segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

O mercado de trabalho grita: não queremos mais bacharéis, já deu, basta!



Já há algum tempo (um século talvez?) que o mercado de trabalho no Brasil vem sinalizando insistentemente que o contingente de formandos das mais diversas profissões jamais será absorvido pelas empresas nas mais variadas atividades econômicas, seja na indústria, comércio ou prestação de serviços. Essa sinalização do mercado de trabalho vem sendo transmitida através de respostas pontuais e cirúrgicas. Vamos analisar apenas duas dessas respostas, por sinal, matadoras: 

A primeira resposta é tão óbvia que nem precisa ser um expert em matemática para entendê-la:

1 - Não existe no mercado de trabalho tantas empresas assim que absorverão zilhões desses formandos. Em razão da insegurança jurídica, sobretudo no setor trabalhista (a CLT é campeão no pódio das maldades), tributário/fiscal e também pela burocracia insana para se abrir uma empresa no Brasil, não há incentivo algum para que novas empresas iniciem atividades. As poucas que existiam estão falindo, fechando suas portas para sempre e arriscando atuarem em outros países. Alguém aí falou em Paraguai?

A segunda resposta é algo que faculdades e universidades (públicas e privadas!) fingem (de propósito) que não entendem a linguagem do mercado e insistem no erro. No entanto, o mercado de trabalho é implacável e não compra gato por lebre:

2- Os formados despejados no mercado de trabalho não atendem as necessidades imprescindíveis requeridas pelas empresas no que diz respeito às habilidades e expertise profissionais. O mercado rejeita peremptoriamente profissionais que se intitulam “agentes de transformação social” e contaminam as empresas trazendo ideologias nefastas e chinfrim, e isso é fato inconteste!

Somente essas duas respostas sinalizadas pelo mercado de trabalho são mais do que suficientes para provar com A+B que esse sistema de universidades e faculdades formarem pessoas para o mercado de trabalho falhou miseravelmente. E falhou duplamente porque esse sistema nem forma um profissional muito menos lhe dá uma formação cultural que desenvolva no discente uma percepção da realidade mais precisa para suportar adversidades e enfrentar a vida.

E não, caríssimos, a universidade não foi criada para formar pessoas para o mercado de trabalho, pois até o século XVIII o propósito da universidade era de fomentar e transmitir a unidade do conhecimento através do estudo de disciplinas específicas correlatas ou não. Era preciso que o interessado em ingressar na universidade após versado nas Artes Liberais (Trivium/Quadrivium) tivesse vocação para os estudos nas mais diversas disciplinas, não era para qualquer zé mané que deseja apenas ter um diploma e ser chamado de “dotô” como é hoje. O tacanho sistema de ensino atual foi criado na antiga Prússia por governantes tiranos apenas para formar soldadinhos obedientes bem ao gosto da realeza.  Além da Prússia outros países aderiram ao perverso modelo por motivos óbvios, na verdade esse sistema atual de ensino universitário é um produto 100% estatal, logo boa coisa não é, não vai prestar como tudo que é produzido pelo Leviatã.

O Brasil é um dos únicos países do mundo no qual o fetiche por um diploma superior é algo doentio, como diria o saudoso jornalista Paulo Francis, no Brasil diploma universitário é fetiche de jeca tatu deslumbrado portador crônico de complexo de superioridade ou inferioridade dependendo do ponto de vista.

E dá-lhe outro ponto crítico: a carência de técnicos! Sim, os cursos técnicos sejam em qualquer profissão capacitam os formandos com muito mais habilidades para exercerem a profissão com excelência, pois a tríade demoníaca Marx/Freire/Foucault (os mais estudados nas universidades brazucas) passam ao largo dos cursos técnicos. Existem muitos cursos técnicos disponíveis para diversas profissões, mas ainda assim não atendem à demanda do mercado, precisamos de muito mais cursos técnicos e cursos livres.

