segunda-feira, 17 de maio de 2021

Quer ser crítico de arte? Então fuja dos cursos de Artes Plásticas


“O pintor pensa em formas e cores. O objetivo não é construir um fato anedótico, mas constituir um fato pictórico” (Georges Braque, pintor cubista)


Eu tenho o maior apreço pela profissão de crítico de arte, porém não posso dizer a mesma coisa pela maioria dos profissionais que a exercem. Na falta de critério para analisar com seriedade uma obra de arte, inventam estórias numa linguagem para iniciados, politizam a obra, assumem o papel de psicanalistas frustrados empurrando o artista para o divã e acreditam piamente que sabem mais sobre a obra plástica do que o próprio autor que a compôs. Um pouco de história:

 

A crítica de arte se perde no tempo, teve o seu início oficialmente nos salões literários do século XVIII, quando os próprios artistas emitiam juízos de valor sobre as obras de seus pares. Ela envolve os elementos de interpretação, julgamento e do gosto particular. Ainda assim, na remota antiguidade já existiam autores que discorriam sobre a arte, podemos citar como exemplo, o robusto “Tratado da Arquitetura” ou “De Architectura”, (em 10 volumes!) de Marcus Vitruvius Pollio, que data aproximadamente de 27 a 16 a.C., entre muitas outras obras desse quilate.


No Brasil, a crítica de arte teve o seu início, considerando como o primeiro crítico de arte, Manuel de Araújo Porto-Alegre (1806-1879) o barão de Santo Ângelo, pintor, arquiteto, cartunista e historiador de arte. Ele era ligado à Academia Imperial de Belas Artes (AIBA). E aqui é importante distinguir História da Arte e Crítica de Arte. Grosso modo, a primeira trata dos acontecimentos passados e a segunda trata dos acontecimentos e movimentos artísticos do presente.

 

Vamos dar um salto pelo século XX e considerar que a partir do surgimento dos movimentos Arte Moderna e na sequência o Pós-Modernismo até os dias atuais, a crítica de arte abandonou a obra e se voltou narcisisticamente para si própria passando a ser mais importante que a obra em si. E o pior, é bem comum atualmente um crítico de arte desdenhar uma verdadeira obra de arte canonizada pelo tempo e sem critério algum. Chancela como obra de arte, defecar sobre a bandeira do país ou crianças pegando no bilau de marmanjos entre outras escatologias dessa natureza. É exatamente isso que os críticos de arte entendem como arte, ou seja, pura manifestação política rasteira sem qualquer conexão com o juízo estético.

 

O professor Affonso Romano de Sant’Anna em seu esplêndido livro “O Enigma Vazio: Impasses da Arte e da Crítica”, livro obrigatório para quem quer se inteirar obre o assunto, discorre formidavelmente a cerca da bizarrice que se tornou a crítica de arte. Vamos conferir duas passagens de seu livro:

 

“Assim como a pintura no século passado através da arte conceitual quis-se palavra, fez-se conceito, fez-se frase, discurso sobre tela, também a crítica contemporânea fez algo igual e inverso: tornou-se ela mesma uma forma de pintar com palavras, como, aliás, foi mostrado no célebre livro de Tom Wolfe, “A Palavra Pintada” [...]

  

“A action writing” (termo cunhado pelo historiador de arte, Russel Lynes), embora pretenda uma transparência, uma homologia com a obra plástica que deflagrou a escrita, abandona a referência, encanta-se consigo mesmo. É a linguagem narcisista, deslumbrada com seus próprios reflexos. Se fôssemos tentar, não digo superpor, mas aproximar tal escrita à obra veríamos que não se reconhecem, não se ajustam. “O quadro descrito ficou aquém ou foi além da obra plástica, o texto realizou uma anamorfose, uma deformação, uma alucinação, uma especulação, fascinante em si, mas distante do original [...]"


Eu diria, bem distante, mas muito longe mesmo do original!

 

O saudoso jornalista americano Tom Wolfe citado por Sant’Anna, escreveu esse fantástico livro “A Palavra Pintada” (1975), leitura também recomendada. Wolfe zomba de críticos de arte dessa estirpe como os famosos e conhecidos, Clement Greenberg, Harold Rosenberg e quejandos dessa panelinha. Greenberg é autor da célebre frase: “Toda arte profundamente original parece a princípio feia”. Bem, em certos casos até que essa frase faz algum sentido, apesar de eu não ter apreço por este autor.

 

No Brasil, a crítica de arte a partir do século XX sempre se confundiu com militância política esquerdista, marxista e chinfrim, coisas de jecas provincianos como, por exemplo, Mário Pedrosa que, apesar de ser um profundo expert em arte, o seu proselitismo de militonto acabou se distanciando anos luz da crítica de arte. Monteiro Lobato, este sim um gigante (que também foi crítico de arte) se destacava com uma originalidade ímpar em seus artigos impecáveis. É famosa a sua polêmica com a pintora Anita Malfatti. Lobato escreveu um ácido artigo, “A Propósito da Exposição Malfatti”, espinafrando o modernismo “copy & paste” dos gringos que a artista usurpou quando esteve estudando no exterior. Lobato colocou Malfatti em seu devido lugar. Atualmente no Brasil um dos poucos nomes que se destaca e que tenho algum respeito é do crítico e curador de arte, Tadeu Chiareli.

