segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Leitura recomendada: O Sono Eterno - Raymond Chandler (Excelência profissional / Ética / Lealdade)


 “O brilho do sol era tão vazio quanto o sorriso de maitre d’hotel” (Philip Marlowe)

Romances policiais nem sempre são entretenimento para passar o tempo. “O Sono Eterno” (The Big Sleep), de 1939, uma verdadeira obra de arte do escritor e roteirista americano e um gênio do estilo, Raymond Chandler (1888-1959) é uma prova disso. O protagonista da história é o famoso detetive particular Philip Marlowe, cuja ética moral, a conduta e a excelência profissionais estão acima dos honorários que recebe pelos serviços prestados. Um personagem construído (alter ego do autor?) magistralmente por Chandler e que juntamente com Philo Vance (S.S. Van Dine) e Sam Spade (Dashiell Hammett) acabaram inspirando outros detetives particulares que vieram depois como protagonistas dos romances policias

Perfil de Philip Malowe: hábil jogador de xadrez, deixa sempre em seu escritório um tabuleiro armado pra analisar lances que joga contra si próprio. Lê muita poesia, gosta de de conhaque, é sarcástico, irônico, sagaz, detentor de uma calma estóica, não se abala com ameaças, destrói seus oponentes com respostas rápidas elaboradas de uma construção lógico-analítica assustadora. Às vezes responde com o silêncio. Seus traços mais fortes são a conduta moral inabalável, a lealdade e a busca da excelência profissional.

A trama do livro: Marlowe é chamado por um general aposentado que está sendo chantageado por um desconhecido chamado Geiger. Este lhe envia fotos comprometendo uma de suas filhas. O chantagista pede muito dinheiro. O general tem duas filhas, Carmem e Vivian. Na entrevista, o general simpatiza com  Marlowe e o contrata, enquanto as duas filhas abominam o detetive. Para atrapalhar, o ex-marido de Vivian, Rusty Reagan era um ex-traficante que desapareceu sem mais nem menos sem deixar rastro. Seu carro foi encontrado numa garagem em local ermo da cidade. Nunca mais deu notícias. O general o tinha como um filho.

O que parecia ser um simples caso de chantagem fácil de resolver acaba se transformando em um quebra-cabeça complexo cada vez que Marlowe está prestes a capturar o chantagista. Muitas mortes aparentemente sem nexo ocorrem. Marlowe acaba envolvido num cenário no qual estão presentes uma livraria de fachada que vende livros pornográficos e objetos de arte falsificada, a máfia de cassinos, ruas escuras onde sempre está chovendo. É perseguido e emboscado por carros e pessoas estranhas que não querem que Marlowe descubra a verdade que está por trás da chantagem e do desaparecimento do genro do general.

Estamos diante de uma trama que se passa em cinco dias em que o chantagista é apenas o fio condutor para camuflar o desaparecimento inexplicável de Rusty Reagan, o genro do general. Marlowe, sagaz que é, e sem autorização do general que o contratou, tenta montar esse quebra-cabeça e segue a pista do desaparecimento de Rusty Reagan, embora o general não tenha pedido isso. No entanto, nenhuma peça se encaixa e na medida em que o tempo passa mais difícil fica buscar um sentido para tudo, aonde está o ponto de conexão, aonde uma peça se encaixa. E nunca se encaixa. Marlowe não encontra Rusty Reagan.

Então o detetive se apresenta ao general, sabe que prestou um serviço insatisfatório, segundo ele próprio. É duramente repreendido pelo general Sternwood e em razão disso se propõe a devolver o valor recebido pelos serviços prestados:

“Gostaria de oferecer o seu dinheiro de volta, talvez não significaria nada para o senhor, mas significaria muito para mim”.

Este é Philip Marlowe! Mas a trama, é claro, não termina aí. O cliente não aceitou a devolução que Marlowe propôs e ainda pediu que ele fosse em frente. E assim Marlowe o fez, usando toda a sua habilidade de exímio jogador de xadrez. Assim  sendo, Marlowe termina esse jogo brindando o leitor com um cheque mate surpreendente e arrasador, digno de um mestre enxadrista.

Temos aqui então um romance que não se resume apenas a uma trama policial, mas nos trás com muita inteligência e humor ácido lições de fidelidade ao cliente, a busca da excelência profissional e uma conduta ética profissional que não se encontra tão fácil por aí na qual um profissional altamente qualificado se dispõe a devolver os honorários por não ter executado um serviço de maneira satisfatória. Será que encontramos por aí um tipo como Philip Marlowe? Ou Marlowe é o tipo de profissional que apenas reside dentro os romances policias?



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