Entretanto, o mercado de trabalho também trouxe um manancial de soluções para esse problema. Novas modalidades de trabalho sem vínculo empregatício surgiram rapidamente que nem sonhávamos até 10/15 anos atrás, só para citar duas delas, os influencers digitais e os cursos e-learning. E atualmente há uma expansão considerável de pequenas transportadoras (TAC - transporte autônomo de cargas) que prestam serviços para grandes comércios online como é o caso da Shopee e tantas outras.

Há muito tempo que o setor de recrutamento e seleção não exige mais dos candidatos diploma de curso superior. Às vezes pode constar no anúncio "desejável curso superior", o que não significa que o candidato formado será o contratado. E de novo, o que importa são as habilidades e expertise profissionais que pesam mais no momento da contratação e naturalmente algumas características específicas do perfil do candidato.

Em Maio deste ano, escrevi o artigo "diploma de curso superior não garante promoção de cargo", então já passou da hora de ouvir o grito rouco do mercado de trabalho que diploma de curso superior não garante contratação, pelo contrário, afasta cada vez mais o candidato de ser contratado e o coloca frustrado e sentado na mesma condição da figura da imagem que ilustra este artigo. Portanto, bacharéis no mercado de trabalho, já deu, basta!

 

segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

Filme Recomendado para quem atua no setor de recrutamento & seleção: O Que Você Faria? (El Método)




Sete pessoas, cinco homens e duas mulheres, candidatos a um cargo executivo numa multinacional são convocados para participarem de um inusitado processo seletivo no qual, um deles sairá dali empregado. São confinados numa bela sala e informados que o processo se dará através de uma dinâmica de grupo denominada “Método Grönholm.” E o que seria esse método? Parece que nenhum candidato ali presente tenha consciência do que seja tal método.

Já há um estranhamento quando um dos candidatos chega atrasado para o teste e é recebido por uma secretária pernóstica. Ela manda o candidato preencher um formulário que pede informações que todos os candidatos já haviam respondido através de seus currículos. Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência. Quem já não encontrou pela frente uma secretária dessas?

Todos presentes, os candidatos começam a receber instruções e os desafios através de um computador. O primeiro desafio é surpreendente, eles terão que descobrir o próprio recrutador da empresa infiltrado no grupo! Dali em diante, através de desafios cada um mais bizarro do que o outro, terão que ir se eliminando um a um.

Durante a realização dos testes, naturalmente os ânimos se exaltam. Os limites de cada candidato são testados por eles próprios ao paroxismo. Há fases de extrema tensão na qual parece que alguém irá extrapolar ou chegar às vias de fato a qualquer momento. Isto porque, valores éticos e morais de cada candidato são colocados em xeque a todo instante. Nada como encurralar a conduta ética-profissional na parede.

Para complicar mais ainda, durante a seleção, há uma violenta manifestação nas ruas de Madri contra a reunião do G8. Alguém insinua que um dos participantes teve um passado marcado por um engajamento político-ideológico. É um dos pontos mais tenso do filme que dará um novo rumo ao processo de seleção até o momento final que é absolutamente desconcertante e muito inteligente.

O filme é uma adaptação da peça “O Método Grönholm” de Jordi Galceran Ferrer. Na verdade, pode-se dizer que esse processo seletivo está bem próximo do teatro do absurdo, uma crítica aos processos seletivos (alguns tão absurdos como as peças de Ionesco!) nos quais os candidatos são submetidos (desnecessariamente) a situações humilhantes, vexatórias e inverossímeis. Um excelente filme, sobretudo, para os profissionais de RH. Além disso, são poucos filmes que abordam a questão do recrutamento & seleção nas empresas de maneira tão precisa, criativa e bastante divertida. Recomendadíssimo!

