Após o grave acidente no Distrito Federal em que um ônibus foi atingido por um trem cargueiro em alta velocidade resultando em óbito de uma passageira e deixando vários feridos, veio à tona um tema que nem deveria ser motivo de debate por motivos óbvios que é a instalação de cancelas nas passagens de nível. Devemos lembrar que em Março desse ano ocorreu outro grave acidente em Jandaia do Sul, no estado do Paraná quando um ônibus escolar também foi atingido numa passagem de nível e duas crianças vieram a óbito e com diversos feridos gravemente. Por que não havia cancelas nessas passagens de nível, sobretudo no local onde ocorreu o acidente no Distrito Federal sendo que se trata de uma via expressa com um fluxo intenso de veículos? A imprensa irresponsável correu para demonizar o motorista do coletivo e nem uma palavra sequer sobre a instalação de cancelas.
No parágrafo acima citei que o trem estava em alta velocidade. Eu explico. De acordo com o depoimento do maquinista, no momento da colisão a locomotiva trafegava a 30 Km/h. Pode parecer uma velocidade baixa, mas não é se levarmos em conta que a passagem de nível na qual ocorreu o acidente cruza uma via expressa com um considerável fluxo de veículos como já citei. Observando diversas passagens de nível em cidades do interior de São Paulo e também de Minas Gerais constatei que comboios de trens passam quase parando nas passagens de nível, alguns chegam até a parar e apitar. Cansei de presenciar essa cena. Portanto, 30 Km/h por hora parece-me uma velocidade incompatível com uma via expressa com alto fluxo de veículos e sem cancelas. Não sabemos se 30 Km/h por hora em passagens de nível é uma velocidade deliberada pelo maquinista ou é instrução da própria Cia ferroviária em seus regulamentos do setor de Segurança do Trabalho, razão pela qual não podemos precipitadamente culpar o maquinista. Quero acreditar que essa Cia tem um competente setor de segurança do trabalho.
Como já escrevi no artigo anterior a esse, na maioria dos países pelo mundo, o transporte ferroviário seja de composição cargueira ou de passageiro é bastante utilizado compreendendo uma malha ferroviária infinitas vezes mais extensa do que no Brasil. Esses trens cruzam bairros, cidades, centros urbanos em passagens de nível e o índice de acidentes é próximo ao zero com exceção da Índia, país no qual a malha ferroviária pela sua dimensão gigantesca está bastante sucateada, ultrapassada e mal cuidada. O que faz o índice de acidente ser praticamente inexistente na maioria dos países é a instalação de cancelas eletrônicas controladas por sensores e softwares além da sinalização ostensiva. Dificilmente falha.
Vamos ver agora então a quem caberia a responsabilidade de instalação de cancelas em passagens de nível. Em Dezembro de 2022 a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça firmou acórdão em razão de uma demanda envolvendo uma empresa privada de ferrovia que opera em 21 bairros de Criciúma-SC., e o Ministério Público de Santa Catarina. Para isso, o STJ valeu-se do Decreto nº 1.832/1996 que trata do regulamento dos transportes ferroviários e do Código de Trânsito Brasileiro. Vejamos:
Decreto nº 1.832/1996, artigo 10, parágrafo 4:
§ 4° O responsável pela execução da via mais recente assumirá todos os encargos decorrentes da construção e manutenção das obras e instalações necessárias ao cruzamento, bem como pela segurança da circulação no local.
Código de Transito Brasileiro, artigo 24, inciso III:
Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição: (Redação dada pela Lei nº 13.154, de 2015). III - implantar, manter e operar o sistema de sinalização, os dispositivos e os equipamentos de controle viário.
Assim sendo, decidiu o STJ:
“Se ferrovia é anterior ao bairro, município deve pagar por obras de sinalização.”
Aqui o REsp Nº 1.569.468 - SC (2015/0300604-6)
Outrossim, em razão do acidente em Jandaia do Sul, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 1066/23 "que torna obrigatória a instalação de cancelas automáticas equipadas com dispositivos sonoros e visuais, e de semáforos nos cruzamentos rodoferroviários e passagens de nível em zonas urbanas ou de expansão urbana. Além disso, a velocidade máxima dos trens nesses trechos será de 15 km/h".
No caso do acidente no Distrito Federal vemos um gradiente de responsabilidades que passa pelo condutor do coletivo, aumenta a nuance quando passa pelo maquinista e pela Cia ferroviária e ganha cores fortes (muito fortes!) ao atingir o poder público municipal que na minha opinião é omisso nessa questão que envolve segurança nas passagens de nível. Pois é, mas que surpresa, não? A instalação de cancelas não rende votos e em acidentes como esses é muito mais prático e fácil dar as mãos à imprensa e culpar em uníssono o condutor do coletivo.
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