Ainda assim, antes de massacrá-lo publicamente é imprescindível ouvir a sua versão, afinal o menino foi esquecido, segundo quem o encontrou porque ele adormeceu no ônibus e não despertou no momento do desembarque.

Em todas as empresas em que presto consultoria, as que não têm a Descrição de Cargo" é um dos primeiros documentos a ser implantado, ainda que a empresa conte com apenas um funcionário. Esse documento pode mudar completamente uma lide trabalhista. Sugiro que empresas de jornalismo e reportagem também deveriam implantá-lo e colocar o seguinte item:

- Quando se tratar de reportagem que cobre casos de falha humana em qualquer atividade profissional que seja, quem elaborou a pauta deverá ouvir os dois lados do incidente e jamais vilipendiar a imagem dos profissionais envolvidos antes do esclarecimento dos fatos apurados pelas vias legais.

Portanto, para todas as empresas em qualquer atividade que seja, não importa o número de funcionários, a partir de um já é o suficiente, Descrição de Cargo já!


segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Falha humana no trabalho não é crime hediondo



Infelizmente esse ano tivemos algumas tragédias que ceifaram vidas causadas por falha ou erro humano e que repercutiram a exaustão na mídia e nas redes sociais. O povo brasileiro é realmente sui-generis, pois acostumado a deixar a razão de lado e deixar-se embalar pelo calor das emoções nos mais variados assuntos não poupou os profissionais que falharam em suas funções pedindo precipitadamente pela condenação sumária e linchamento de cada um deles. O povo influenciado por "shownalistas" venenosos que estão apenas em busca de audiência, não tem a humildade de se colocar no lugar do profissional que errou e conseguir enxergar a situação pelo ponto de vista do profissional.

Citarei aqui as três mais recentes tragédias que tiveram repercussão nacional: o ônibus urbano que colidiu com um trem numa passagem de nível em Brasília matando uma passageira; um motorista de van escolar em São Paulo que esqueceu um menino dentro do veículo e que acabou vindo a óbito e do acidente com o ônibus que tombou na estrada e que levava a torcida do Corinthians matando alguns dos torcedores. Este último já escrevi recentemente a respeito. Fora o caso famoso daquele zelador que trabalha há 30 anos no mesmo edifício e por não ter apartado a briga entre um ogro troglodita morador do prédio e um visitante beócio só faltaram pedir a pena de morte do pobre trabalhador enquanto os dois envolvidos na briga foram simplesmente esquecidos, removidos de foco e deixados de lado. Ah, mas a culpa é do coitado do zelador que não apartou a briga, ora, mas como não? Cadeia pra ele, não é mesmo senhores delegados celebridades?

E agora vamos pensar um pouco porque pensar não tira pedaço dos miolos, pelo contrário, os fortalece: será que algum motorista sai de casa às 4 horas da manhã decidido a colidir o ônibus que conduzirá contra um trem? Será que um motorista de van escolar vai para o trabalho decidido a esquecer um garotinho no banco de trás? Será que um motorista de ônibus de turismo sai decidido a capotar o ônibus na estrada durante a viagem? Faça-me o favor, isso não faz sentido algum.

Quando essas tragédias ocorrem, abre-se a temporada de caça cujo alvo é o profissional que errou na condução de suas funções. A saraivada de tiros vem de todos os lados: jornalistas (ops, shownalistas) venenosos de pacotilha e delegados e delegadas que adoram pousar de celebridades nas redes sociais e que querem ter seus 15 minutos de fama, ambos inflamando a população demonizando os profissionais envolvidos nos acidentes, pedindo prisão preventiva ou temporária de um trabalhador. De um trabalhador!! Ora, mas e aquele playboy que sai da balada na madrugada dirigindo bêbado ou drogado ou disputando um racha invade a calçada e tira a vida de 10 pessoas de uma só vez? Esse fica detido algumas horas e na audiência de custódia (só mesmo no Brasil!) paga uma fiança e sai debochando pela porta da frente? Como é isso? Trabalhador que cometeu um lapso, prisão nele, sem mesmo o devido processo legal, já o playboy, livre, leve e solto. E ainda descobre-se que o playboy já tinha a CNH aprendida e diversas ocorrências por direção perigosa. Como explicar isso, hein? 

Vou me deter aqui no caso mais recente do trem que colidiu com um ônibus em Brasília. Como pode um trem de carga cruzar uma autovia expressa com um fluxo intenso de veículos naquela velocidade? Normalmente em passagens de nível a velocidade de um trem é bastante reduzida para evitar acidentes. Sim, há placas de sinalização, mas isso não basta! Teria que ter ali uma cancela. Nos mais diversos países pelo mundo trens trafegam e cruzam centros urbanos e o índice de acidentes é praticamente zero. Nessas passagens de cruzamento sempre existem cancelas que são acionadas automaticamente por sensores. E a perícia mecânica do veículo acidentado?

No meu entendimento, temos pelo menos três elementos que contribuíram para esse acidente: a responsabilidade irrevogável do poder público em colocar uma cancela naquela via expressa absurdamente movimentada; a velocidade da locomotiva absolutamente incompatível numa passagem de nível e um lapso do motorista do coletivo.  Então por que estão crucificando somente o motorista do coletivo que também poderia ter morrido ou sofrido graves lesões?

Quero deixar bem claro aqui que esses três profissionais envolvidos, seja no coletivo urbano em Brasília, na estrada com a torcida do Corinthians ou na van escolar, todos têm as suas responsabilidades sim e devem responder por isso. No entanto, é preciso aguardar o inquérito policial, a sindicância da empresa para apurar os fatos, a defesa justa e imparcial de cada um deles que inclui as excludentes de ilicitude, afinal todos são trabalhadores, não são bandidos. E é bom lembrar aqui aos carrascos de plantão que o Direito existe justamente para a aplicação da pena justa sempre proporcional ao delito, se é que esses profissionais cometeram algum delito.

Portanto, todo profissional está sujeito a cometer erros na área em que atua, erros que se tornam infrações graves ou não conforme o grau da negligência. Erros esses que devem ser conduzidos com responsabilidade pelas autoridades e a ampla e justa defesa dos profissionais envolvidos. Quando a voz do povo os condena injusta e precipitadamente, perdeu-se o senso das proporções e neste caso, a voz do povo não é a voz de Deus.


segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Agências de emprego e o fator custo/benefício




Por João Bosco Lodi


"Toda agência costuma ter uma classificação própria quanto ao valor dos clientes, a qual poderá ser uma atitude consciente ou não consciente. As firmas são divididas em grupo como A, B, C, N. Aquelas firmas que entram na categoria A são as “exigentes”, que não se deixam enganar pelas aparências, que conferem os candidatos em sua própria seleção, enfim, são empresas que, pelo seu rigor seletivo, gozam de alto prestígio junto às agências. As firmas das categorias B e C são gradualmente mais indulgentes, são aquelas que aceitam facilmente qualquer candidato. As firmas N são aquelas que as agências não têm interesse em atender, devido a problemas anteriores. Convém lembrar que as firmas C, que têm baixo prestígio junto ao agenciador, são os melhores clientes das agências; aqueles que aceitam facilmente os candidatos enviados, aqueles a quem é fácil satisfazer. Geralmente essas empresas apresentam um turnover muito elevado que as faz recorrer constantemente às agências, aumentando o seu faturamento. Um candidato rejeitado por uma firma da categoria A é facilmente aceito por uma firma C. Essa atitude oculta pode ser o fundamento das relações entre a agência e a empresa.

