segunda-feira, 7 de julho de 2025

As famigeradas baias ou cubículos labirínticos



Você leitor que está lendo este artigo, talvez esteja fazendo a leitura sentado (ou em pé!) numa desconfortável baia cujo nome oficial é o pomposo Action Office II também chamada de estação de trabalho. Qual funcionário de escritório já não passou pelo desprazer de laborar enclausurado numa terrível baia? Vamos ver neste artigo de onde surgiu essa geringonça, quem a inventou, quem a fabricou e com qual finalidade.

O pai da criança é o inventor americano Robert Propst (1921-2000). Artista Gráfico e Escultor, Propst desenvolvia engenhocas (tão úteis como rodas quadradas), estudioso do ambiente de trabalho, ofereceu seus serviços como consultor para a empresa fabricante de móveis Herman Miller. Propst foi contratado em 1958 para desenvolver um tipo de mobiliário para interiores de escritórios.

Durante a criação do projeto para escritórios, Bob Propst contou com a ajuda do renomado designer George Nelson, um entusiasta da estética da elegância e modernista. Propst estudou vorazmente publicações de sociologia e ciências comportamentais que tratavam da interação homem/ambiente de trabalho; entrevistou (segundo ele mesmo!) trabalhadores das mais diversas profissões e após pesquisas e estudos, voilà, Propst apresenta em 1964 o mobiliário para escritório que ele batizou de Action Office.

De início o Action Office de Bob Propst foi rejeitado tanto pelos funcionários e, sobretudo pelos executivos que estavam diante de um produto de altíssimo custo, pois o material empregado para compor o módulo de três peças era muito requintado. E sejamos sinceros, esteticamente falando era uma opção  atrativa, graças ao designer George Nelson; amigável para o funcionário e que não lembra em nada as baias mequetrefes atuais. Custava muito caro razão pela qual não vendeu quase nada.

Propst não se deu por vencido, ele radicalizou e se debruçou em um novo projeto expurgando a sofisticada beleza e requinte de materiais que havia no antigo móvel e finalmente em 1968 ele entrega o Action Office II. Dessa vez o produto recebeu um pesado marketing de vendas, inclusive a publicação na imprensa de um manifesto de 72 páginas discorrendo sobre as “maravilhas” (oi?) dessa segunda versão muito mais enxuta, brutal, feita com materiais baratos, descartáveis de quinta categoria que é praticamente o conhecemos hoje como as famigeradas baias. E estava inaugurada a era dos chamados cubículos nos escritórios.


Mas o que na verdade Propst queria? Bem, ele queria mesmo era reforçar a autoridade de gerentes e supervisores que ficavam em salas independentes e colocar os subalternos em constante estado de vigilância. Ele não estava interessado em conforto e beleza, pois segundo ele, a beleza pura estava em ver funcionários andando de um lado para o outro produzindo sem parar e alucinadamente, afinal, conforme uma citação do próprio Propst, ”o homem é uma máquina orientada verticalmente”.

Enquanto na Europa os escritórios seguiam modelos mais arrojados e ergonômicos,  as empresas americanas surfaram maciçamente na onda das baias entulhando os escritórios de biombos e divisórias. Quanto mais funcionários aprisionados num espaço pequeno, labiríntico e barato, muito melhor. Fábricas de móveis começaram a replicar e exportar para outros países o modelo Action Office II (que já era péssimo) da maneira mais tosca possível que são os modelos do tipo cubículos que ainda encontramos atualmente por aí em diversas empresas. Existem em torno de 42 versões diferentes do Action Office II, cada uma pior do que a outra.

George Nelson, o designer que colaborou com o projeto original que foi abortado, enviou uma carta ao fabricante Herman Miller lamentando o efeito desumanizador como ambiente de trabalho do Action Office II. Num trecho da carta ele diz.

“Não é preciso ser crítico especialmente perceptivo para entender que o Action Office II definitivamente não é um sistema que produz um ambiente gratificante para as pessoas em geral. Só é admirável para projetistas à procura de maneiras de juntar o número máximo de corpos, de empregados (em contraposição a indivíduos), de pessoal, os zumbis corporativos, os mortos-vivos, a maioria silenciosa. Um grande mercado”.

Funcionários adoeciam porque os cubículos restringiam a circulação de ar insalubre. Pesquisas indicavam oscilação de temperatura, correntes de ar, baixa umidade, altos níveis de ruído, escassez de luz natural e falta de ventilação, além da falta de privacidade com documentos sigilosos. Os sindicatos entraram em ação apontando condições desumanas nos escritórios e reivindicando melhores condições de trabalho. Fato curioso é que nem mesmo a Herman Miller, empresa que fabricou o Action Office II utilizava a mobília em seus escritórios muito bem requintados e sofisticados. Era praticamente o fim do Action Office II.

Página virada, os designers começaram a se inspirar nos modelos europeus de layout no ambiente de trabalho nos escritórios: ambientes espaçosos, arrojados e muito bem iluminados por luz natural e presença verde de vegetação. Esse tipo de layout já foi comprovado por empresas que estudam o impacto do layout no ambiente de trabalho o aumento da produtividade entre 6 a 10% e aumento da criatividade em 15%. Sim, a Beleza importa, transforma e contribui no resultado em termos de ambientes criativos e mais produtivos.

Portanto, há mais de 30 anos empresas dispensaram o uso do Action Office II, atualmente não passa de um bric-à-brac inútil exposto em museus de objetos bizarros nascidos de criações insanas. No entanto o que é mais bizarro ainda é encontrar empresas que ainda utilizam essa mobília sádica nas dependências de seus escritórios. Tais empresas deveriam então estampar em cada baia um pequeno quadro emoldurado com a imagem do marques de Sade, de preferência olhando e sorrindo sarcasticamente e com o dedo em riste na cara de quem está laborando.

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Notas

SAVAL, Nikil - Cubiculados - A História Secreta do Local de Trabalho - Editora Anfiteatro - Rio de Janeiro, 2014



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