“Eu tentei fazer uma coisa boa” (Jack Mosley)
Às vezes alguns filmes classificados no gênero ação/policial acabam passando batidos das análises das relações de trabalho. É o caso desse magnífico filme, “16 Quadras" (2006), dirigido pelo saudoso diretor Richard Donner (Máquina Mortífera) cujo tema central envolve ética, caráter, dedicação profissional, redenção, amizade, mudança de comportamento (sim, as pessoas podem mudar), coragem nas tomadas de decisões que podem mudar a vida do profissional para sempre. Ainda que tal mudança possa custar caro.
Mensagem a Garcia
Coincidência ou não, mas o filme ilustra muito bem algo que é bastante divulgado nos cursos de administração que é a famosa Mensagem a Garcia. Grosso modo, Mensagem a Garcia é um ensaio escrito em 1899 pelo escritor e editor Elbert Hubbard e que foi traduzido para mais de 37 idiomas. Trata-se de uma exaltação a pessoas diligentes e com autonomia para executar tarefas e cumpri-las mesmo diante de adversidades de todos os tipos. Foi o que fez o policial Jack Mosley. O spoiler aqui é necessário. Sim, Jack cumpriu a missão que lhe foi dada e o preço saiu caro.
O argumento do filme
O policial Jack Mosley (Bruce Willys) recebe a missão de conduzir o preso Eddie Bunker (Mos Def) até o fórum central no qual Eddie vai prestar depoimento. Do presídio até o fórum são 16 quadras. E o trajeto que seria feito em apenas 15 minutos se transformou em duas horas de pesadelo para ambos sendo caçados pelas ruas por toda a polícia daquele distrito.
Perfil dos protagonistas
Jack Mosley (Bruce Willys na sua melhor e magistral performance na minha opinião) é um policial alcóolatra com um aspecto cansado, mal humorado e enfadonho, parece estar sempre embriagado. Porém, as expressões de seu rosto revelam sagacidade, experiência e inteligência. Fala pouco e age mais, toma decisões rápidas, precisas e improvisa com o que está disponível. Responde as perguntas de Eddie com o que conhecemos por “silêncio incômodo”.
Eddie Bunker (em grande performance do rapper Mos Def) é o oposto de Jack. É muito engraçado, um falastrão, otimista, carrega um caderno com receitas de bolos, tem como objetivo mudar de vida e abrir uma confeitaria em Seattle. Fecha um contraste perfeito em relação a Jack Mosley e confere uma leveza ao peso da trama. Os diálogos entre os dois são impagáveis e já valem o filme.
A missão
O policial Jack Mosley não estava em serviço naquela manhã e como ele pernoitou trabalhando já estava indo embora quando foi chamado pelo seu superior. Este pediu a ele que conduzisse um preso (Eddie Bunker) até o fórum local, perto dali. De início Jack relutou, mas acabou aceitando muito a contra gosto. No caminho Jack foi muito apático com Eddie e praticamente ignorou a tagarelice de Eddie que não parava de falar.
A emboscada
Jack, alcóolatra que era, para no meio do caminho e desce do carro para tomar um trago num bar. Ele deixa Eddie algemado no banco de trás. Enquanto Jack está no bar, dois marginais cercam o carro para eliminar Eddie. Ouve-se um disparo e lá estava Jack, firme, com um olhar perturbador e com a arma em punho. Ele eliminou o marginal antes que este atirasse em Eddie. E foi a primeira vez, entre tantas outras que Jack salvou a vida de Eddie. Jack logo compreendeu que Eddie estava na mira de alguém e não se tratava apenas de um ladrãozinho que iria depor.
Jack corre com Eddie para um esconderijo, no caso, um bar de um amigo. Lá, Jack pede reforço policial. Quando chega o reforço, um deles é Frank Nugent (também com uma brilhante performance do ator David Morse) ex-parceiro de Jack. Tudo indica que existem assuntos mal resolvidos entre eles. Frank quer que Jack entregue Eddie para ele que a partir dali assumiria o caso. Jack desconfia, mas não fala uma palavra. Então Frank abre o jogo para Jack. Eddie em troca de liberdade e ter a sua ficha limpa vai depor contra Jerry Shue, um policial dos mais violentos daquele distrito. Eddie tinha visto Jerry espancar e torturar um garoto nas quebradas. Se Eddie depusesse, Jerry entregaria os outros policias que faziam parte desse esquadrão corrupto, entre os quais, Frank e o próprio Jack Mosley. Sim, Jack também fez parte desse esquadrão violento.