Ao escolher uma agência, o recrutador deverá tomar informações comerciais sobre a mesma. Procurará obter na própria agência uma lista de clientes e se informará com os recrutadores desses clientes sobreo desempenho da agência. Poderá visitar esses clientes e apurar os critérios e o rigor da seleção de pessoal nessas firmas. Convém não visitar apenas os clientes que já usam dos serviços da agência há mais de três anos, porque eles tenderão a apresentar uma avaliação positiva. Deverão também ser visitados os clientes que já deixaram de usar os serviços da agência.

Duas ou três agências poderão ser usadas durante um período experimental. Seus serviços poderão ser cotejados pacientemente e de forma confidencial. Só se paga taxa quando se compromete a aceitar o candidato.

A eficiência do recrutamento está na relação entre o uso dos meios e o resultado final, que é o número de candidatos aprovados. Um recrutamento feito através de fontes inadequadas, agências não idôneas, ou anúncios e divulgação mal feitos certamente encarecem o resultado final. Dividida toda essa despesa pelo número de candidatos aprovados chegamos a um alto custo unitário. Comparando-se mês com mês, o custo unitário temos ideia de maior ou menor precisão no trabalho. Quando um recrutador fixa um orçamento ele parte de uma estimativa do trabalho a ser feito e posteriormente compara o orçado com o real para descobrir os desvios havidos.

Para se estabelecer um orçamento é preciso partir de um sistema de custo. O custo do recrutamento é calculado dividindo-se todas as despesas mensais ou anuais pelo número de candidatos aprovados. Pode-se estabelecer um custo unitário geral e um custo unitário por grupo ocupacional (o custo do recrutamento de uma secretária, de um engenheiro, de um vendedor) e ainda um custo unitário por classe econômica.

Consideram-se despesas mensais de recrutamento: salário do pessoal da seção, despesas de viagem, anúncios de vagas, taxas de agências. Devem ser ainda incluídas em forma de rateio mensal, prospectos, folhetos, cartazes, banners, divulgação nas redes sociais e despesas de visitas de estudantes e professores à empresa quando estas últimas são feitas com finalidade de recrutamento.

Uma vez identificadas as despesas ordinárias do mês e obtido o custo unitário, o recrutador elabora um gráfico de modo a controlar de mês para mês as variações de custo. Pode-se estabelecer um índice de custo histórico que é a média dos meses anteriores.

Em se tratando de custo de agência de emprego, o recrutador pode estabelecer um estudo comparativo entre a agência e outra fonte de recrutamento, por exemplo, anúncios nas redes sociais. Pode ocorrer que em casos críticos seja mais econômico trabalhar com uma agência que cobre 100% do primeiro salário do empregado, do que divulgação na internet. Se, porém, a empresa tem um recrutador especializado com tempo integral, é possível que o custo do trabalho do contato pessoal desse recrutador seja menor que a soma das taxas de uma boa agência.”

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Excerto extraído e adaptado do livro, Recrutamento de Pessoal, de João Bosco Lodi, Livraria Pioneira Editora, São Paulo.


segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Uma lata de leite condensado, uma lata de creme de leite e meia xícara de leite em pó




O leitor que achou que iria encontrar aqui uma receita de sobremesa se enganou. Este artigo num primeiro momento pode até parecer zoeira infinita, mas não é, até poderá ser se algum leitor assim entender. Com toda certeza alguém já leu ou já ouviu pelo menos uma vez na vida em algum lugar as três frases do título deste artigo. São zilhões de vídeos dessa nem sei dizer o que (receita?) que as youtubers disponibilizam há anos e pousam como se tivessem descoberto a pólvora revelando o segredo daquela vovó (coitadas das vovós!) guardado por anos a sete chaves e que agora lhe é apresentado a um clique de seu mouse. Voilà, bem vindos à pilantragem gastronômica.

Obviamente que algumas dessas pretensas confeiteiras de mão cheia (cheia de más intensões eu diria) para não dizer que copiam umas as outras, apresentam aos incautos variações do mesmo tema, seja acrescentando um suco mal espremido de limão (que talhará o leite, diga-se de passagem), ou meia xícara de amido, raspas de chocolate, amendoim torrado e moído que chamam de pralinè! (risadas?) ou gelatina em pó sem sabor e diluída. Mas tem que ser diluída no micro-ondas ora bolas, afinal um tom professoral com as sobrancelhas erguidas e um dedo em riste poderão conferir à moçoila maior credibilidade.

A combinação desses três ingredientes crus batidos num liquidificador resulta no que? Num angu indigesto (como esse da foto), ou melhor, num anguzão solidificado e abrutalhado, absurdamente ardido de doce, enjoativo, que nem nome tem e que passa anos luz de ser uma legítima sobremesa. E não é mesmo! Basta misturar e bater tudo (tem quem nem bate, mistura com a colher mesmo) jogar no freezer, esperar solidificar e pronto, aí está aquela “sobremesa avoenga” que a avó da youtuber guardou há anos a sete chaves e agora o grande segredo foi revelado de graça para impressionar convidados para o jantar.

A malandragem é infinita nesses canais de culinária e gastronomia. Tem aquela que diz que finalmente descobriu a formula secreta daquele famoso sorvete do McDonald's misturando apenas creme de leite (ele de novo!) solidificado em pedrinhas de gelo e batido no liquidificador, ou aquela que mistura café solúvel, açúcar, água quente batidos na batedeira e diz que criou uma mousse de café dos céus!! Mas ainda pode piorar! Temos agora a receita conceito, eu explico: é apresentado um ambiente chique com utensílios de luxo, só aparecem as mãos da confeiteira, uma musiquinha fajuta produzida em computador ao fundo, a receita é passada em legendas no vídeo e o que importa mesmo é o momento ASMR que se segue em alto e bom som. Os utensílios jogados na bancada (pláft!), o fouet mexendo a gororoba (tzuk tzuk tzuk tzuk!), o leite derramado no bowl (blu blu blu blu blu blu!) e por aí vai. E a sobremesa mesmo é o que menos importa aqui. É muita cara de pau (cara que de algumas nem aparecem no vídeo), é fazer de seus seguidores um bando de otários desprovidos da mínima inteligência. É a pilantragem culinária em busca de “likes”, visibilidade e monetização fácil.

Agora vamos comparar com os canais das autênticas confeiteiras de vocação, sejam elas profissionais ou amadoras, isso não importa. Essas jamais passariam uma receita de anguzão solidificado de pura glicose. Nesses canais podemos encontrar receitas tradicionais e legítimas do mais refinado bom gosto, tais como,  torta sacher, pastel de santa clara, gateau ópera, mil folhas entre outras delícias, todas ensinadas passo a passo com paciência aos seus seguidores, com esmero e dedicação típicas daquela profissional que tem paixão pelo o que faz, resultado de muita leitura, prática e pesquisa. Essas tem todo o meu respeito.

Bem, há muito tempo as redes sociais representam uma fonte riquíssima para o recrutamento de talentos. Sabemos muito bem que muitas confeitarias renomadas, restaurantes estrelados e hotéis de luxo sempre estão de olho nas redes sociais em busca de uma confeiteira competente. Então, qual delas pode ter uma chance de receber uma proposta de trabalho? Aquelas confeiteiras mandrionas de fancaria limitadas à misturar aqueles três ingredientes e acreditam que descobriram a pólvora  ou aquelas de vocação que tiram de letra uma sfogliatella, uma baba ao rum ou uma torta frangipane? Depois a culpa é sempre das vovós. Malvadas vovós!


segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Entenda: aumento salarial e reajuste salarial são situações bem diferentes



É sabido e notório que a legislação trabalhista com suas leis infinitas é algo que está restrito aos iniciados no setor de RH e aos advogados especializados nessa área e olhe lá. A maioria dos trabalhadores com vínculo empregatício tem muita dificuldade em compreender os seus “direitos” (aspas já explicadas em diversos artigos deste blog) haja vista a complexidade da legislação. Recentemente uma funcionária enviou-me uma questão dizendo que a empresa na qual ela trabalha lhe informou que ela não terá direito ao reajuste da Convenção Coletiva em razão de ela ter recebido aumento salarial dois meses antes. Está errado, muito errado! Ela faz jus sim ao reajuste da categoria, mesmo recebendo aumento salarial dois meses antes. Esclarecendo a questão:

Aumento salarial

O aumento salarial significa aumento real de salário e não é previsto em lei, a empresa concede aumento ao trabalhador a seu critério por deliberação. Isso ocorre em algumas situações:

Promoção: o aumento é concedido quando ocorre promoção do funcionário que exercia cargo de assistente ou auxiliar para um cargo de supervisão, gerência ou chefe de setor.

