segunda-feira, 10 de maio de 2021

O melhor veterinário do mundo ou quando a vocação faz a diferença



Há muitos anos quando residi por um tempo numa pequena cidade do interior, conheci um profissional da medicina veterinária, daqueles que podemos falar sem medo de errar, “esse é o cara”. Vou chamá-lo de Dr. R, porque "R" é a letra inicial do nome dele. Como sempre tive pets, a minha relação com veterinários sempre foi constante. Eu o conheci tomando café e comendo um pão doce numa padaria. Trocamos cartões de visita e dias depois fiz uma visita ao seu consultório.


Mas antes de visitá-lo, tenho como mania de profissional de RH levantar a vida das pessoas. Coletei o máximo de informações sobre a sua pessoa, pois eu não me sentia confortável com os outros veterinários disponíveis que atendiam na cidade. O que descobri sobre o Dr. R causou-me certo espanto. Ele veio de outra cidade (como eu) e residia ali não fazia muito tempo, porém, tempo suficiente para conquistar um prestígio profissional que nem mesmo os veterinários locais possuíam. Diziam que ele chegou a ressuscitar alguns animais, informação essa que foi confirmada por alguns de seus clientes e até mesmo por uma sua ex-assistente. Ele mesmo não gostava muito de falar sobre o assunto. Quando indagado sobre esse fato ele não confirmava, mas também não negava, apenas sorria e dizia que era uma questão de fé.


Então fui até o seu consultório. Ele atendia na sua própria e modesta residência na qual a parte da frente ele adaptou o seu consultório. Já tive uma surpresa quando cheguei, pois o encontrei em meio a uma pilha de livros abertos sobre uma escrivaninha. Concentrado, ele fazia anotações que nem me viu entrar. Era a sua biblioteca particular que ficava junto ao consultório. Quando me viu convidou-me para um café. Contou-me um pouco de sua história, a sua paixão incondicional por animais desde criança e a vocação inexorável para cursar medicina veterinária. Leitor voraz de Agatha Christie e Georges Simenon e apreciador de uma deliciosa cerveja artesanal que ele mesmo fazia com miolo de pão preto. Se valia da alopatia, homeopatia e até mesmo muita oração. E dava certo, salvar vida de pets era com ele mesmo, não importava o método, a sua maior alegria era ver o bichano abrindo os olhinhos.


De todos os pets que deixei aos seus cuidados ele acertou em todos, desde os casos mais simples até os casos mais graves. Com o Dr. R não tinha essa de sábado, domingo ou feriado não poder trabalhar. Não, não, a qualquer hora do dia ou da noite ele era incapaz de recusar atendimento, inclusive em domicílio se preciso fosse, pois ele salvava vidas. Dinheiro nunca foi problema, se não tinha na hora, pagava depois. Fazia o seu preço de acordo com a possibilidade do cliente, chegava a cobrar preço abaixo da tabela o que lhe causou alguns problemas com a maldita guilda do CRMV. Varou noites e madrugadas fazendo cirurgias complicadas, mas como sempre, todas muito bem sucedidas.


Para o Dr. R, tratar um pet não era como consertar um chuveiro ou um ferro elétrico como infelizmente muitos veterinários fazem (alguém aí vestiu essa carapuça?), sempre foi contra a comercialização de animais domésticos e um fervoroso defensor da adoção responsável. Levava uma vida modesta, sem luxos, investia o que ganhava em estudos, pesquisas e livros, sua vida era clinicando ou estudando em e meio a uma pilha de livros. Sempre solícito e gentil, dava dicas e orientações sobre pets na rua para quem o interpelava, mesmo que não fosse seu cliente fiel.


Esse tipo de comportamento ético, exemplar e impecável acabou gerando raiva e incompreensão por parte dos veterinários da cidade, afinal, para eles, Dr. R era um forasteiro que se mudou para cidade só para se dar bem, atitude típica de provincianismo local. Foi denunciado diversas vezes para a guilda CRMV por cobrar abaixo da tabela, fazer campanha de castração gratuita, dar consultas de graça e doar remédios para quem não podia pagar. Quantos crimes, não?


Dr. R não era de se meter em confusão e não fazia parte dessa panelinha decrépita de veterinários mercenários e incompetentes. Retornei para o estado de São Paulo não sem antes me despedir dele ao sabor de uma saborosa cerveja artesanal. Não o encontrei mais, ele sempre foi arredio às redes sociais mas, em contato com amigos tive notícias que ele ainda reside por lá e continua firme e clinicando com toda a sua competência extraordinária para a felicidade dos pets.


É claro que a expressão “o melhor veterinário do mundo” é apenas um termo de força de expressão retórica, no entanto, apesar de ter contato com excelentes profissionais veterinários, nunca mais encontrei outro profissional dessa envergadura, diferenciado, de um amor pela profissão que chegou a assustar seus pares concorrentes. E a explicação disso encontra-se numa única palavra: vocação! Infelizmente, uma palavra que está fora de moda e acabou sendo absorvida pelo lucro fácil ou apenas o fetiche de usar um jaleco branco. 


Artigo dedicado ao Dr. R.C.S, médico veterinário.

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