Obs: Na condição de recrutador, por duas vezes eu participei de processos de seleção nas quais eu fui o recrutador infiltrado. É bem divertido e eficaz no sentido de observar quem toma iniciativas criativas, quem é o mais assertivo, o mais ético e demais características da personalidade do candidato. Esse tipo de recrutamento funciona mais para cargos de chefia, direção e supervisão. Para outros cargos, não recomendo.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

Truques e dicas são termos usados por amadores, técnicas são termos profissionais




Quem ainda não se deparou com vídeos ou artigos cujos títulos diziam: “truques para que seu computador não trave ‘mais” ou “dicas para fazer um arroz soltinho”? Dificilmente vemos artigos ou vídeos cujos títulos sejam: “técnicas para otimizar o seu computador” ou “técnicas para fazer um arroz perfeito”. Quais as diferenças entre esses termos e que são muito usados por amadores e mesmo por profissionais das mais diversas atividades?

Bem, vamos começar definindo esses termos utilizados: 

“Truque” é a ação que visa iludir alguém, ou seja, seus efeitos são sempre ilusórios, tanto que é a principal ferramenta utilizada pelos prestidigitadores ou ilusionistas. A palavra tem origem francesa e significa disfarce.

“Dica” é a corruptela da palavra indicação e significa na prática uma informação útil sobre algo pouco conhecido, quase uma revelação de um segredo.

“Técnica” é um procedimento obtido por um conjunto de habilidades aplicadas para atingir um resultado satisfatório e específico seja na ciência, na tecnologia, na arte ou em qualquer outra área. Em outras palavras,  técnica é um conjunto de regras, normas ou protocolos que se utiliza como meio para chegar a uma certa meta ou atingir um resultado plenamente satisfatório. A origem da palavra vem do grego “téchne”. O termo apareceu pela primeira vez na obra Metafisica, de Aristóteles.

Na maioria dos casos quando nos deparamos com o termo truque para isso ou truque para aquilo, na verdade são simplesmente técnicas, algumas até sofisticadas para se obter o resultado pretendido. E nestes casos, o termo “truque” utilizado está absolutamente fora de contexto. Com certeza a pretensão de quem se dispôs a ensinar não foi criar um efeito mágico ou ilusório, mas oferecer uma solução para um problema. Por exemplo:

Quando um especialista em informática se dispõe a lhe ensinar “truques” ou “dicas” para que seu computador navegue mais rápido e sem travamentos, na verdade ele está ensinando rotinas técnicas que ele estudou e já testou algumas vezes para chegar a um resultado satisfatório, por exemplo, limpando arquivos desnecessários que estejam em pastas ocultas em seu pc e que podem causar lentidão do sistema.

Na maioria dos países o termo “truque” quase nunca é utilizado por tratar-se de um termo pejorativo quando a intenção é ensinar alguma coisa .O único caso paralelo que podemos encontrar em outros idiomas são os termos em inglês “trick” para truques e “tips” para dicas. Por que então a maioria dos profissionais prefere utilizar os termos “truques” ou “dicas” ao invés de técnicas?

Bem, sabemos que o brasileiro médio sendo adepto da lei do mínimo esforço gosta de tudo pronto, tudo na mão e de maneira mais fácil possível. O termo “técnica” com certeza poderá causar uma impressão ruim, que envolve procedimentos complicados para a sua execução. Já o termo “truque” sugere algo rápido, um atalho fácil para execução de uma tarefa.

Na verdade quem se beneficia do “truque” terá que necessariamente executar os mesmos procedimentos técnicos de quem está ensinando para se chegar a um resultado, porém com uma significativa diferença: o beneficiário não teve que se debruçar em leituras, pesquisa e testes práticos de quem está ensinando.