Mudança de Cargo: o novo cargo tem remuneração maior que o trabalhador ocupava antes e aqui é bom deixar claro que mudança de cargo não significa necessariamente promoção, por exemplo: um assistente de RH dependendo sempre da atividade da empresa tem salário maior do que um assistente de vendas.

Mérito: cumprimento de metas, produtividade, proatividade, eficiência acima da média, puxa-saquismo (é infelizmente em algumas empresas tem dessas coisas, principalmente em supermercados).

Prazo de experiência cumprido: algumas empresas para incentivar o funcionário costumam conceder um pequeno aumento quando ele passa pelo prazo da experiência, embora seja muito raro e não é obrigatório, afinal, reiterando que o aumento salarial não é previsto em lei.  

Reajuste Salarial

O reajuste salarial é definido em Acordo, Convenção ou Dissídio Coletivo de uma categoria profissional na data base. É previsto no artigo 611 da CLT, parágrafos 1º e 2º. O reajuste salarial é um índice aplicado (normalmente é o INPC- Índice Nacional de Preços ao Consumidor) ao salário do trabalhador para repor a perda monetária durante o período em que o funcionário foi admitido até a data da homologação da convenção. Tanto pode ter validade bienal ou anual, depende da categoria profissional a qual o trabalhador se enquadra. Não se trata de aumento real de salário, mas da perda inflacionária que o salário sofreu durante o período. O índice sempre é aplicado sobre o salário atual do trabalhador independente se ele obteve aumento salarial real ainda que seja no mês anterior ao do reajuste. Nem mesmo o trabalhador poderá abrir mão do reajuste (artigo 9º CLT) quanto mais o empregador.

Portanto, o reajuste bienal ou anual da categoria profissional é obrigatório e é aplicado sobre o salário atual do trabalhador, ainda que a empresa tenha lhe concedido aumento salarial real por qualquer situação que seja. Algumas empresas até costumam antecipar o reajuste por conta da convenção para depois ser descontado na data da homologação do mesmo, situação que eu não recomendo e que já comentei em alguns artigos. E mais uma vez para que fique bem claro, reajuste não é aumento real de salário, mas a reposição da perda monetária durante o intercurso que começa na data da admissão até a data da homologação da convenção coletiva. É obrigatório, previsto em lei e irrenunciável.


segunda-feira, 23 de outubro de 2023

O Salário do Medo – Georges Arnaud (Leitura recomendada)

 



“A sensibilidade não deixa de ter lugar ao volante de um caminhão” (Georges Arnaud)


O Salário do Medo foi o romance de estreia do escritor francês Georges Arnaud. Escrito no ano de 1950, imediatamente recebeu aplausos da crítica e do público sendo traduzido para diversas línguas tornando-se um best seller mundial. A história se passa numa cidadela da Guatemala com toques autobiográficos em razão do escritor ter residido algum tempo naquele país tendo contato com alguns dos personagens da trama. Quatro corajosos motoristas aceitam fazer um transporte de nitroglicerina em caminhões precários, verdadeiras latas velhas e detonados, dirigindo por estradas esburacadas e lamacentas no fio da navalha dos precipícios. Um solavanco mais forte e tudo irá pelos ares.

A trama se passa numa pequena cidade pobre de nome Las Libras. A única empresa local é uma multinacional americana chamada Crude que explora poços de petróleo naquela região. Fora os habitantes indígenas nativos, a maioria dos outros habitantes é formada por marginais egressos de outros países, tais como, desertores, ex-marinheiros, ex-mercenários, contrabandistas, fugitivos foras da lei, etc. Toda essa gente foi para lá numa situação emergencial para ficar poucos dias. Entretanto, entrar na cidade é fácil, mas para sair o valor da passagem seja por balsa ou avião particular é um preço absurdo e praticamente impossível de se conseguir. A única diversão local é um boteco do tipo “pé sujo” de nome “Corsário Negro” no qual esse pessoal se encontra para se embebedar e trocar suas mágoas.

Ocorre um incêndio em dos poços de petróleo. Evidentemente que esse fogo não vai se apagar facilmente. Os engenheiros então decidem que a solução é a explosão total do poço em chamas e para isso precisarão de mil e quinhentos quilos de nitroglicerina que serão transportados por caminhões.  Da sede da companhia de onde partirão os caminhões são quinhentos quilômetros de distância. Elaboram então um anúncio para o recrutamento dos motoristas:

“Contratam-se excelentes motoristas de caminhões. Trabalho perigoso. Salários elevados. Dirigir-se ao RH da Cia.”

Vinte candidatos se apresentam, quando tomam conhecimento do tipo de carga metade desiste da vaga. Os dez restantes fazem os testes. Quatro são aprovados: o francês Gérard Sturmer, o romeno Johnny Mihalescu, o italiano Luigi Stornatori e o espanhol Juan Bimba. O transporte será feito em dois caminhões modelo KB7. Gérard revezará o volante com Johnny e Luigi revezará com Bimba. O francês Gérard é o principal personagem central e Johnny em seguida. O autor do livro não dá mais informações sobre Luigi Stornatori e Juan Bimba. Cada um dos motoristas receberá a importância de mil dólares por viagem.

Gérard Sturmer já trabalhava como peão de obra na Cia de petróleo Crude. É um fugitivo da lei, foi garimpeiro, contrabandista, motorista de fuga e pode-se dizer exímio motorista, um ás no volante. Já dirigiu pesados caminhões subindo e descendo ladeiras escarpadas nos Andes, atravessou pontes de madeira podre sobre rios, fazia os diabos ao volante. Gérard tem uma namorada chamada Linda que é garçonete no boteco Corsário Negro. Johnny Mihalescu foi chofer na Romênia, entende de mecânica de autos, se meteu com o crime organizado, assassinou uma pessoa e teve que fugir vindo parar em Las Libras.

Os dois caminhões (que não têm amortecedores!) já carregados partem no começo do anoitecer e deverão chegar ao destino antes do sol nascer, pois a carga não poderá aquecer para não entrar em combustão e explodir. Luigi e  Bimba saem na frente, Gérard e Johnny partem meia hora depois. Gerárd e Johnny têm perfis completamente opostos; Gérard é sarcástico e muito seguro ao volante; Johnny é o tipo reclamão, meio dandi, fala diversas vezes em desistir durante o trajeto e sente-se bem desconfortável quando tem que assumir o volante no revezamento. Os dois não se entendem muito bem.