Uma decisão certa numa hora errada.
Jack nada diz, ou responde com o seu “silêncio incômodo”. Frank acreditando que Jack entregaria Eddie, passa ordem para seus companheiros forjarem uma cena no bar dando a entender que a polícia chegou, Eddie reagiu e acabou então sendo alvejado pelos policiais. E mais vez ouve-se um disparo. Jack, pela segunda vez salva a vida de Eddie atirando na perna de Jerry Shue, policial que estava atrás de Eddie. O seu ex-parceiro Frank ficou atônito, não acreditava que Jack tinha feito isso, salvando a vida de um “ladrãozinho”. E isso muda tudo, agora a polícia ia no encalço não só de Eddie, mas de Jack Mosley também. Jack e Eddie escapam pelas portas do fundo do bar.
A partir daí Jack e Eddie são perseguidos pelas ruas, metrôs, subsolos de edifícios sempre a um triz de serem pegos. Há troca de tiros e Jack é ferido nas mãos e nas pernas. Nessa altura dos fatos, Jack Mosley já sabe que se Eddie depor, ele também será delatado pelos ex-parceiros e mesmo assim ele faz a opção de proteger a vida de Eddie.
Um lance de mestre
Jack e Eddie entram num ônibus cheio de passageiros. A polícia na perseguição atira nos pneus do veículo que acaba ficando inerte numa rua sem saída. Jack e Eddie acalmam os passageiros. A polícia tenta negociar com Jack a liberação dos “reféns”. Jack exige a presença de uma estenógrafa e da promotora de justiça. No entanto, experiente que é, ele sabe com quem está lidando, ele sabe que é fim de linha e jamais a polícia vai atender a sua solicitação. Eles serão eliminados assim que os passageiros forem liberados. Jack tem uma ideia brilhante, um lance de mestre, libera todos os passageiros. Eddie troca de roupa com um dos passageiros e sai do ônibus no meio da confusão. A polícia fica perdida. Jack fica sozinho dentro do ônibus, ele sabe que é o seu fim, então com um gravador portátil ele vai depor ali tudo o que sabe e começa: “meu nome é Jack Mosley, distintivo nº tal, eu tentei fazer uma coisa boa”... Então Eddie no meio da confusão retorna ao ônibus para salvar Jack enquanto a polícia fica sem saber o que fazer. Jack tem um plano b e arranca com ônibus que é metralhado pelos policiais.
O desfecho
Jack e Eddie ainda conseguem fugir. Eddie Bunker foi atingido, sangrava muito. Mas Jack mais uma vez salva a sua vida acionando a sua irmã que era enfermeira policial. Dentro da ambulância Eddie recebe os primeiros socorros, alguns pontos e fica bem. Jack diz a Eddie que ele não vai depor e revela que ele não era um policial legal e que fazia parte desse grupo de policias que Eddie iria denunciar. Porém, Jack libera Eddie para que ele siga o seu caminho para Seattle para então abrir a sua confeitaria finalmente em paz. Jack iria depor em seu lugar e assim o fez. Jack ainda teve que enfrentar uma ríspida discussão com seu ex-parceiro Frank que o espera no subsolo do fórum. Jack sabiamente gravou a confissão de seu ex-parceiro e se apresentou pontualmente à promotora confessando tudo, ou seja, o envolvimento dos policias corruptos, inclusive ele próprio. Em troca, Jack pediu à promotora que limpasse a ficha de Eddie Bunker. Fechado!
Jack pegou dois anos de prisão, não fica claro se ele foi exonerado ou não, mas o que isso importa? O que importa é que ele cumpriu a missão, protegeu a vida de Eddie, a missão foi cumprida (Mensagem a Garcia). Ele poderia ter entregue Eddie ao seu ex parceiro Frank naquele bar, teve outras oportunidades para isso, mas ele fez a coisa certa, optou pela boa conduta ainda que isso poderia lhe custar a prisão e o emprego, como custou.
Após os dois anos, Jack está com sua irmã e amigos em casa comemorando seu aniversário quando recebe uma encomenda numa caixa, no caso, um bolo. Junto com o bolo, as fotos de Eddie e sua confeitaria cujo nome Eddie batizou de "Eddie & Jack's Good Sign Bakery". Em cima do bolo estava escrito quatro nomes de pessoas que fizeram coisas ruins no passado mas mudaram de vida: Chuck Berry, Barry White, Eddie Bunker e Jack Mosley. Nunca é tarde para se tentar fazer uma coisa boa, mesmo que seja num dia de folga.
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