Isto posto, no meu entendimento acredito que o termo “truque” não deve ser utilizado por um bom profissional que seja expert na sua área de atuação e esteja disposto em disponibilizar gratuitamente os seus conhecimentos pelas redes sociais ou outros meios. No entanto, se a utilização do termo “técnicas” poderá transmitir grau de dificuldade ou mesmo sofisticação (e vamos combinar aqui, o brasileiro tem pavor de sofisticação), eu sugiro utilizar o termo “dicas”, pois confere a quem ensina mais credibilidade do que simplesmente "truques". “Dicas”, ao menos é um termo de fácil assimilação e que não assusta. Portanto, nada de “truques”, pois estes pertencem aos mágicos e ilusionistas. Fica aqui a dica!


segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Cláusula no contrato de trabalho que prevê desconto por danos é abusiva, imoral e antiética





Um dos primeiros documentos que solicito quando presto consultoria pela primeira vez numa empresa é o modelo de Contrato de Trabalho utilizado nas contratações. Em cada 10 contratos de trabalho que analiso, 11 deles contém a seguinte cláusula: “Em caso de dano causado pelo EMPREGADO, fica a EMPREGADORA autorizada a efetivar o desconto da importância correspondente ao prejuízo, o qual fará com fundamento no § 1º do artigo 462 da Consolidação das Leis do Trabalho, já que essa possibilidade fica expressamente prevista em contrato”. Oriento então para que essa cláusula seja retirada imediatamente e nunca mais seja colocada, afinal quem disse que o § 1º do artigo 462 da CLT tem essa interpretação? 

Vejamos com calma o artigo 462 e o§ 1º:

Art.462: Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo.

§ 1º: Em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde que essa possibilidade tenha sido acordada (grifo meu) ou na ocorrência de dolo do empregado.

Então, colegas, pensemos juntos, vamos lá: deixemos de lado a frase “ou na ocorrência do dolo”, que até aí tudo bem e vamos ao trecho grifado por mim: por acaso a redação desse parágrafo diz, previamente acordada no contrato de trabalho? Não, não diz. Então quando se dá o momento desse acordo? Quem propõe o acordo? O empregador? O empregado? Porque um acordo sempre depende do aceite da outra parte, não existe acordo imposto e de mão única. Como pode ser possível propor um acordo para uma situação que ainda não ocorreu?  Viram que beleza que é a “clareza” de um artigo da CLT que eu chamo carinhosamente de Chicote no Lombo dos Trabalhadores?

Essa cláusula que prevê desconto no contrato de trabalho é absolutamente ilegal, imoral e antiética, fundamentada numa redação obscura, confusa e incerta do artigo 462, § 1º da CLT. Essa cláusula revela a presunção de que o empregado irá causar prejuízo, e que deverá sofrer os devidos descontos em seu salário seja o dano acidental ou não. Trata-se de cláusula abusiva sem dúvida alguma.

O Tribunal Superior do Trabalho-TST há muito tempo já se pronunciou sobre a questão através da Orientação Jurisprudencial  SDI 160. Vejamos:

OJ-SDI 160: “É inválida a presunção de vício de consentimento resultante do fato de ter o empregado anuído expressamente com descontos salariais na oportunidade da admissão. É de se exigir demonstração concreta do vício de vontade”.

Não estou isentando o empregado da responsabilidade de um dano não doloso que ele causou, cada situação tem que ser analisada com minúcia para daí sim se falar num possível acordo entre as partes, tenha a proposta desse acordo partido do empregado ou do empregador. Ora, quem quebra acidentalmente um objeto numa loja, moralmente se prontifica naquele momento a ressarcir o prejuízo ao proprietário, pelo menos a maioria das pessoas assim o faz. Então, por que o empregado não o faria? Pelos meus anos de experiência posso garantir que a maioria dos empregados honestamente assume o prejuízo propondo o ressarcimento do prejuízo através de descontos em parcelas de seu salário.

Apresentar o contrato de trabalho para o empregado assinar no momento da admissão com uma cláusula tão estúpida como essa não é propor acordo algum, não existe amparo legal para proposição de qualquer tipo de acordo prévio já prevendo que o empregado causará algum tipo de dano para o empregador,  o TST já se pronunciou há muito tempo sobre a questão como vimos acima.

