segunda-feira, 28 de julho de 2025

A febre do morango do amor




A mão invisível do livre mercado produz mesmo milagres. De repente, em alguma plataforma das redes sociais alguém publica uma atrativa sobremesa conhecida como “morango do amor’. A postagem viraliza e em poucos dias muda a vida de confeiteiros, docerias, aplicativos de entrega e produtores de morango. Não existe algo mais belo e moral do que isso, haja vista a quantidade de profissionais e setores da economia envolvidos nessa demanda pelo doce engendrada pelo livre mercado. 

Na verdade não há nada demais nessa sobremesa, pois trata-se de uma variação de outro doce já conhecido, a “maçã do amor”, iguaria criada nos Estados Unidos no início do século XX concebida pelo confeiteiro William W. Kolb. Ele teve a ideia de cobrir a fruta com uma calda na cor vermelha através da utilização de corante alimentício, batizando a iguaria como “maçã do amor”.  Em Londres, desde 1890 já se produziam maçãs caramelizadas cujo nome era “toffee apples”, embora não na cor vermelha. Lembrando também que no norte da China desde a Dinastia Sung já se produziam um tipo de iguaria denominada thanghulu que nada mais eram do que frutas mergulhadas em calda de açúcar caramelado, depois espetadas num palito eram vendidas nas ruas e nas praças pelas doceiras chamadas tiánshí tānzhǔ.

Pois bem, após a viralização nas redes sociais, milhares de confeiteiras publicaram suas receitas do “morango do amor’”. É uma sobremesa até simples que implica em envolver o morango com um creme de brigadeiro branco e depois cobri-lo com a calda vermelha de açúcar cristalizado. Parece fácil, não? O problema é que achar o ponto dessa calda não é tão fácil assim, poderá ficar muito dura ou borrachuda. É preciso utilizar termômetro culinário para saber o ponto correto.

O resultado disso traduzido em números é o seguinte: a demanda pelo morango aumentou nesse curto espaço de tempo em 1333%; em apenas um mês os pedidos pelo Ifood aumentaram de 257 mil para 524 mil pedidos dessa iguaria. Uma confeiteira independente vendeu 12 mil unidades do doce faturando 34 mil reais em apenas alguns dias.

Entretanto, um setor que foi pouco citado nessa febre pelo “morango do amor” é o setor de odontologia que vai faturar horrores surfando nessa onda. Em razão da calda ser vitrificada já existem muitos casos viralizando nas redes de dentaduras e próteses dentárias arrancadas, dentes quebrados e gengivas perfuradas. Mais um setor econômico que entra em ação que é o dos profissionais da odontologia e claro, por tabela a venda de medicamentos.

A praxeologia é um método empírico criado pelo economista da escola austríaca de economia, Ludwig von Mises , cujo axioma central é  "o ser humano age com propósito. “O homem age.” Isso implica dizer que o ser humano realiza ações conscientes para alcançar fins, usando meios disponíveis". E apenas uma postagem -uma ação humana- de uma sobremesa nas redes sociais acendeu e movimentou a vida de diversos profissionais de diferentes setores da economia provou mais uma vez a premissa irrefutável de Ludwig von Mises. Ações humanas dessa natureza serão sempre bem vindas.



segunda-feira, 21 de julho de 2025

Sindicato é figura estranha ao contrato de trabalho




É sabido e notório que quem determina o piso básico de uma categoria profissional são os sindicatos. E por que é assim? Ora, basta tomar ciência do artigo 611 da CLT e uma infinidade de decretos leis e leis complementares que atribuem aos sindicatos todo tipo de negociação coletiva, inclusive a determinação do piso salarial de cada categoria profissional. Em outras palavras, o sindicato é quem determina quanto você, profissional, vale no mercado de trabalho tenha você experiência ou não. Podemos chamar isso de aberração ou mais uma jabuticaba jurídica brazuca.

A data base das convenções coletivas ocorre de maneira bienal ou anual, conforme a categoria profissional e que entre as cláusulas da convenção haverá uma que determinará o reajuste salarial que repõe a perda monetária que o salário sofreu durante o intercurso entre a última convenção e a atual. Outra cláusula também vai dispor de quanto será o piso salarial daquela categoria profissional. Por exemplo, se o piso for de R$ 2.000,00 reais, nenhum trabalhador poderá ser contratado por um valor abaixo desse piso, ainda que existam trabalhadores que aceitariam uma remuneração menor em razão da falta de experiência profissional.