 

Os críticos de arte estrangeiros também não ficam atrás nas questões de narcisismo e militância rasteira. Dificilmente aparece um monstro como o saudoso crítico de arte Robert Hughes ou mesmo um Hilton Kramer, fundador da publicação New Criterion. Posso citar aqui como boas referências, Roger Kimball, atual editor da New Criterion, James Panero, Karen Wilken e com muitas restrições, Eleanor Heartney.

  

E aqui cabe um fato que ocorreu com um estimado amigo meu, artista plástico, pintor e escultor, uma das pessoas mais cultas que conheci na vida, dessas pessoas que conversam com embasamento e conhecimento de causa a cerca de diversos assuntos. Ele viveu algum tempo na Inglaterra e nos Estados Unidos, depois retornou ao Brasil. Como tinha muitos contatos no meio artístico, foi convidado a expor as telas numa destacada galeria de arte. Uma crítica de arte escreveu para uma revista especializada uma resenha risível e bisonha sobre sua obra, especialmente sobre um quadro abstrato pintado pelo artista. Ela escreveu mais ou menos o que se segue:

 

“São traços violentos de vermelhos e azuis raivosos que se entrecruzam em busca de brechas, saídas e atalhos para onde levar o artista sufocado num país inóspito”. O fundo branco branco (sim, duas vezes!) o artista registrou o nada que via pela frente, a angústia da lonjura de sua terra natal e a falta de amigos, pessoas. O artista gritava luz, ele pedia por luz, mas ela se encontrava atrás do branco branco oculta pelas vias vermelhas e azuis que o impediam se se libertar [...] E o delírio na groselha não tinha fim.

 

E agora a verdadeira história do quadro. O artista acordou pela manhã e ao entrar em seu estúdio tropeçou em duas latas de tintas destampadas, respectivamente azul e vermelha. A tintas rolaram e foram escorrendo por cima de uma tela de duratex branco que estava no chão. O artista então pegou uma vassoura e gravetos, fez alguns arranjos e... voilà!, em menos de 15 minutos um quadro abstrato estava pronto e de maneira bem displicente. Eu e ele demos boas risadas dessa crítica de arte de meia tigela. O artista até enviou um artigo para a revista contando como realmente o quadro foi produzido, mas é claro que a sua réplica não foi publicada.

 

Ficou claro o que faz um crítico de arte hoje? Vamos lá, recapitulando: enxerga a obra de arte apenas como propaganda política (e como bem diz o filósofo Roger Scruton, "a mensagem da propaganda não faz parte do significado estético), chancela escatologias como obra de arte, se transforma num simulacro de psicanalista e viaja na maionese quando analisa uma obra de arte dando significado a ela que jamais passou pela cabeça do autor;  e por fim acredita piamente que o seu texto sobre a obra é tão belo e magnifico que até mesmo supera a beleza da obra analisada. Ele quer apenas o aplauso de seus pares.


Por isso, se alguém quer ser crítico de arte, fuja, passe batido dos cursos universitários de artes plásticas que chafurdaram a Beleza numa lama que é uma mistura de estruturalismo e desconstrucionismo forjados por figuras como Jacques Derrida, Roland Barthes e Gilles Deleuze. Comecem estudando Benedetto Croce, Romano Galeffi, Gillo Dorfles, Carlo Ludovico Ragghianti, José Ortega Y Gasset, Louis Lavelle, Etienne Gilson, Bruno Zevi, Charles Lalo, Harold Osborne, Suzanne Langer e Lionelo Venturi. Não é preciso cursar uma faculdade  de artes plásticas para ser crítico de arte, pelo contrário, os grandes críticos de arte da história vieram de outras vertentes do conhecimento humano, sobretudo, da Filosofia.

 

Portanto, sempre quando lermos as abóboras e groselhas que um crítico de arte escreve, estejamos certos que do outro lado bem longe dali, haverá o próprio artista que produziu a obra fazendo escárnio e dando boas risadas dessas críticas e análises ridículas, risíveis, medonhas e não mais que bisonhas.

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GALEFFI, Romano. Fundamentos da Crítica de Arte. 2.ed. Centro Brasileiro de Estudos Estéticos.1985

HEARTNEY, Eleanor. Pós-Modernismo. Editora Cosac & Naif.2002

ORTEGA Y GASSET, José. A Desumanização da Arte. 6.ed. Cortez Editora. 2012

DE SANT'ANNA, Affonso Romano. O Enigma Vazio: Impasses da Arte e da Crítica. Editora Rocco. 2008

SCRUTON, Roger. Beleza. Editora É Realizações.2013

VENTURI, Lionelo. História da Crítica de Arte. Edições70. 2007

WOLF, Tom. A Palavra Pintada. L&PM Editores. 1987



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