Trata-se, portanto, de cláusula abusiva, imoral e antiética, porém a maioria das empresas assim procede. E por que assim procede? Porque assim sempre foi feito, porque todos fazem assim e nunca ninguém reclamou, porque o RH às vezes opera no piloto automático. Por isso, é sempre bom lembrar: o que é errado é errado, ainda que todos estejam fazendo, o que é certo é certo, ainda que ninguém esteja fazendo. A CLT está repleta dessas armadilhas. E se você gosta de resolver armadilhas, esqueça as palavras cruzadas ou quebra-cabeças diversos, procure logo a CLT, você vai se deliciar.

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Contrato de Trabalho CLT (Artigo 442) é Contrato de Adesão, uma armadilha para o trabalhador





No primeiro dia de trabalho, o funcionário passa pelo departamento de pessoal para assinar o seu contrato de trabalho que já está devidamente pronto. Por acaso algum chefe de pessoal já presenciou o novato questionar alguma cláusula desse contrato? Comigo nunca aconteceu, desde os cargos operacionais até os mais altos cargos de gerência executiva, nunca ninguém me disse: “olha, eu não vou assinar porque não concordo com essa ou com aquela cláusula”. Então, sejam todos bem vindos ao Contrato de Adesão!

O Contrato de Adesão é todo aquele que tem como premissa, assina aí ou a porta da rua é a serventia de casa. Quem não concordar com as cláusulas e não quiser assinar, outra pessoa vai assinar bem depressa e sorrindo. Ou também podemos definir assim: aceita ou não tem o emprego, simples assim. Vejamos a sua origem:

O Contrato de Adesão surgiu na França no ano de 1855 pelas penas do doutrinador jurídico Raymond Saleilles. Trata-se simplesmente de um contrato unilateral com cláusulas pré-dispostas e que o aderente não tem poderes de argumentar, discutir ou questionar cada cláusula desse contrato. É pegar ou largar.

Muitos doutrinadores entusiastas desse tipo de contrato alegam agilidade e praticidade em não se perder tempo na elaboração das cláusulas no fechamento de qualquer tipo de negócio. A grande desvantagem é a possibilidade da disposição de cláusulas abusivas com enorme prejuízo para o aderente que não participou da elaboração desse contrato. O que a doutrina considera como cláusulas abusivas são as cláusulas vexatórias, onerosas, opressivas entre outras expressões.

Vemos esse tipo de contrato nas operações de empréstimos, locação de imóveis, seguradoras, convênios de saúde dos mais diversos segmentos, etc. Quando surgiu não tinha como objetivo as relações de trabalho e sim oferecer agilidade nas relações de consumo. A sua figura no setor trabalhista no Brasil só passou a ser utilizada após a promulgação dessa ferramenta de tortura ao trabalhador chamada CLT. A redação obscura dos artigos pertinentes ao contrato de trabalho deixou larga margem para que esse tipo de contrato de adesão viesse a ser adotado na prática. E assim tem sido feito desde então.

Pois bem, a saudosa professora e magistrada, Alice Monteiro de Barros em seu livro “Curso de Direito do Trabalho”, no capitulo sobre o contrato de trabalho, analisa sabiamente a questão. Vejamos: 

“Para Cesarino Júnior, o contrato de trabalho é do tipo de adesão, isto é, o empregado adere sem discutir o esquema do contrato individual, já prefixado em parte pela lei, pela convenção coletiva e pelo regulamento da empresa. Cotrin Neto e Arnaldo Süssekind também veem no contrato de trabalho fortes características de adesão”. “Aderimos ao mesmo posicionamento. O contrato de trabalho é do tipo de adesão".

“Lembre-se que à luz do art. 423 do Código Civil vigente, quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar interpretação mais favorável ao aderente. Em se tratando de aplicação subsidiária ao Direito do Trabalho, o aderente é o empregado”.

Esse tipo de contrato de adesão obviamente abre a possibilidade de dispor cláusulas abusivas as quais o novo funcionário nada pode fazer e nem questionar, mesmo porque é raríssimo encontrarmos pessoas que entendem minimamente de questões ou teorias contratuais. Muitos supervisores de RH não possuem o domínio técnico do assunto, é muito raro algum profissional do setor abordar essa questão. Darei aqui apenas dois exemplos de cláusulas abusivas que encontro por aí nos contratos de trabalho:

“Em caso de dano causado pelo EMPEGADO, fica a empregadora autorizada a efetivar o desconto da importância correspondente ao prejuízo, o qual fará com fundamento no § 1º do art. 462 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, já que essa possibilidade fica expressamente prevista em contrato.”