E por que cada categoria profissional tem uma data base diferente? Para quem não sabe, a data base tem origem na data em que o sindicato foi criado, ou seja, se um sindicato de determinada categoria profissional iniciou suas atividade no mês de Maio, a data base daquela categoria será sempre no mês de Maio; se iniciou em Setembro, a data base será sempre em Setembro e assim por diante.

Até o início do século XX, o sindicalismo na maioria dos países surgiu da classe trabalhadora clamando por melhores condições de trabalho, já aqui no Brasil ocorreu um sindicalismo às avessas, de cima para baixo por imposição do Estado através do Decreto-Lei nº 1.637 de 1907. Há divergências entre os juristas que entendem que a primeira lei sindical do Brasil é o Decreto de 19 de Março de 1931 que em seu artigo 9º consagrou a unicidade sindical “proibindo a participação com ideologias políticas e religiosas, devendo restringir-se à defesa dos interesses profissionais". [1]

Após esses esclarecimentos, voltemos à vinculação do piso salarial determinado nos acordos coletivos sindicais. O contrato de trabalho caracteriza-se pela manifestação de vontade bilateral que envolve empregador/empregado. E isso já é o suficiente para entendermos que a instituição sindical é um agente absolutamente estranho ao pacto laboral bipartite e que, portanto, questões sobre remuneração não cabe ao sindicato, ou seja, determinar pisos, aumentos e reajustes, pois são questões restritas às partes contratantes, empregador/empregado.

O economista angolano austro-libertário José Macuva Chipalanga, é um profundo estudioso dos problemas sindicais em Angola, pois lá tal como no Brasil o sindicalismo também é um poderoso braço estatal que interfere de maneira insana nas questões salariais de trabalhadores. Em seu livro “Angola: O Que Deve Ser Feito? - Um Enquadramento Teórico-Histórico”, ele discorre com maestria sobre o tema e de forma cirúrgica ele diz em um trecho:

“O contrato de trabalho juridicamente não vincula a mão de obra ao lucro, pois a prestação de serviço é gerida e constituída pelo contrato enquanto o lucro é fundado na relação econômica. O Aumento salarial é gerado pela produtividade, oferta e demanda, capacidade financeira da empresa. Logo, sempre quando um aumento artificial é aplicado seja pelo governo ou pelo sindicato, haverá inevitavelmente corte na folha de pagamento."[2]

Outrossim, não há que se falar em adesão tácita do trabalhador vinculando-o ao sindicato da categoria ao assinar o seu contrato de trabalho. que repito, é exclusivamente bipartite que se restringe a ele, empregado e o empregador.

O valor remuneratório de um profissional está alinhado com a sua formação, experiência e atuação na sua área de trabalho e a demanda do mercado por esse profissional. Diante disso, o profissional sabe mais do que ninguém quanto vale o seu trabalho que pode ser menos ou mais do que o piso determinado pelos sindicato. 

O maior erro do piso salarial sindical é colocar no mesmo patamar salarial as mais diversas profissões. Por exemplo, se um analista de RH labora numa empresa metalúrgica seu piso será um valor, se labora numa instituição de ensino será outro piso, ou seja, para cada categoria ou atividade econômica o piso é diferente. Para o sindicato esse trabalhador não vale como profissional de RH mas como trabalhador de certa categoria/atividade econômica.

Isto posto, em países subdesenvolvidos e de terceiro mundo, o sindicato é quem determina o preço e quanto vale o profissional no mercado de trabalho, ainda que essa instituição seja estranha ao pacto laboral. E isso explica  porque a pejotização é um processo irreversível, ainda bem.

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[1] CASTAN, Vitor Manoel - Abuso do Direito Sindical, editora LTR, São Paulo, 2008

[2] CHIPALANGA, José Macuva - Angola: O Que Deve Ser Feito? - Um Enquadramento Teórico-Histórico”, editora UICLAP, 2024.



segunda-feira, 14 de julho de 2025

A boa aparência na entrevista de emprego e o efeito halo*




Os Motivos pelos quais gostamos de alguém:

"Mesmo que reconheçamos que pessoas de boa aparência têm uma vantagem na interação social, pesquisam indicam que podemos ter subestimado o tamanho e o alcance dessa vantagem. Parece haver uma reação clique, rode para pessoas atraentes. Como todas as reações assim, ela acontece automaticamente, sem premeditação. A resposta em si cai em uma categoria que os cientistas chamam de efeito halo. Um efeito halo ocorre quando uma característica positiva de uma pessoa determina a forma como ela é vista em relação à maioria das outras coisas. Os indícios são claros de que a beleza física é essa característica.