As situações de perigo chocantes que essa dupla passou ao volante deixarei para o leitor saborear na leitura desse instigante livro. Posso adiantar que graças às habilidades, perícia e sensibilidade acima da média que Gérard demonstrou no domínio do caminhão beira ao surreal. O cara realmente foi um monstro ao volante durante o trajeto. Porém, ocorre um incidente grave: já próximo ao destino o KB7 atolou na lama e empacou. Johnny desce do caminhão para guiar Gérard enquanto este acelerava e virava o volante e nada de sair do atoleiro. Está muito escuro, Johnny escorrega na lama, cai de costas e a roda direita do caminhão passa sobre sua perna. Não havia caixa de primeiros socorros, apenas uma garrafa de rum. Gérard esta fora si, banhado de suor, as mãos já em carne viva de tanto esterçar o volante; Johnny terá poucos minutos de vida. Antes de falecer, Johnny revela um truque a Gérard que vai tirar o caminhão do atoleiro. O truque consiste em amarrar uma corda no eixo das rodas traseiras e a outra ponta num tronco de árvore. O truque funciona, o caminhão salta da lama, mas Johnny já não vivia mais. Gérard coloca o corpo de Johnny na boleia e segue em frente, falta pouco, o dia está quase amanhecendo. 

Por fim, o caminhão de Gérard chega ao alojamento, ele é o único que conseguiu! Sim, Luigi e Bimba não conseguiram, o caminhão foi pelos ares, Gérard e Johnny viram ao longe a bola negra de fogo subindo aos céus. Gérard é recebido e aplaudido pelos supervisores que o esperam. Exausto ele toma um banho e descansa enquanto a carga é descarregada. Johnny é enterrado, o supervisor considera que foi um incidente inevitável e dá a Gérard o valor que Johnny receberia. Gérard pega o cheque de dois mil dólares que trocará quando chegar na Cia. Para ele basta, ele não fará outra viagem, pedirá demissão ao chegar, mas não diz nada ao supervisor. O supervisor lhe oferece um chofer para leva-lo de volta, mas Gérard não aceita, ele mesmo quer voltar dirigindo aquela geringonça.

Gérard agora vai feliz da vida com o cheque de dois mil dólares, valor suficiente para ir embora de Las Libras. Não há mais carga perigosa, então agora ele vai fazer essa lata velha decolar. Pisa fundo, pé no talo, oitenta, noventa por hora, faz as curvas em duas rodas cantando pneus. A lata velha obedece, ele agora já pode chama-la de sua, porque ele é bom no que faz, acariciando o volante de madeira, é muito bom motorista, subiu e desceu as ladeiras escarpadas nos Andes, atravessou altas pontes de madeiras podres sobre as águas com o caminhão carregado e agora tinha no currículo um transporte de nitroglicerina. Gérard quer chegar rápido e zarpar com sua namorada Linda dessa espelunca para sempre. Faltam apenas dezesseis km para chegar. O KB7 voa na estrada a cem por hora porque Gérard é o melhor motorista do mundo, ele é o cara! Só que não! Gérard num reflexo vê a placa passar como um raio indicando “Reduza, fim de pista!” Gérard reduz a marcha desesperadamente, o diferencial geme, os pneus uivam, o cardan de transmissão se rompe e o caminhão entra em roda livre. Apenas trinta metros o separa do precipício, sessenta por hora, mas ainda é excessiva, os pedais não obedecem mais, não há mais nada a fazer, o destino de Gérard, o melhor motorista do mundo é selado ali inacreditavelmente!

Dessa leitura podemos tirar algumas lições. Escolhi duas:

1-Muitos que leram o livro chegaram a conclusão de que o valor pago por viagem (mil dólares) é um valor ultrajante e ridículo haja vista a periculosidade da carga e as péssimas condições dos caminhões e da estrada. No entanto cada um dos motoristas tinha o seu propósito, queriam se mandar o mais rápido possível de Las Libras e talvez aceitassem fazer o transporte até por um valor menor. Eu conversei com dez caminhoneiros, seis homens e quatro mulheres, perguntei a eles se aceitariam esse tipo de transporte de nitro naquelas condições e a resposta foi surpreendente: apenas três não aceitariam, os outros sete disseram que sim sem titubear, mesmo com aquele tipo de caminhão KB7, embora cobrariam um valor mais alto. Mentiram? Não há como saber.

2-Excesso de autoconfiança nunca é recomendável, ele costuma ocorrer justamente com os melhores profissionais. Gérard era um baita motorista!  No entanto, o melhor cozinheiro tem o seu dia de errar no tempero e o melhor músico pode errar algumas notas. Gérard no seu retorno cometeu um lapso em desconsiderar a situação de perigo da estrada e daquele caminhão, ele teve um surto de excesso de confiança que acabou custando-lhe a vida. Deveria ter aceitado a oferta do chofer. Como disse o autor do livro, Gérard foi vítima de seu entusiasmo. Uma pequena dose de medo é sempre bem vinda em algumas ocasiões, uma gota sutil que poderá alterar a situação. Eu diria que uma pitada de prudência foi a marcha que faltou entrar para Gérard parar aquele caminhão.


Notas:

1- Em 1953, o diretor Henri-Georges Clouzot filmou "O Salário do Medo" fiel ao roteiro com Yves Montand no papel principal do motorista Gérard Sturmer. No entanto, o diretor deu  destaque também para o personagem Bimba interpretado pelo ator Peter van Eyck que ganhou o prêmio de ator coadjuvante por essa interpretação.

2- Em 1977, William Friedkin (falecido em agosto desse ano) fez uma refilmagem com o nome "Sorcerer" (no Brasil, "O Comboio do Medo) não tão fiel ao livro alterando algumas passagens. No entanto, as cenas dos caminhões são as mais impressionantes filmadas até hoje e o filme é considerado um dos melhores de ação/suspense de todos os tempos. Roy Scheider fez o papel do motorista principal. A trilha sonora é da banda alemã Tangerine Dream!

3- A Netflix divulgou em Abril desse ano um remake do roteiro original baseado no livro de Georges Arnaud. O filme é dirigido pelo cineasta Julien Leclercq e terá um mulher como motorista de um desses caminhões. O papel é da atriz Ana Girardot. Aguardemos!!


Abaixo as impressionantes cenas dos caminhões sobre a ponte, trailer do filme Sorcerer -O Comboio do Medo- de 1977. Os dois caminhões conseguem passar.



segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Um Dia e Meio (Filme Recomendado): policial estoico dá show de liderança





"Os seres humanos foram feitos uns para os outros: ou os ensine, ou os suporte" (Marco Aurélio-Meditações VIII, 59)

Existem diversos tipos de liderança, cada líder escolhe um modelo que mais se adequa a sua personalidade e também de acordo com a situação que tem pela frente. O policial Lukas, praticamente o protagonista do filme “Um Dia e Meio”, dá um show de liderança com seu estilo calmo e tranquilo de conduzir a situação que chega até a ser incômodo e perturbador.  Vamos ao filme, que, diga-se de passagem, ficou em 1º lugar entre os top 10 lançados pela plataforma Netflix.

“Um Dia e Meio” é um filme do gênero policial/suspense/psicológico. O roteiro e direção são do próprio e premiadíssimo ator e diretor sueco/libanês Fares Fares que interpreta com grande estilo o papel do policial Lukas. Fares escreveu o roteiro baseado em um fato real ao ler no jornal uma notícia na seção policial: um homem armado chamado Artan após sair da cadeia invade o consultório médico de sua ex-esposa, a médica Louise, para que ela lhe entregue a filha, pois ela detém a guarda da criança. Só que a criança está na casa dos pais dela, então Artan, a ameaça e a obriga a levá-lo até a casa dos pais. Há um tumulto na clínica, a polícia é  acionada. Lukas é o policial que vai atender a ocorrência.

O policial Lukas parece um personagem saído dos livros do escritor britânico Joseph Conrad, quem está habituado a ler Conrad perceberá esse detalhe. De início já vemos que se trata de um policial experiente, de uma calma inabalável, de olhar penetrante, sua presença passa confiança e credibilidade, sua fala é tranquila, porém firme, jamais ergue a voz. Ele vai atender todas as exigências de Artan. "Todas"! (será mesmo? hum, sei não!) A primeira exigência é um carro para sair da clínica e ir até a casa dos ex-sogros onde está sua filha Cassandra. Lukas é quem vai dirigir, Artan e Louise vão no banco de trás. Artan tem a arma apontada o tempo todo para a cabeça de Louise. Qualquer deslize, Artan diz que mata Louise e se mata logo em seguida.

