“Não é correta, tampouco, a idéia de que os
professores trabalham em estabelecimentos superlotados. Segundo os dados
oficiais, há 27 alunos por turma de ensino fundamental (de primeira a oitava
série). A relação só sobe nos três anos do ensino médio, para 37 alunos por
turma – dentro da normalidade, portanto.
Tampouco procede a idéia de que as escolas não têm
as condições mínimas de infra-estrutura para a realização d aulas. As histórias
de escolas de lona ou de lata rendem muito noticiário justamente por serem a
exceção, a aberração. Mais de 90% de nossas escolas de ensino fundamental têm
banheiro, água encanada e esgoto; 87% têm eletricidade. Quase um terço tem
quadra esportiva, e 42% têm computadores. Certamente há muito que melhorar, mas
é igualmente certo que o nosso professorado não trabalha em condições
infraestruturais sofríveis.
A idéia de um professor acuado pela violência
também não se confirma quando contrastada com a frieza dos dados. Em 2003, um
questionário respondido pelos professores quando da aplicação do Saeb, o
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, revela que apenas 3% dos
professores haviam visto, naquele ano, alunos com armas de fogo; que só 5,4%
dos professores já foi ameaçado e 0,7% foi agredido por aluno(s). São
incidentes lamentáveis e que devem ser punidos com todo o rigor da lei. Essa
quantidade de problemas, porém, está longe de indicar uma epidemia de violência
tomando conta de nossas escolas.
Finalmente, a questão crucial: o salário. Há uma idéia
encrava na mente do brasileiro de que professor ganha pouco, uma mixaria. É
verdade que o professor brasileiro tenha salário absolutamente baixo – o que se
explica pelo fato de ele ser brasileiro, não professor. Somos um país pobre,
com uma massa salarial baixa. O professor tem um contracheque pequeno, assim
como têm os médicos, os carteiros, os bancários, os jornalistas e todas as demais
categorias profissionais do país, com exceção dos congressistas (e de suas
amantes). Quando estudos econométricos comparam o salário dos professores com o
de outras carreiras, levando em consideração a jornada laboral e as
características pessoais dos trabalhadores, não há diferença para a categoria
dos professores. Ou seja, os professores ganham aquilo que é compatível com a
sua formação e seu trabalho, e ganhariam valor semelhante se optassem por outra
carreira. Quando se leva em consideração a diferença de férias e aposentadoria,
o salário do professor é maior do que o restante. Estudo recente de Samuel
Pessoa e Fernando de Holanda, da Fundação Getúlio Vargas, também mostrou que o
salário do professor de escola pública é maior do que aquele recebido por seu
colega de escola particular. Achados semelhantes emergem quando se compara o
professor brasileiro com o de outros países. Enquanto aqui ele ganha o
equivalente a 1,5 vezes a renda média do país, a média dos países da OCDE (que
tem a melhor educação do planeta) é de, 1,3. Na América do Sul, os países com
qualidade de ensino melhor que a brasileira têm professores que recebem menos:
0,85 na Argentina, 0,75 no Uruguai e 1,25 no Chile. Esses são dados um pouco
defasados, de 2005. É provável que atualmente o quadro seja ainda melhor, pois
os estudos sobre o tema mostram que os rendimentos dos professores vêm
aumentando, à medida que mais deles têm diploma universitário. Segundo dados da
última Pnad, houve um aumento de 20% nos rendimentos dos professores da rede
estadual e 16% na rede municipal apenas entre 2005 e 2006.
Apesar de todos esses dados estarem amplamente
disponíveis, perdura a visão de que o professor é um coitado e/ou um herói,
fazendo esforços hercúleos para carregar o pobre aluno ladeira acima. Longe de
ser uma questão apenas semântica ou psicológica, essa caracterização do
professor é extremamente daninha para o progresso do nosso ensino, porque ela
emperra toda e qualquer agenda de mudança. A literatura empírica aponta que há muito
que os professores, diretores e gestores públicos podem fazer para obter
melhorias substanciais no aprendizado de nossos alunos, mas é quase impossível
ter qualquer discussão produtiva nesse sentido no Brasil, pois, antes de mais
nada, seria necessário “recuperar a dignidade do magistério”, “dar condições
mínimas de trabalhos aos professores”, etc. A mitificação do nosso professor
impede que o vejamos como ele é: um profissional, um adulto, consciente de suas
decisões e potencialidades, inserido em uma categoria profissional que, como
todas as outras, abriga muita gente competente, muita gente incompetente,
muitos medíocres e que, portanto, deve receber não apenas encorajamento e
defesas condescendentes, mas também cobranças e críticas construtivas e
avaliações objetivas de seus méritos e falhas. Só assim melhoraremos o
desempenho das nossas escolas e daremos um futuro ao país.”
*Texto extraído do capítulo 5, páginas 43 a 47 do livro " O que o Brasil quer Ser Quando Crescer, de Gustavo Ioschpe, Editora Paralela.
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