A lamentável morte de João Alberto Freitas causada pelo excesso de violência de seguranças terceirizados e mal treinados do supermercado Carrefour teve repercussão nacional e até mesmo internacional. As duas empresas, respectivamente o grupo Vector, empresa de segurança para a qual os dois seguranças trabalhavam e o Carrefour, vieram a público imediatamente após o ocorrido declarar a demissão por justa causa de todos os envolvidos no episódio. No caso, os dois seguranças e a fiscal do Carrefour. Será que realmente cabe justa causa nessa situação? Uma situação dessas não deixa de causar polvorosa no RH de qualquer empresa. Vejamos:
Bem, um fato que por diversas vezes costumo citar em meus artigos, é que demissão de funcionários é prerrogativa de toda empresa. Não precisa ter motivo ou mesmo justificar ao funcionário o motivo que ele está sendo demitido, basta demitir sem mais delongas e pronto. Nesse caso específico do Carrefour, obviamente que todos os envolvidos não teriam mais a mínima condição de continuar prestando serviços em qualquer unidade da empresa. A demissão dos envolvidos foi correta. Porém, a justa causa é cabível?
Uma demissão por justa causa tem que ser muito bem enquadrada e fundamentada, pois qualquer deslize as possibilidades de interposição de recursos são infinitas. Vejamos primeiro o caso dos dois seguranças. Em qual alínea do artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho-CLT, que trata da demissão por justa causa eles se enquadrariam? São 13 alíneas disponíveis e a única possível que vislumbro e com muita cautela seria (seria!) a alínea “j”. Vejamos:
Artigo 482, alínea “j”: "ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem”.
Trata-se de um enquadramento pouco comum nas demissões de justa causa. Muitos doutrinadores e juristas contestam a redação confusa dada por esta alínea. A defesa dos seguranças pode alegar que eles estavam defendendo entusiasticamente o empregador, os clientes e os próprios funcionários, pois estavam lá para isso mesmo, ainda que a atuação dos seguranças implique em excesso de rigor. De acordo com o artigo 482, alínea “j” da CLT, a legítima defesa também poderá ser alegada. É um caso que poderá durar anos tramitando na justiça e ao que tudo indica, poderá no final afastar o enquadramento de justa causa e terminar em acordo em razão de culpa recíproca pela falta de treinamento adequado da empresa de segurança.
Quanto à fiscal Adriana que foi demitida por justa causa e detida (na minha opinião, prisão absolutamente desnecessária e arbitrária), não vislumbro a mínima possibilidade de enquadramento em justa causa. Muitas pessoas a criticaram pela sua omissão ou de não interferir para que os seguranças parassem com a agressão. Pela ótica trabalhista, a situação é bem mais complexa em relação ao calor do momento, vamos lá:
Os seguranças pertenciam à empresa terceirizada (contratada) e Adriana, fiscal do Carrefour (contratante). A relação entre funcionários terceirizados com os funcionários da empresa contratante é um fio muito tênue, pois qualquer ordem de mando ou desmando, a caracterização de vínculo empregatício do terceirizado é automática e imediata. E não há como fugir disso.
Sabemos que a subordinação é um dos, senão o principal gatilho para a caraterização do vínculo empregatício. Portanto, não pode existir relação de subordinação entre funcionários terceirizados e funcionários da empresa contratante. A autonomia da fiscal, neste caso, é absolutamente limitada em relação às atitudes dos seguranças. Portanto, não é correto dizer que os dois seguranças se reportavam à Adriana, pois ambos tinham vínculo empregatício com outra empresa. Justa Causa nesse caso, nem pensar, a reversão na Justiça do Trabalho é praticamente líquida e certa.
A lição que se tira desse lamentável episódio é a revelação da falta de treinamento adequado para profissionais de segurança tomarem a atitude correta e saberem o que fazer em situações como essa. Afinal, a necessidade desses profissionais é justamente em razão do treinamento que possuem para atuarem justamente em situações inusitadas e fora do comum, caso contrário, se nada fora do normal acontecesse não haveria razão para a contratação de seguranças bem treinados, nem mesmo a necessidade dessa profissão existir.
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