segunda-feira, 13 de junho de 2022

O abandono de emprego é incompatível com a justa causa




Não é preciso elucubrações exaustivas para se chegar à conclusão que o abandono de emprego passa ao largo de uma justa causa ou falta grave, pois trata-se de um ato voluntário praticado pelo trabalhador que pelos mais diversos motivos de foro íntimo achou por bem abandonar a empresa para a qual prestava serviços. Aplicar a justa causa que é a pena máxima de punição na legislação trabalhista em casos de abandono de emprego não nos parece de bom senso, razão pela qual requer estudo da matéria e considerações a respeito dessa questão.

As definições do termo “abandono” de acordo com o vernáculo são bem diversas, tais como, desleixo, renúncia, desistência, negligência, cessação, deserção, etc. Também é definido como “ato ou efeito de sair ou largar sem a intenção de voltar”. A doutrina trabalhista assim o define: “abandona o emprego o trabalhador que dele se afasta e a ele renuncia tacitamente, rompendo de fato o contrato de trabalho”. Ou seja, temos aqui um ato de cessação voluntária não expressa.

Antes do abandono de emprego ser sacramentado na alínea “i” do artigo 482 da CLT, regulava a espécie a Lei nº 62/1935, que dispunha na letra “g” do artigo 5º: “constitui justa causa o abandono de serviço sem causa justificada”. Ora, se o trabalhador achou por bem abandonar o emprego ele naturalmente teve lá os seus motivos, nada mais do que justos, por que não?

Conforme entendimento do saudoso jurista Wagner Giglio, “o entendimento legal é constrangido a aceitar o abandono de emprego como justa causa somente porque a lei afirma que é”. Ou seja, o abandono de emprego só se constitui justa causa por uma imposição legal. Ou seja, é o entendimento positivado atropelando a lógica. É de bom tom lembrar que até hoje os jurisconsultos convergem no sentido de que justa causa e falta grave não são sinônimos.

Naturalmente que o contrato de trabalho obriga o cumprimento da prestação de serviços por parte do trabalhador e este quando deixa de cumpri-la por se ausentar por longo período sem “justificativa”, está cometendo um ato faltoso provocando sem dúvida alguns prejuízos dos mais diversos ao seu empregador. Entendo que tais prejuízos (quando se fizerem presentes) não foram provocados de forma direta ou com intenção dolosa de prejudicar o empregador. Impossível de se provar o dolo nos casos de abandono.

Dada a ausência continuada do trabalhador por mais de 30 dias sem nenhum contato, após tentativas frustradas por parte da empresa em localizar o empregado pelos meios legais sem obter sucesso, fica caracterizado o abandono de emprego, conforme entendimento jurisprudencial. Em caso de naufrágio ou desaparecimento de aeronave, presume-se a morte após 120 dias contados da data do acidente, conforme Lei nº 3.577/41.

Vamos supor uma situação no qual o empregado falte 15 dias ou até mais sem comunicar o seu afastamento e na sequência retorne à empresa sem apresentar atestado médico ou sem dar qualquer justificava que poderia abonar as suas faltas. E neste caso, sem dúvida alguma o empregado estaria cometendo falta grave intencionalmente sujeito a receber diretamente uma justa causa amparada na desídia. Situação bem diversa de quem se afasta por abandono e nunca mais retorna. Então como é possível o trabalhador cometer falta grave se não estava em sua jornada de trabalho e fora do ambiente da empresa?

O empregado só comete ato faltoso nas faltas injustificadas No entanto, o próprio ato do abandono voluntário ou espontâneo já justifica por definição a ausência do emprego ou do mesmo modo podemos dizer que a justificativa é o abandono em si. Da mesma maneira que o artigo 443 da CLT prevê que o contrato de trabalho possa ser acordado da maneira tácita, teríamos no abandono uma demissão tácita na qual o demissionário poderia ou não retornar à empresa após 30 dias para saber se há verbas rescisórias à sua disposição ou não.

E claro que no abandono de emprego praticamente não há que se falar em verbas rescisórias, pois é devido o aviso prévio por parte do empregado por se tratar de demissão tácita não expressa e obviamente o desconto das faltas de 30 dias ou mais seriam descontados das verbas em haver, de maneira que o saldo da rescisão contratual seria zerado. Não há aqui nenhum prejuízo para a empresa.

Isto posto, existem centenas de livros escritos sobre o abandono de emprego, uma ocorrência absolutamente estranha no enquadramento da justa causa. Naturalmente que este artigo não esgota esse inquietante tema. Entendo o abandono de emprego uma espécie de demissão tácita, um ato voluntário e perfeitamente legítimo e que, portanto, é ilógico o empregador demitir por justa causa o trabalhador que abandonou o trabalho, pois estaria praticando um ato de demissão já realizado pelo empregado. No entanto, vale a pena repetir, trata-se de uma imposição legal, é como se a lei determinasse que o quadrado é redondo só porque ela assim determinou e sacramentou e ai de quem dela discordar, seja anátema!



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