segunda-feira, 22 de maio de 2023

A identidade homogênea*





Por Gaudêncio Torquato**


A identidade das empresas é, frequentemente, enfraquecida pela dualidade entre os sistemas interno e externo de comunicação. Ocorre que, quase sempre, não há correspondência entre os sistemas. A linguagem da comunicação interna não combina com as propostas estabelecidas para o sistema externo. As consequências são graves. Se não há correspondência entre a cultura de uma organização e a identidade que ela quer projetar no mercado, cria-se uma dissonância, que terá, como resultado, uma ruptura na imagem. Vamos tentar explicar.

Geralmente, a angulação que as áreas de comunicação querem dar à empresa assume conotações diferentes. No plano interno, os ângulos são apoiados em valores de humanidade, leveza, integração, participação. Procura-se mostrar um tecido sistêmico, uno e indivisível. As pessoas aparecem nas publicações internas dando entrevistas, falando de seus setores, planos, interesses e relatos de sua vida na empresa. As políticas de benefícios, os cursos de treinamento, as práticas cotidianas são exibidos dentro da moldura humanizada de uma organização que tem como meta final o homem.

No plano externo, geralmente procura-se dourar as pílula com tons de seriedade, segurança, fortaleza, inovação tecnológica, porte empresarial, grandeza estatística, expansão e tradição. Fotografa-se uma realidade profundamente formal e normativa. Exibe-se a empresa com cores carregadas de tons neutros. A descontração da cultura é, geralmente, escondida. Chega-se ao ponto de muitos empregados sentirem-se em empresas diferentes: uma, que eles conhecem, porque lá trabalham e convivem; outra, a que vêem e percebem por meio dos apelos externos da mídia e pelas mensagens propagandísticas.

Essa dissonância ocorre por diversos motivos. Primeiro, porque os profissionais de comunicação que trabalham na área de comunicação interna não sãoos mesmo que trabalham na área externa. Com visões diferenciadas, é normal que as coberturas de imagem, planos e ângulos também o sejam. Segundo, porque, há, historicamente, um erro de conceito. Trata-se da distorção de imaginar que a empresa deve abrigar duas imagens: uma interna e outra externa. Equivaleria ao erro de imaginar que a cozinha de uma casa não tem nada a ver com a sala de estar. Ora, ambas as áreas pertencem ao mesmo sistema. O mínimo de coerência arquitetônica deve haver entre elas.

Essa falha deve ser imediatamente combatida. Entramos numa fase de completa claridade e transparência. O empregado passa a exigir situações coerentes e práticas harmônicas. Se a empresa está em greve, por exemplo, ela não aceita que, para efeito externo, pinte-se um quadro de tranquilidade, harmonia, bem estar e muita paz. Quando isso ocorre, estimula-se o descrédito. E não é raro que pessoas que, antigamente, confiavam na empresa, deixem de fazê-lo.

Os sistemas de comunicação, portanto, devem interligar-se. A interdependência precisa ocorrer no terreno das linguagens, valores, conceitos, processos, pessoas. Isto é, a empresa precisa encontrar uma linguagem média, intermediando as posições interna e externa, a fim de trabalhar com ela em todos os planos. As publicações externas, as campanhas, os projetos de identidade externa não podem aspectos da cultura interna. É muito louvável inserir em propostas externas a linguagem ou aspectos de cultura interna. Essa particularidade pode conferir diferencial à imagem de uma empresa.

Comunicadores internos e externos devem se unir. A hora não é de racha, mas de atuação em comum. Não podemos perder tempo com briguinhas por mais espaço ou por melhor status. Se a imagem de uma empresa, interna ou externamente, corresponder à sua verdadeira identidade, todos estarão de parabéns. O importante é a percepção de que há lugar para todos que trabalham no sistema de comunicação. E hoje, mas que ontem, a exigência básica é a da qualidade de trabalho.

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*Texto extraído do livro, "Cultura - Poder - Comunicação e Imagem: Fundamentos da Nova Empresa", Gaudêncio Torquato, editora Thomson Pioneira.

**Gaudêncio Torquato, jornalista, consultor político e professor titular da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e autor de diversos livros sobre comunicação nas organizações.





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