Durante o trajeto pela estrada, Artan discute o tempo todo com Louisie. Descobre-se que Louise não é tão certinha assim, parece uma pessoa histérica e bastante descontrolada.  Artan, por sua vez não nos parece ser esse monstro sequestrador. Artan foi preso injustamente, pegou três anos de cadeia por uma mentira contada pelos pais de Louise que eram preconceituosos xenófobos e contra o casamento dos dois. Artan é de origem árabe e a família de Louisie é sueca. Louise não tinha bom relacionamento com os pais, teve depressão pós-parto e vivi a base de remédios. Lukas só escuta e os fita pelo retrovisor, sempre calmo e tranquilo, é de poucas palavras.

O momento de maior tensão é justamente na casa dos sogros quando Artan quer ver e levar a sua filha. Muita roupa suja é lavada e o sogro de Artan confessa que mentiu só para vê-lo em cana. O sogro não admite que a menina seja levada e pega uma espingarda para ameaçar Artan. E aqui o policial Lukas interfere, consegue deter e desarmar o sogro de Artan. Artan e Lousie conseguem levar a menina.

A viagem segue agora com Artan, Louise, a filhinha Cassandra e Lukas ao volante. Mesmo na presença da menina, Artan continua apontando a arma engatilhada para a cabeça de Louise. A próxima exigência de Artan é para que o coloque num voo junto com Louise e a filha com destino a Albânia. Lukas pelo rádio faz o pedido. As autoridades concordam com a fuga desde que Artan liberte a filha e Louise. Mas assim Artan não quer e então ele pede a Lukas que solicite uma balsa para fugir do país via Polônia. Mais uma vez, Lukas faz a solicitação pelo rádio e o pedido é atendido.

No trajeto final em direção à balsa, Artan sente que de certa forma, Lukas sempre se mostrou solícito e disposto a ajuda-lo. Então começa a puxar prosa com o policial perguntando sobre sua vida. Lukas a essa altura já sabe que ganhou a confiança de Artan e diz que é divorciado, diz que traiu a esposa e que tem dois filhos que escolheram morar com a mãe. Disse que justamente naquele dia era o aniversário de seu filho mais velho e que lamentavelmente não poderia estar ao lado dele em razão de estar conduzindo essa ocorrência e longe de casa.

Por fim chegam ao porto aonde Artan aguardará pela balsa que lhe dará fuga. Do momento em que Artan entrou na clínica até aquele momento, tudo durou um dia e meio. Ambos estão exaustos. Artan decide emprestar o seu celular para Lukas falar com o seu filho e desejar-lhe um feliz aniversário. Lukas aceita e liga para o filho, deseja-lhe feliz aniversário, troca algumas palavras e se emociona, desliga e devolve o celular para Artan. Lukas é informado de que o capitão da balsa está reticente em embarcar uma pessoa armada. A situação é tensa. Artan pede para Lukas buscar um café enquanto aguarda a resposta do capitão da balsa. Lukas vai pedir o café pelo rádio, mas Artan pede para Lukas se ele pode deixa-lo com  Louise a sós por um instante. Lukas desce do carro e caminha (experiente que é ele já fez uma leitura suficiente de Artan e sabe que Artan não vai atirar em Louise). Bingo!  Artan desengata o pente da pistola e a entrega a Louise e desaba em lágrimas. Louise joga a arma para fora pela janela do carro.

Bem, não há balsa alguma aguardando por Artan, aliás, nunca houve balsa, nem avião e nem haverá café porque Lukas não vai retornar mais. Uma força tarefa cercava o carro e aguardava Artan se entregar. Ninguém saiu ferido, ninguém morreu e nem um tiro foi dado e Lukas não encostou um dedo sequer em Artan, embora oportunidades é que não faltaram, principalmente quando Artan ficou vulnerável na casa dos sogros. Talvez outro policial tivesse agido de outra maneira, não Lukas, ele preferiu seguir em frente.

As perguntas são inevitáveis:

Com quem o policial Lukas falava pelo rádio? Seria mesmo uma autoridade ou apenas um colega de profissão para disfarçar? Nas duas paradas pelo caminho, Lukas trocou sinais e gestos com uma policial que os acompanhava de longe. Qual o significado daqueles sinais? O que Lukas contou de sua vida para Artan, que era divorciado e os filhos moravam com a mãe ele estava mentindo ou estava sendo sincero? Foi mesmo com o seu filho que ele falou ao celular desejando um feliz aniversário? Desde o início, Lukas foi sincero ou foi ardiloso e esperou o momento certo para prender Artan? Afinal, Artan apontava a arma o tempo todo para a cabeça de Louise. Se ardiloso, foi uma jogada de mestre ao deixar que Artan acreditasse que estava no controle da situação, só que não estava; se sincero, Lukas pegou Artan pelo seu lado humano, demasiadamente humano, tal como Lukas. A missão foi cumprida espetacularmente com sucesso e cada um vai tirar a sua própria conclusão.

quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Dia 05 de Outubro: Dia Mundial do Professor - Marva Collins: ela fundou uma escola com recursos próprios para alunos pobres



Desde o ano de 1994, a UNESCO em cooperação com a OIT (Organização Internacional do Trabalho) escolheram o dia 05 de Outubro para comemoração do dia mundial e internacional do professor. Em alguns países, o dia do professor é comemorado em outra data, como é caso do Brasil no qual a data de comemoração sancionada pelo imperador Dom Pedro I é no dia 15 de Outubro. Quero destacar aqui nesta data o trabalho espetacular de uma professora norte americana, Marva Collins (1936-2015) que escreveu a sua assinatura na história como brilhante educadora.

Em todas as profissões sempre vai existir aquele profissional que se destaca dos demais, aquele que um dia fez a diferença e podemos dizer que a professora Marva Collins foi uma dessas profissionais que fez a diferença e até hoje é referência para os seus pares de profissão.

Marva Delores Collins nasceu no estado do Alabama, filha de um contabilista e pequeno comerciante teve uma boa e sólida educação. Formou-se na Clark Atlanta University, na Geórgia. Lecionou por dois anos no Alabama e em 1959 mudou-se para Chicago e começou a lecionar inicialmente como professora substituta e depois titular por 14 anos em escolas públicas. Aborrecida com o equivocado currículo escolar chancelado pelo governo que em nada contribuía para o desenvolvimento e aprendizado dos alunos, sobretudo aqueles de origem pobre e com dificuldades, decidiu tomar de empréstimo cinco mil dólares e fundar a sua própria escola nos cômodos superiores de sua própria residência.

Então no ano de 1975, Collins fundou a Westside Preparatory School, situada no bairro pobre de Garfield Park, em Chicago-Illinois. Collins cobrava um preço irrisório pelas aulas, pois sua intenção visava alunos pobres, sobretudo negros cujos pais tinham baixíssima renda. Utilizou métodos sofisticados de ensino como o estudo dos clássicos, Artes Liberais, o Método Socrático, o método Harkness Table (Mesa de Aprendizagem Colaborativa), etc. Foi muito bem sucedida no seu empreendimento cuja atuação foi reconhecida por todo país.

Pelos méritos de seu trabalho foi convidada duas vezes para o cargo de Secretária da Educação, uma no governo do presidente Ronald Reagan, outra no governo de George Bush (pai) propostas que evidentemente ela não aceitou nenhuma das duas, pois nunca quis ter qualquer conexão com cargos políticos. Foi contemplada com diversos prêmios na área da educação. Em 2004 ganhou a Medalha Nacional de Humanidades.

