segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Regulamento Interno não é CLT às avessas


Brasileiro tem um certo fetiche para complicar, encher linguiça, e ser prolixo ao extremo. Sim, estou me referindo aos regulamentos internos das empresas que tenho visto por aí. Dias desses chegou-me às mãos um regulamento interno de uma empresa que possui nada mais nada menos que duzentos e oitenta (280!!) artigos. Isso é praticamente quase um terço da CLT com os seus 952 artigos. Trata-se de um volumoso livreto com encadernação luxuosa (quanto à encadernação, ok!) que só de olhar causa arrepios. Mas, para que isso?

Sabemos que o regulamento interno tem origem no poder diretivo do empregador. Vamos defini-lo conforme discorre o professor e jurista Emílio Gonçalves:

“Constituindo a empresa uma comunidade hierárquica de trabalho, compete ao empregador, como titular da mesma, a prerrogativa de fixar normas disciplinadoras das condições gerais e especiais de trabalho na empresa, em suma, exercer o poder regulamentar. O regulamento interno regula, em suma, as situações laborais da empresa, aplicando-se a todos os empregados atuais e futuros”.[1]

Pois bem, um regulamento interno não pode ser prolixo, de prolixidade já basta a CLT, ele deve ser sucinto, enxuto, de fácil compreensão e que aborde as questões básicas entre empregado/empregador tais como, prevenção, segurança, higiene e disciplina. Não faz sentido então dispor artigos sobre questões que já estão dispostas na legislação trabalhista em larga escala. É tempo gasto desnecessariamente. Exemplificando o que pode ser abordado no regulamento:

• Uso de crachás e uniformes 

• Uso de equipamentos de segurança 

• Prazo para entrega de atestados médicos 

• Regra para o uso da internet, celular, redes sociais, etc. 

• Regra para quando o colaborador perder o crachá 

• Determinar local próprio e horário para os fumantes 

• Punição prevista para quem não respeitar informações sigilosas 

• Determinar tempo de tolerância aos atrasos 

• Tratamento cordial para com os gestores e colegas de trabalho 

• Das licenças remuneradas previstas em lei 

• Do desconto no salário em caso de imperícia do funcionário, desde que, devidamente comprovada com laudos técnico.

Esses itens já bastam, mais do que isso é pretender criar praticamente uma CLT às avessas e não é esse o objetivo de um regulamento interno. Abaixo, algumas observações pontuais sobre o teor de um regulamento interno e que já escrevi em diversos artigos sobre a questão:

- O que for concedido por liberalidade pela empresa, pode ser regulamentado, suprimido ou alterado, no entanto, a supressão só terá valor para os novos empregados contratados, os antigos fazem jus ao direito adquirido anteriormente estipulado no Regulamento Interno, conforme determina a Súmula nº. 51 do Tribunal Superior do Trabalho-TST.

- O Regulamento Interno não se resume a um manual de punições e sanções disciplinares. É de bom alvitre conceder alguns benefícios aos funcionários não previstos em lei, tais como: assistência médica e odontológica, seguro de vida em grupo, abono de faltas, estabilidade, auxílio financeiro, licença prêmio para funcionários que tenham um limite mínimo de faltas no ano, etc. Obviamente que cada empresa dará concessões de acordo com a situação econômico-financeira de cada uma.

- Somente normas técnicas admitem modificações unilaterais necessárias. Quantos as normas de cunho jurídico só podem ser alteradas com o consentimento dos funcionários, isto porque, as normas do Regulamento Interno se aderem ao contrato de trabalho e quaisquer alterações passarão pelo crivo do artigo 468 da CLT.

- Os tribunais julgam o caráter relativo do Regulamento Interno e não genérico, para não ferir o poder de comando do empregador garantido no artigo 2º da CLT. A nulidade de uma cláusula não invalida todo o Regulamento, mas apenas a cláusula fulminada. 

- Uma das questões mais polêmicas é a cláusula regulamentar que as empresas adoram incluir no Regulamento Interno, e que trata dos descontos nos salários por danos e prejuízos decorrentes dos erros de seus funcionários no exercício de suas funções. O Tribunal Superior do Trabalho-TST, pronunciou-se sobre essa questão através da Súmula nº. 77: “Nula é a punição ao empregado se não precedida de inquérito ou sindicância internos a que se obrigou a empresa por norma regulamentar.”.

- Não constitui falta grave o empregado recusar-se a receber o Regulamento Interno da empresa, até consultar o seu sindicato de classe.

Vimos aqui apenas alguns itens. É recomendável que os itens sejam divididos em capítulos, por exemplo: Da admissão, dos deveres e obrigação do funcionário, das férias, da marcação de ponto, das faltas e atrasos, das licenças, das relações interpessoais, dos benefícios, das proibições, das penalidades, das disposições gerais, etc.

Cada empresa vai adequar o seu Regulamento Interno na medida de suas necessidades. No entanto, apesar de ser amparado pelo artigo 444 da CLT, este documento não deverá de maneira alguma conflitar com a convenção coletiva da categoria nem com a Consolidação das Leis do Trabalho-CLT, sob pena de ter as suas cláusulas abusivas anuladas pela Justiça do Trabalho e a empresa ter que arcar com indenização por excesso de rigor.

É prudente que o Regulamento Interno seja entregue ao colaborador em seu primeiro dia de trabalho e mediante recibo. No processo de integração do funcionário algumas empresas fazem uma leitura explicativa de cada item desse documento para que não haja dúvida alguma. Feito isso, essas regras automaticamente aderem ao contrato de trabalho. Não há um modelo padrão (há vários modelos na internet que podem servir de base), sendo que, sua elaboração deve se feita em conjunto com o RH da empresa, diretoria e gestores.

O regulamento interno tem prazo de validade indeterminada ou até que seja revogado e substituído por um novo. Portanto, a prudência e o bom senso, deverão servir de parâmetros na elaboração deste documento que repito, deve ser sucinto e de fácil compreensão, um livreto de 20 a 30 páginas resolve a questão. Só que não, Deus do céu! O sangue burocrático corre fervendo nas veias de quem elabora esse documento! Então que venham o volume II, III, IV e de preferência com mil artigos e duas mil páginas!!

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[1]GONÇALVES, Emilio. O Poder Regulamentar do Empregador, editora LTR, SP/1985


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