“Obriga-se também o EMPREGADO a prestar serviços de horas extraordinárias, sempre que lhe for determinado pela EMPREGADORA na forma prevista em lei.” 

Eu já escrevi diversos artigos abordando as cláusulas abusivas no contrato de trabalho. Quando presto assessoria para uma empresa, os primeiros documentos que analiso são justamente todos os contratos de trabalho, e quando vejo cláusulas abusivas como as que citei acima eu oriento no sentido para que os novos contratos firmados não disponham esse tipo de cláusula.

Tem-se a impressão que cláusulas abusivas dessa natureza são dispostas propositalmente pelos empregadores malvadões só para ferrar com os funcionários. Não é bem assim. Muitas empresas há décadas e automaticamente elaboram o contrato de trabalho dessa mesma forma simplesmente porque a maioria sempre assim o fez e ninguém nunca reclamou. É como se o RH funcionasse no piloto automático. Também já escrevi um artigo sobre isso. No entanto, é óbvio que esse tipo de contrato favorece totalmente o empregador, sendo que alguns usam em abundância de cláusulas abusivas.

O contrato de adesão é totalmente inadequado para as relações de trabalho, ele não surgiu para essa finalidade e sim para as relações de consumo. Trata-se de uma armadilha contra o empregado, um monstrengo jurídico, um Frankstein venenoso que a CLT criou para os trabalhadores. A boa notícia é que existem antídotos contra esse veneno, a saber: A pejotização é uma boa alternativa, bem como trabalhar na condição de autônomo ou de freelancer. Outra solução seria a utilização do contrato de prestação de serviços disposto no artigo 494 do Código Civil no qual os dois lados, contratante e contratado discutiriam de forma paritária as cláusulas que lhe são mais vantajosas. Ato continuo, desaparecem as figuras de empregado/empregador e não existirá mais uma relação de subordinação mas de equilíbrio bilateral.

Pelo menos, nas relações de consumo, o Código de Defesa do Consumidor proíbe cláusulas abusivas em seu artigo 51 § 4:

“É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes”.

Bem, e nas relações de trabalho, o que o empregado pode fazer para se livrar dessas cláusulas abusivas? Acionar a empresa através de um advogado para neutralizá-las ainda que ele esteja prestando serviços nessa empresa? Denunciar para quem uma vez que esse tipo de contrato é considerado legal? As alternativas eu já sugeri acima ou seja, estão fora da CLT. As cláusulas abusivas são apenas o efeito de uma enfermidade que atende pelo nome de contrato de adesão, um produto 100% CLT. Então, por enquanto, novato, assina aí, ou...

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MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino. Contrato de Adesão.São Paulo:Editora Atlas

2002

MONTEIRO DE BARROS, Alice. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Editora LTr, 2012

segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Estabilidade no emprego é uma tremenda bobagem e uma imensa barreira na geração de novos empregos




Qual empregado não deseja ter estabilidade no emprego? Posso afirmar com certeza que  esse é o sonho de muitos trabalhadores. Não é à toa que muita gente presta diversos concursos públicos insistentemente até conseguir a aprovação. Isto porque a estabilidade traz segurança financeira, algumas regalias decorrentes do tempo de casa , promoções e poder. No entanto ela também implica em acomodação, zona de conforto, desgaste mútuo nas relações entre empregado/empregador e portanto, deve ter os seus limites. 