A sua escola, sempre singela e no mesmo local ficou ativa desde a inauguração em 1975 até o ano de 2008 quando encerrou as atividades por dificuldades financeiras. Foram 33 anos dedicados à paixão pelo magistério e capacitação de alunos que viviam em situação de pobreza. Trinta e três anos não é pouca coisa não! Fica aqui registrada a minha homenagem a essa grande e corajosa guerreira pela sua nobre iniciativa.

Obs: Existe um filme de 1981 sobre a vida de Marva: "The Marva Collins Story," com Cicely Tyson (Marva) e Morgan Freeman (Clarence, o marido de Marva). Disponível no Youtube no original, sem tradução, mas vale a pena, é bem fiel à história.


segunda-feira, 2 de outubro de 2023

Motorista Uber com carteira assinada? Olha só o que te espera, "motô"!





Algumas justiças do trabalho locais têm reconhecido o vínculo empregatício de motoristas da plataforma digital Uber contrariando jurisprudência do STF que já se pronunciou sobre o tema, pronunciamento esse bem claro de que não há que se falar em vínculo empregatício entre a Uber e os motoristas. Essas sentenças localizadas são individuais e não criaram súmulas vinculantes, ou seja, valem apenas para aqueles motoristas que entraram com ação contra a Uber e não para todos.

Os motoristas que estão acionando a Uber para o reconhecimento do vínculo empregatício estão dando um tiro fatal em seus próprios pés porque no final quem vai pagar essa conta são eles próprios e a população em geral. Se eu for relacionar aqui as mil e uma desvantagens do vínculo empregatício este artigo seria infinito, portanto, vou apenas pontuar as principais desvantagens, as mais espinhosas:

- Cumprimento de jornada de trabalho (8:00 horas/dia conforme artigo 58 CLT): diga adeus à flexibilidade de horário, pois com o registro em carteira o motorista terá que cumprir rigorosamente as 8 horas diárias, tendo um horário certo para começar e parar. E ai dele se não cumprir! Caso atrase mais de 5 minutos na semana perderá o DSR (Descanso Semanal Remunerado), pois para receber o domingo o motorista não poderá ultrapassar os 5 minutos de atraso durante a semana. Isso é CLT!

- Ausência do Trabalho. Caso precise se ausentar do trabalho, o motorista terá que entrar em contato com a empresa imediatamente justificando o motivo da ausência. Se for motivo de enfermidade, o motorista terá um prazo determinado pela empresa para apresentar o atestado médico e ter a falta abonada, sob pena do desconto do dia, do Descanso Semanal Remunerado e se tiver algum feriado na semana também será descontado do salário. Caso não apresente o atestado médico no tempo determinado ou não apresente nenhuma justificativa pela falta o motorista terá o dia e o DSR descontados e ainda poderá ser advertido ou mesmo demitido sumariamente. Isso é CLT!

- Refém do piso salarial da categoria profissional: atualmente o piso salarial da categoria de motorista está em torno de R$ 1.800,00 reais, muito, mas muito mesmo abaixo do que ele recebe como prestador de serviço para a Uber. Sobre os R$ 1.800,00 sofrerá todos os descontos legais possíveis e impossíveis, tais como, previdência social, imposto de renda, etc, etc. Isso é CLT!

- Justa causa lambendo o cangote o tempo todo! Caso o motorista se envolva em algum acidente e seja comprovada a sua culpa, a demissão por justa causa é líquida e certa e neste caso, ele só receberá os dias trabalhados, não tem direito ao aviso prévio, 13º salário, não saca o FGTS e ainda, de acordo com a alínea “m”, do artigo 482 da CLT, ele poderá perder a CNH caso seja comprovado conduta dolosa. Isso é CLT!

Além disso, o motorista ficará praticamente impedido de fazer viagens particulares em razão da jornada extensa de trabalho. Ele até pode exercer outra atividade, no entanto, cumprindo jornada integral de trabalho isso será praticamente impossível.

Ah, mas o motorista terá previdência social, FGTS, 13º salário, férias acrescida de 1/3, seguro desemprego (em caso de demissão) não é mesmo?  Só que não! Todos esses “direitos” artificias saem de seu próprio bolso, só que ele não sabe disso. O vínculo empregatício só tem um destino: o Estado, os cofres públicos via arrecadação de impostos e demais contribuições compulsórias.

E aqui vamos combinar, a maioria dos motoristas de aplicativos não quer vínculo empregatício, já existem diversas estatísticas que comprovam isso, recentemente o Datafolha fez pesquisa com motoristas de Uber e dos entregadores do IFood e a esmagadora maioria declarou rejeitar o vínculo empregatício.

Essas sentenças favoráveis ao vínculo empregatício são absurdamente equivocadas, esses juízes não fizeram a lição e o dever de casa, estão atuando como militantes sindicais inconsequentes e deslumbrados, senão vejamos: Para caracterização do vínculo são necessários alguns elementos que sem os quais o vínculo é inexistente. São eles, serviço prestado por pessoa física, pessoalidade, não eventualidade,  subordinação e onerosidade. No caso dos motoristas Uber não existe subordinação e eles trabalham o dia que quiserem, podem faltar quantos dias sejam necessários sem qualquer satisfação. Além disso, muitos deles têm inscrição MEI, atuam como empresas, então como pode ser possível estabelecer vínculo empregatício uma empresa com a outra?

Portanto, caríssimo condutor de Uber, diante dos pontos demonstrados neste artigo, o vínculo empregatício e a assinatura de sua carteira terá um preço salgado a ser pago, o Estado estará lhe espreitando no espelho do retrovisor, lhe esperando em cada esquina, em cada curva, abanando a CLT numa mão e brandindo um chicote na outra, com aquele sorriso maligno e característico do Leviatã. Então, acelere condutor, vire na próxima esquina, escolha um caminho alternativo, fuja disso enquanto é tempo e nem ouse olhar para trás.


segunda-feira, 25 de setembro de 2023

A inclusão trabalhista aumenta exponencialmente a taxa de exclusão


Rubens Cavallari/Folhapress


A exclusão e inclusão trabalhista é um tema que está sempre presente nas pautas dos principais veículos da mídia e também das redes sociais. Vemos especialistas de todas as vertentes, políticos especialmente (sempre eles, como não?) deitando torta falação sobre um tema tão caro para quem está atualmente fora do mercado de trabalho. Entretanto, tanto especialistas como esses políticos estão completamente fora da realidade das relações de trabalho e sugerem soluções e regulações que só vão piorar a situação de exclusão do trabalhador. Aos fatos:

De acordo com a metodologia de pesquisa do IBGE,  a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio-PNAD, o primeiro trimestre de 2023 fechou com 9,4 milhões de desempregados o que representa uma taxa de 8,8% da população ativa. Embora tenha diminuído em relação ao ano de 2022 ainda é uma taxa absurda e inaceitável, pois é uma das mais altas taxas de desemprego do mundo! Trata-se, essa sim, de uma exclusão real que abrange profissionais de todas as idades, de ambos os sexos e de profissões as mais diversas possíveis. Um quadro que nos parece irreversível em curto prazo. Vamos então ao cerne da questão e ele tem um nome sinistro: insegurança jurídica! Listemos antão alguns pontos cruciais que resultam em exclusão trabalhista:

-Pesada legislação trabalhista que compreende a CLT e toda legislação complementar que a acompanha.

- Encargos trabalhistas escorchantes sobre a folha de pagamento.

-Convenções Coletivas sindicais delirantes com bizarros pisos da categoria profissional.

-Leis flexíveis (exemplo: reforma trabalhista) que ficam em vigor até entrar o próximo governo e desfazer tudo que já foi feito. Leis que valem hoje, amanhã podem não valer mais nada.

