Nenhum autor está imune às depredações de uma crítica ideologicamente motivada, o que significa dizer que a nossa preocupação com a integridade do cânone de ser uma preocupação também com o ensino responsável. Também deve ser dito que a luta desordenada para redigir listas de leitura aprovadas teve o infeliz efeito de sugerir a alguns que os que apoiam o cânone desejam impor um tablete imutável de textos previamente certificados a alunos desconhecidos. Na verdade, nenhum comentador sério acredita – ou disse – que o cânone é um catálogo sacrossanto de livros que nunca possa ser alterado ou ter-lhe algo acrescentado. Mas isso não é negar que existe um corpo de textos de tradição ocidental que deve ser o centro de uma formação em humanidades, trabalhos que personificam o que Roger Shattuck, um dos nossos pesquisadores capitais de literatura francesa moderna, chamou de “versões aceitas de grandeza”, “escalas da eminência humana, qualidades a se admirarem e, talvez, emular”.
Claro, o número de livros que pertencem a esse centro é bem maior do que muitos alunos vorazes poderiam esperar dominar mesmo se lhe fossem dadas muitas vidas. Nesse sentido, “formar-se” é um ideal a que muitas pessoas somente poderiam aspirar. Ainda assim, quando se trata do conteúdo de formação das humanidades – isso é, quando se trata de trabalhos e das obras que devem ser estudadas durante os quatro anos de carreira de graduação de alguém -, decisões precisam ser tomadas. O critério, antes de tudo, não é se determinado trabalho está incluído em alguma lista imaginária de grandes livros, mas se ele se mostrou como sendo de permanente interesse. Alguns trabalhos demonstram o seu insight, a sua beleza ou verdade para tantas pessoas eruditas por tanto tempo que falhar em lê-los é o mesmo que consignar a si mesmo a categoria de não erudito. O meu ponto de vista pessoal é que uma educação em humanidades deve concentrar-se tão rigorosamente quanto puder em obras que provaram ter valor permanente; na prática, isso significa dizer que pouquíssimas obras contemporâneas devem fazer parte do currículo da graduação. Isso não quer dizer que alunos não devem ler a ficção ou a crítica contemporânea, nem que eles não devam ir ao cinema, ouvir música contemporânea e mergulharem, em geral, na vida do momento. Na verdade, qualquer pessoa jovem que seja intelectualmente ativa e curiosa fará todas essas coisas, naturalmente. A questão principal é que a cultura contemporânea não deve formar a base da educação universitária. Deve-se olhar para o passado, não para as ruas, olhar para a substância do currículo de humanidades. [...]
O imperativo multicultural segue sob a suposição de que toda a vida cultural deve ser explicada em termos políticos. [...]
A noção tradicional da educação das humanidades é inquestionavelmente elitista, no sentido de que ela se concentra no pináculo da conquista humana e intelectual. Também se deve admitir que nem todo mundo está interessado ou é capaz de tirar proveito da educação liberal concebida nesses termos. A Verdadeira tirania é privar os alunos do melhor que foi pensado e dito em nome de uma outra versão de retidão política. [...]
Nós também descobrimos que as humanidades não se tornaram mais politizadas, elas simplesmente despertaram para o fato de que “tudo é política”. Tampouco as humanidades abandonaram as grandes obras, elas apenas expandiram a definição do que conta como grande. E assim por diante. [...]
Como o germanista John Ellis recentemente observou, “há vinte anos ninguém teria acreditado que justamente os professores um dia defenderiam que as universidades devam ter uma função explicitamente política”. É a sovietização da vida intelectual, em que o valor de uma obra é determinado não pelas suas qualidades intrínsecas, mas pelo grau de apoio a uma determinada linha política.
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