O fator estabilidade no emprego produz um impacto absurdamente negativo no mercado de trabalho. É um óbice considerável na criação de novos postos de trabalho. De acordo com os dados fornecidos pelo MEC e pelo INEP, a cada ano, 1,1 milhão de pessoas concluem o curso superior. O IBGE aponta 3,4 milhões de pessoas concluem por ano cursos técnicos ou de outras qualificações profissionais. Como o mercado de trabalho pode absorver todo esse contingente de formandos, muitos egressos da universidade, outros dos cursos técnicos?  É praticamente impossível. Não há emprego para todas essas pessoas.

Há duas ou até três décadas atrás, os serviços que exigiam um quadro de colaboradores de 20 a 30 profissionais, atualmente, com o desenvolvimento tecnológico, sobretudo da IA que já está substituindo alguns cargos, tais serviços não requer mais do que 5 ou 6 funcionários, dependendo da atividade da empresa, às vezes até menos. Opera-se com um quadro de funcionários bastante enxuto. Levando-se ainda em conta que a terceirização veio para ficar definitivamente, inclusive no serviço público.

Em dezembro de 2018, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) aprovou o fim da estabilidade do servidor público federal que tenha sua produtividade abaixo do desempenho, produtividade essa que é avaliada através de pontuações. Após avaliação, a exoneração passará antes por processo administrativo.

A ideia da estabilidade no emprego, como não podia deixar de ser, teve origem na famigerada CLT, um produto criado por mentes doentias, fascistas e totalitárias (desculpem-me a redundância). Cravou-se no artigo 492 deste diploma a estabilidade do empregado que tivesse 10 anos na mesma empresa. Com a aprovação do FGTS, o artigo acabou virando letra morta tacitamente. Ainda bem!

E qual seria o tempo justo de um contrato de trabalho? O tempo adequado para um contrato de trabalho de um trabalhador deve ser entre 4, no máximo 5 anos. É tempo suficiente para o desenvolvimento de um plano de carreira, pois este só existe em empresas de grande porte e algumas poucas de porte médio. E por que 4/5 anos? Vejamos:

No decurso de 4 a 5 anos, o trabalhador já conta com um saldo bem razoável de FGTS, já acrescido das correções monetárias habituais. Na rescisão do contrato, além das verbas rescisórias, o trabalhador pode sacar todo o saldo do FGTS.  Com esse valor em mãos ele pode abrir o seu próprio negócio, mesmo que seja no setor de serviços ou consultoria, por exemplo. Afinal, da mesma maneira que muitos sonham com a estabilidade de um emprego, muitos também sonham em abrir o próprio negócio. Nada como ser o patrão de si próprio.

Ao deixar a empresa, uma vaga foi aberta. E se o ex-funcionário empreender o seu próprio negócio, com certeza ele vai precisar de início pelo menos um ou dois funcionários que seja, e por conseguinte mais uma ou duas vagas foram abertas. São justamente essas vagas que são abertas que serão preenchidas por aqueles que estão acabando de se formar, seja do curso superior ou do técnico.

Além disso, o funcionário que trabalha na mesma empresa por mais de 5 anos, naturalmente acaba estagnando numa zona de conforto e seu ritmo de produtividade despenca. Muitos acham que pelo tempo de casa gozam de certas prerrogativas, tais como, abusar com os atrasos, faltas, fazer corpo mole, tratar mal novos colaboradores e até mesmo se sentir mais dono da empresa do que o próprio dono. E como tal sempre acabam tomando decisões que o dono da empresa não aprova.

Portanto, uma modalidade de contrato de trabalho por prazo determinado de 4/5 anos é o tempo justo e ideal para o empregado se desenvolver como profissional dentro de um plano de carreira, ganhar experiência e ainda na ocasião de sua rescisão, ter a oportunidade de abrir o seu próprio negócio e dar a chance de sua vaga aberta a quem acabou de se formar. Por isso, 4/5 anos é um tempo mais do que justo de estabilidade numa mesma empresa.

A estabilidade no emprego não é absoluta, não é prevista em lei (obviamente que não não estou me referindo às estabilidades provisórias que constam em lei) é uma corda bamba que se desgasta naturalmente com o tempo e deve ter os seus limites dentro de um prazo de validade razoável e justo para que muitas vagas sejam abertas para aqueles que estão se formando.