-Regulamentação de profissões que representam barreiras que impedem bons profissionais não regulamentados de trabalharem.

-Conselhos de Classe que nada mais são do que reserva de mercado para incompetentes.

-Constitucionalização de direitos trabalhistas.

-Determinação de um salário mínimo nacional.

Apenas um tópico listado já seria mais do que suficiente para barrar o acesso do trabalhador ao mercado de trabalho, imagine então oito tópicos brutais como esses? Por isso, há décadas a insegurança jurídica permeia as relações de trabalho elevando a taxa de desemprego às alturas. É praticamente impossível contratar ou abrir postos de trabalho diante de todas essas barreiras impeditivas.

E quando autoridades e especialistas das mais variadas vertentes falam sobre inclusão no mercado de trabalho, lá vem toneladas de abóboras e litros de groselha que passam anos luz dos reais problemas apontados neste artigo sobre a real exclusão trabalhista. Não adianta propor cotas, igualdade salarial e outras bobagens do gênero porque o problema está nas ruas, nas filas de procura de emprego.

As soluções propostas por palpiteiros de plantão e políticos da vez, ambos que nunca pisaram num departamento de Recursos Humanos, seguem sempre a formula mais do mesmo, ou seja, mais leis de regulação, mais leis de inclusão o que significa na prática o aumento da taxa de exclusão.

E para corroborar tudo que foi exposto neste artigo, acaba de sair da fornalha mais uma fagulha em brasa, trata-se da Lei nº 14.611/2023 que dispõe sobre a igualdade salarial entre homens e mulheres e altera o artigo 461 da CLT. É mole? Another Brick in The Wall (salve Roger Waters!), sim mais tijolos quentes que aumentarão mais ainda as barreiras de exclusão. Precisamos de martelos (talvez o martelo de Nietzsche?) para demolir esse muro e reduzí-lo a pó de traque. Mas isso será tema de um outro artigo. Enquanto isso, o estado delira ao apontar uma exclusão artificial de trabalho enquanto a exclusão real está ali nas ruas, no Vale do Anhangabaú, na foto que ilustra este artigo.

segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Como se escolhe uma boa carreira?*




Por Dr. Frederic Flach

"Como se escolhe uma boa carreira? Às vezes por uma visão privilegiada das coisas, algumas por sorte, outras levados que somos, felizmente, por circunstâncias acidentais. O melhor tipo de trabalho é aquele que nos dá a oportunidade de empregar nossos talentos básicos. Todos temos esses talentos, sejam eles, simples, costurar uma roupa, ou complexos, como matemática superior ou física nuclear. Podemos encontrar as pistas desses nossos talentos lembrando a infância e a juventude e nos perguntando a que tipo de atividade nós preferíamos no dedicar então. Brincar é um barômetro importante nessa busca: por exemplo, passávamos o nosso tempo sozinhos, construindo aviõezinhos, colecionando selos, lendo? Ou preferíamos a companhia de outras crianças na maioria das vezes? Éramos bons na hora de redigir as composições na escola, ou melhores em biologia? E na hora de fazer pequenos trabalhos para ganhar algum dinheirinho, preferíamos trabalhar numa loja, numa construção ou como um instrutor esportivo? [...].

Quanto mais as reponsabilidades de nosso trabalho nos permitem usar nossos talentos e interesses manifestados na infância e na juventude, melhores profissionais seremos. Quando esses talentos e interesses falham em nos dar essa oportunidade, muitas pessoas encontram uma solução em suas vocações [...].

Estudos demostram que, quando uma organização se torna muito grande, é difícil para a maioria das pessoas se identificar com o conjunto. Automaticamente, essas pessoas se sentem parte de um pequeno segmento; esses segmentos se multiplicam e se tornam autolimitados à medida que a organização cresce. Mesmo dentro de nosso pequeno setor, talvez nunca tenhamos uma visão geral do que somos; como resultado disso fica difícil extrair daí um sentido de identidade, propósito, e eficácia do nosso trabalho [...].

Tudo indica que não vamos trabalhar dentro de uma determinada estrutura o resto de nossas vidas. Se começamos trabalhando na ABC Eletronics, quando tínhamos vinte anos, a companhia talvez não exista quando chegarmos aos trinta e cinco. E mesmo que dure um século, nosso sentido de lealdade- se temos algum- não vai durar tudo isso. Ambição, oportunidade e mudança provavelmente nos levarão para outros lados [...].

Todos temos a propensão de pensar que o amanhã será mais ou menos como o dia de hoje. Estamos dispostos a admitir quer as mudanças estão no ar, mas lá no fundo do coração acreditamos que no próximo ano, ou daqui a dez ou vinte anos, estaremos vivendo num mundo bem parecido com aquele com o qual nos acostumamos. Embora estejamos vivendo confortavelmente, prosseguir nesse ritmo com base em tais crenças pode ser muito perigoso. Acho que muita gente jovem e inteligente hoje conhece bem esse risco e se comporta de acordo com isso – seja se tornando mais frenética no seu trabalho, como forma de negar suas percepções íntimas de fragilidade, ou então se lançando numa vida descompromissada, cheia de prazer e mobilidade, sem muito trabalho. É curioso, acho essa tendência mais comum entre homens jovens do que mulheres jovens. Essa observação se for válida, pode se explicar pelo fato de que as mulheres têm tido, nos últimos anos, mais oportunidade de fazer carreiras em campos antes exclusivos dos homens; assim, pelo menos por enquanto, elas tiram estímulo e motivação da novidade pura que é a sua nova situação [...].

Talvez então, em algumas circunstâncias, esta hesitação em se comprometer e o desejo de manter abertas as opções reflitam de fato um enfoque mais intuitivo e criativo em relação a um futuro muito incerto e a determinação de estar pronto quando chegar esse futuro. Tanto é assim que a preparação parta a idade adulta deveria trazer a ênfase numa forma de educação mais ampla, formadora da mente e do caráter, educação que requer o estudo dos clássicos, da Filosofia, das línguas, da história e da ética, só para lembrar algumas, como pré-requisito para irmos em direção a campos de atividades mais especializados [...].

Claro, problemas como ter casa para morar e comida na mesa não vão desaparecer. O que necessitamos é a habilidade criativa para viver em diferentes níveis ao mesmo tempo, encontrando um lugar para nós dentro do sistema existente, num grau adequado à sobrevivência do dia-a-dia, mas ainda ficando um pouco à distância, abertos a mudanças dentro de nós mesmos e de nosso mundo. Para conseguirmos isso precisamos de RESILIÊNCIA e, como parte dela, a descoberta do significado que dará sentido a nossas vidas."

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*Excertos extraídos do capítulo 19 do livro "Resiliência A Arte de Ser Flexível, do Dr. Frederic Flach, editora Saraiva, 1991, 1ª edição - São Paulo


segunda-feira, 11 de setembro de 2023

Filme recomendado: Fome de Sucesso (para cozinheiras em início de carreira profissional)



Esse filme é uma produção tailandesa de 2023 (baseado em fatos reais) lançado pela Netflix. Deixemos de lado as atuações não tão convincentes dos atores, pois acostumados que estamos com as grandes atuações da escola de dramaturgia americana, a escola tailandesa ainda deixa muito a desejar, portanto não é de se esperar boas atuações do elenco desse filme, o que importa aqui é a mensagem que neste caso específico, aborda os percalços de uma jovem cozinheira no início de carreira profissional em busca da fama para se tornar uma renomada chef.

O roteiro conta a história da jovem e humilde cozinheira Aoy. Ela não tem formação em gastronomia, porém é ótima cozinheira e trabalha no singelo boteco de seu pai cozinhando pratos típicos, rápidos e simples que na tradição oriental são chamados “comida de rua” (é uma fumaceira só!). É um ambiente familiar aonde ela e toda família residem no andar de cima. Embora seja um ambiente pobre, todos são muito alegres e brincalhões. Aoy é uma garota triste, enfadada e sem nenhuma perspectiva de desenvolvimento profissional.