Nós automaticamente atribuímos a indivíduos de boa aparência traços favoráveis como talento, bondade, honestidade, afabilidade, confiança e inteligência. Além disso, fazemos esses julgamentos sem perceber que a característica atraente desempenhou um papel no processo. Algumas consequências dessa suposição inconsciente de que “bonito=bom” podem assustar. Por exemplo, um estudo de uma eleição federal do Canadá descobriu que candidatos atraentes recebiam 2,5 vezes mais votos do que os candidatos que não eram atraentes. Apesar dessa prova de favoritismo em relação a um político de melhor aparência, pesquisa posterior mostrou que os eleitores não percebiam essa tendência. Na verdade 73% dos eleitores canadenses pesquisados negaram fortemente que seus votos tivessem sido influenciados pela aparência física; só 14% chegaram a levantar a possibilidade dessa influência. Eleitores podem negar o impacto da beleza na possibilidade de eleição o quanto quiserem, mas indícios continuaram a confirmar sua presença pertubadora.

Um efeito parecido foi encontrado em situações de contratação. Em um estudo, candidatos mais bem arrumados para uma entrevista de emprego simulada influenciaram mais decisões favoráveis de contratação do que as qualificações profissionais –embora os entrevistadores dissessem que a aparência tinha um papel pequeno em suas escolhas. A vantagem dada a trabalhadores atraentes vai da contratação até o pagamento. Economistas examinando amostras americanas e canadenses descobriram que indivíduos atraentes recebem consideradamente mais que seus colegas de trabalho menos atraentes. Um cientista, Daniel Hamermesh, estimou que, ao longo da duração da carreira de uma pessoa, ser atraente gera para um trabalhador US$ 230 mil extras. Hamermesh nos garante que suas descobertas não são uma forma de se gabar, declarando que em uma escala de um a dez: “Eu sou um três”.

Outros experimentos demonstraram que pessoas atraentes têm mais chance de obter ajuda e são mais persuasivas para mudar opiniões de um público. Assim, é evidente que pessoas atraentes desfrutam de uma enorme vantagem social em nossa cultura. Gosta-se mais delas, ganham mais, são mais persuasivas, ajudadas comais frequência e vistas como possuidoras de traços de personalidade mais desejáveis e maior capacidade intelectual. Além disso, os benefícios sociais de ter boa aparência começam desde cedo [...]

Não é surpresa, então, que o efeito halo da beleza física seja explorado com regularidade por profissionais da persuasão. Como gostamos de pessoas atraentes e temos a tendência de concordar com aqueles de quem gostamos, faz sentido que programas de treinamento em vendas incluam dicas de vestuário; faz sentido que lojas de roupa selecionam seus vendedores entre os candidatos mais atraentes e por fim, faz sentido que vigaristas também sejam atraentes.”

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*Excertos extraídos do capitulo III do livro, “As Armas da Persuasão 2.0”, de Robert. B. Cialdini, editora Harper Collins, Rio de Janeiro- 2021


segunda-feira, 7 de julho de 2025

As famigeradas baias ou cubículos labirínticos



Você leitor que está lendo este artigo, talvez esteja fazendo a leitura sentado (ou em pé!) numa desconfortável baia cujo nome oficial é o pomposo Action Office II também chamada de estação de trabalho. Qual funcionário de escritório já não passou pelo desprazer de laborar enclausurado numa terrível baia? Vamos ver neste artigo de onde surgiu essa geringonça, quem a inventou, quem a fabricou e com qual finalidade.

O pai da criança é o inventor americano Robert Propst (1921-2000). Artista Gráfico e Escultor, Propst desenvolvia engenhocas (tão úteis como rodas quadradas), estudioso do ambiente de trabalho, ofereceu seus serviços como consultor para a empresa fabricante de móveis Herman Miller. Propst foi contratado em 1958 para desenvolver um tipo de mobiliário para interiores de escritórios.

Durante a criação do projeto para escritórios, Bob Propst contou com a ajuda do renomado designer George Nelson, um entusiasta da estética da elegância e modernista. Propst estudou vorazmente publicações de sociologia e ciências comportamentais que tratavam da interação homem/ambiente de trabalho; entrevistou (segundo ele mesmo!) trabalhadores das mais diversas profissões e após pesquisas e estudos, voilà, Propst apresenta em 1964 o mobiliário para escritório que ele batizou de Action Office.

De início o Action Office de Bob Propst foi rejeitado tanto pelos funcionários e, sobretudo pelos executivos que estavam diante de um produto de altíssimo custo, pois o material empregado para compor o módulo de três peças era muito requintado. E sejamos sinceros, esteticamente falando era uma opção  atrativa, graças ao designer George Nelson; amigável para o funcionário e que não lembra em nada as baias mequetrefes atuais. Custava muito caro razão pela qual não vendeu quase nada.