No lado chique da cidade, existe um dos mais famosos e estrelados restaurantes locais comandado pelo renomado e sisudo chef Paul. Ele tem uma baixa em sua competente equipe e delega a um de seus funcionários que encontre um cozinheiro a altura para substituir o demitido. Esse funcionário vai parar no boteco em que Aoy cozinha. Lá ele almoça e fica impressionado com a comida da jovem cozinheira. Ele deixa um cartão e a convida para fazer um teste para nada mais nada menos do que o chef Paul. Aoy nem acredita.

Ela aceita o convite e vai fazer o teste. O chef Paul é rude, grosseiro, impiedoso, brutal, um ogro (no decorrer do filme ele vai contar para Aoy os motivos de sua brutalidade, mas isso não vem ao caso). Ela sofre muito no teste, queima as mãos e os braços, mas passa no teste e é contratada. É a única mulher a integrar a equipe do chef Paul.

Aoy é muito boa no que faz, criativa, tem vocação, ela é acima da média e assim sendo aos poucos ela vai conquistando a simpatia de toda equipe do chef Paul, menos este que continua a maltratá-la e humilhá-la (não só ela, mas ele sempre esculacha toda a sua equipe sem dó nem piedade), pois esse é preço que se paga para trabalhar no restaurante do renomado chef Paul.

Nos almoços e jantares particulares servidos pelo chef Paul e equipe, os pratos sofisticados que Aoy elabora sempre impressionam e se destacam dos outros. Ela então recebe um convite de um magnata empreendedor que vai abrir um restaurante sofisticado e a convida para ser a chef que comandará a cozinha. Cansada das grosserias e a falta de ética profissional do chef Paul, Aoy se demite e aceita o convite. Daí em diante ela vai brilhar como chef.

O restaurante que Aoy comanda serve a alta classe social tal como o restaurante do seu ex-patrão chef Paul. Ela ganha fama a cada dia pela competência na criação de pratos requintados. Quando ela se dá conta, percebe que está tratando a sua equipe de cozinha da mesma maneira rude que o chef Paul a tratava, pois ela é extremamente perfeccionista e não admite erros.

Uma ricaça excêntrica então promove em sua mansão uma maratona gastronômica na qual dois famosos chefs disputarão o melhor prato da noite. A chef Aoy e o chef Paul são os escolhidos pela ricaça, pois são os dois mais famosos. Ex-funcionária e ex-patrão se enfrentarão numa disputa acirrada e bizarra palmo a palmo tal como acontece nos realities shows de culinária. Bem, não vou dar o spoiler sobre quem venceu, isto porque não tem tanta importância assim. A ficha da chef Aoy vai cair aqui (independente de vitória ou derrota a ficha ia cair de qualquer jeito) e ela vai tomar uma decisão que é a que ela deveria ter feito desde o início. Provavelmente o que qualquer boa cozinheira como ela teria feito se estivesse no lugar dela.

Quais as lições que podemos aprender dessa história? E mais uma vez, deixando de lado a qualidade ruim de produção cinematográfica que não é lá essas coisas, podemos ver os erros e acertos da jovem cozinheira Aoy, a sua capacidade de resiliência diante das brutalidades de seu patrão, os equívocos que ela cometeu ao se tornar uma chef de sucesso ao agir igual ao chef Paul ao lidar com sua equipe. Entretanto, Aoy trazia consigo um ingrediente a mais, o tempero secreto que fez a diferença e o nome desse tempero é Ética Profissional, coisa que o temido chef Paul nunca teve. Foi justamente a conduta ética de Aoy que a fez tomar a decisão correta.

Comentário (meio spoiler): A personagem que inspirou o filme (evidentemente não se chama Aoy) hoje é proprietária e chef de dois restaurantes: um deles é estrelado e especializado em comida mediterrânea; o outro é o antigo boteco do pai dela que ela transformou no mais famoso boteco gourmet da região. Com um pouco de sorte o cliente poderá degustar um prato executado por ela própria porque é nesse espaço que ela comanda a cozinha na maior parte do tempo. 


segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Emburrecimento Programado – John Taylor Gatto – Leitura recomendada


John Taylor Gatto (1935-2018) lecionou língua inglesa durante trinta anos. Suas aulas eram disputadíssimas pela maneira autêntica e peculiar que as ministrava estimulando em cada aluno as habilidades de vocação de cada um deles. Feroz opositor do ensino compulsório, defendeu com garra o sistema Homeschooling e o auto-aprendizado. Ganhou por três vezes consecutivas, 1989, 1990 e 1991 o prêmio de professor do ano na cidade de Nova York. Premiado por diversas organizações libertárias, inclusive pelo congressista libertário Ron Paul e o prêmio Alexis de Tocqueville pelo estado de Nova York. Após se aposentar em 1991, se dedicou a dar palestras sobre educação e escreveu diversos livros sobre o tema. 

Gatto sempre apontou o terrível erro de um currículo elaborado e planejado por um ministério da educação ao sabor de políticos e engenheiros sociais. Esse tipo de currículo escolar tende a drenar as habilidades naturais do estudante tendo o seu maior impacto na vocação individual de cada um, além de não capacitar as crianças para enfrentar as adversidades na vida adulta seja na vida pessoal e, sobretudo, no desenvolvimento da carreira profissional.

O autor defende que o livre mercado pode oferecer escolas particulares com grade curricular própria não chancelada pelo Estado, mas para concorrer com ele. Disciplinas que desenvolveriam a criatividade do aluno conforme a vocação de cada um deles tendo como base de ensino, por exemplo, as Artes Liberais (Trivium e Quadrivium) entre outros métodos que estimulam a capacidade cognitiva do aluno. Em diversos países que existem essas escolas os resultados de aprendizado são infinitamente superiores ao do ensino planejado pelo Estado.

Vejamos alguns trechos do livro:

“A escola é uma sentença de prisão de doze anos em que maus hábitos são o único currículo verdadeiramente aprendido.”

“A escolarização monopolizada é a principal causa da nossa perda de identidade nacional e individual. Por ter institucionalizado a divisão de classes sociais e por ter atuado como um agente de sistema de castas, ela é avessa aos nossos mitos fundadores e à realidade do nosso período de fundação. Sua força emana de muitos grupos – a corrente histórica anti-crianças e anti-famílias é um deles – mas seu maior poder vem do fato de ser um complemento natural de nosso tipo de economia comercial que requer consumidores permanentemente insatisfeitos.”

“Ao impedir o livre mercado na área da educação, um grupo de engenheiros sociais, apoiados pelas indústrias que lucram com a escolarização compulsória –faculdades de licenciatura, editoras de livros didáticos, fornecedores de materiais e outros- assegura que a maior parte das crianças não terá uma educação, embora elas possam muito bem ser bastante escolarizadas”. 

Eis aqui portanto um sensacional e fundamental livro, um dos últimos escritos pelo professor Gatto destinado tanto para os pais e mesmo para estudantes. Um livro que dá uma chacoalhada e puxão de orelhas em muitos professores que se intitulam “agentes de transformação social”, sabe-se lá o que isso significa. Pode significar qualquer coisa, menos a digníssima profissão de um verdadeiro e legítimo professor, afinal como diz Gatto nesse livro, “educação e escolarização são, como todos testemunhamos, termos mutuamente excludentes”. Assino embaixo!


Organização, Gerenciamento de Tempo e Produtividade

Matriz de Eisenhower Não existem mágicas, truques, macetes ou segredos, o que existem sim são métodos, técnicas e ferramentas bem estudadas ...