Propst não se deu por vencido, ele radicalizou e se debruçou em um novo projeto expurgando a sofisticada beleza e requinte de materiais que havia no antigo móvel e finalmente em 1968 ele entrega o Action Office II. Dessa vez o produto recebeu um pesado marketing de vendas, inclusive a publicação na imprensa de um manifesto de 72 páginas discorrendo sobre as “maravilhas” (oi?) dessa segunda versão muito mais enxuta, brutal, feita com materiais baratos, descartáveis de quinta categoria que é praticamente o conhecemos hoje como as famigeradas baias. E estava inaugurada a era dos chamados cubículos nos escritórios.


Mas o que na verdade Propst queria? Bem, ele queria mesmo era reforçar a autoridade de gerentes e supervisores que ficavam em salas independentes e colocar os subalternos em constante estado de vigilância. Ele não estava interessado em conforto e beleza, pois segundo ele, a beleza pura estava em ver funcionários andando de um lado para o outro produzindo sem parar e alucinadamente, afinal, conforme uma citação do próprio Propst, ”o homem é uma máquina orientada verticalmente”.

Enquanto na Europa os escritórios seguiam modelos mais arrojados e ergonômicos,  as empresas americanas surfaram maciçamente na onda das baias entulhando os escritórios de biombos e divisórias. Quanto mais funcionários aprisionados num espaço pequeno, labiríntico e barato, muito melhor. Fábricas de móveis começaram a replicar e exportar para outros países o modelo Action Office II (que já era péssimo) da maneira mais tosca possível que são os modelos do tipo cubículos que ainda encontramos atualmente por aí em diversas empresas. Existem em torno de 42 versões diferentes do Action Office II, cada uma pior do que a outra.

George Nelson, o designer que colaborou com o projeto original que foi abortado, enviou uma carta ao fabricante Herman Miller lamentando o efeito desumanizador como ambiente de trabalho do Action Office II. Num trecho da carta ele diz.

“Não é preciso ser crítico especialmente perceptivo para entender que o Action Office II definitivamente não é um sistema que produz um ambiente gratificante para as pessoas em geral. Só é admirável para projetistas à procura de maneiras de juntar o número máximo de corpos, de empregados (em contraposição a indivíduos), de pessoal, os zumbis corporativos, os mortos-vivos, a maioria silenciosa. Um grande mercado”.

Funcionários adoeciam porque os cubículos restringiam a circulação de ar insalubre. Pesquisas indicavam oscilação de temperatura, correntes de ar, baixa umidade, altos níveis de ruído, escassez de luz natural e falta de ventilação, além da falta de privacidade com documentos sigilosos. Os sindicatos entraram em ação apontando condições desumanas nos escritórios e reivindicando melhores condições de trabalho. Fato curioso é que nem mesmo a Herman Miller, empresa que fabricou o Action Office II utilizava a mobília em seus escritórios muito bem requintados e sofisticados. Era praticamente o fim do Action Office II.

Página virada, os designers começaram a se inspirar nos modelos europeus de layout no ambiente de trabalho nos escritórios: ambientes espaçosos, arrojados e muito bem iluminados por luz natural e presença verde de vegetação. Esse tipo de layout já foi comprovado por empresas que estudam o impacto do layout no ambiente de trabalho o aumento da produtividade entre 6 a 10% e aumento da criatividade em 15%. Sim, a Beleza importa, transforma e contribui no resultado em termos de ambientes criativos e mais produtivos.

Portanto, há mais de 30 anos empresas dispensaram o uso do Action Office II, atualmente não passa de um bric-à-brac inútil exposto em museus de objetos bizarros nascidos de criações insanas. No entanto o que é mais bizarro ainda é encontrar empresas que ainda utilizam essa mobília sádica nas dependências de seus escritórios. Tais empresas deveriam então estampar em cada baia um pequeno quadro emoldurado com a imagem do marques de Sade, de preferência olhando e sorrindo sarcasticamente e com o dedo em riste na cara de quem está laborando.

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Notas

SAVAL, Nikil - Cubiculados - A História Secreta do Local de Trabalho - Editora Anfiteatro - Rio de Janeiro, 2014



O Efeito Dunning-Kruger no ambiente de trabalho

"O problema da humanidade é que os estúpidos estão cheios de certezas, enquanto os inteligentes estão cheios de dúvidas" (Bertrand...