Completou 5 anos na mesma empresa? Faça acordo, saia do emprego, dê a vaga a quem está se formando, chegou o momento de empreender e começar o seu próprio negócio. Mas se isso ainda não for possível por razões variadas, mude de empresa. Um novo emprego trará novos ares, novos aprendizados. 

Para aqueles que não têm vocação ou interesse em ter o próprio negócio, podem continuar sua carreira profissional como empregado em outras empresas sem problema algum. Porém, o contrato de trabalho nunca deverá ultrapassar os 5 anos, nem um dia a mais, porque acima disso, reitero, a estabilidade é uma corda bamba corroída e desgastada que a qualquer momento vai se romper.

segunda-feira, 3 de novembro de 2025

A formação profissional não termina na conclusão da faculdade, ela está apenas começando



Muitos formandos que concluem o curso superior respiram aliviados e por muito tempo, às vezes pelo resto da vida, passam ao largo de livros técnicos, apostilas, ensaios, papers, revistas especializadas, etc. Quando muito, um curso extracurricular aqui outro ali para se atualizar. Mas isso não basta, isso é nada, pois como já escrevi em outros artigos, estudar a profissão começa na verdade quando se conclui a faculdade ou mesmo um curso técnico, se for o caso.

O mercado de trabalho é disputadíssimo, a cada ano, conforme dados do INEP, 1,1 milhão de pessoas concluem o curso superior e de acordo com dados do IBGE, 3,4 milhões de pessoas concluem cursos técnicos e de outras qualificações profissionais. Trata-se de um enorme contingente disputando uma vaga de emprego e obviamente, quem melhor estiver preparado com um vasto repertório de conhecimentos será o contemplado pela disputada vaga, seja ela em qualquer profissão.

Isso naturalmente vale também para o profissional liberal e para o freelance, quer eles estejam trabalhando na informalidade ou não, isso não importa, o que vale é a expertise profissional que eles têm a oferecer para os seus clientes. Aquele profissional que domina com segurança a área em que atua, passa credibilidade e faz a diferença.

E por onde começar? Como adquirir um vasto repertório de conhecimentos? Bom, é imprescindível que o profissional que ama o que faz deve providenciar em sua casa um escritório, ou um canto tranquilo de estudo, podemos dizer assim. Que seja simples no início, porém confortável e prazeroso. O primeiro passo é montar na medida do possível a sua biblioteca particular. E que tipo de material de estudo deverá ter em sua biblioteca?

Obviamente, a biblioteca deverá ser composta de livros, revistas, recortes, fichas, papers e outros estudos digitais em arquivo (hemeroteca) pertinentes a sua área de atuação, disponíveis para consulta imediata, sobretudo o profissional que trabalha com leis ou legislação tais como, advogados, contadores, administradores, despachantes aduaneiros, etc. O profissional deverá sempre estar atento aos lançamentos de edições atualizadas sobre a sua profissão. Mas isso ainda não basta.

Clássicos da literatura e livros de arte são imprescindíveis, não podem faltar. Simplesmente porque são neles que serão encontradas as respostas que nenhum livro técnico/científico (muito menos os de autoajuda, pronto, falei!) poderá oferecer. E aqui vale uma reflexão:

Em muitos momentos de nossa carreira quando inesperadamente surge uma situação surpresa, perguntamos a nós mesmos, “o que devemos fazer nessa hora?” ou “que atitude devemos tomar?”. No meu caso, em praticamente cem por cento das respostas, nem todas vieram dos manuais de RH, claro que estes são importantes, mas elas vieram imediatamente do arsenal literário que assimilei não só dos clássicos, mas de grandes escritores que constroem a estrutura do imaginário.    

A literatura nos oferece o enriquecimento de símbolos, a expressão da linguagem, referências culturais, narrativas imaginárias que são fontes preciosas de respostas da experiência humana. Com isso, adquirimos um repertório diversificado que amplia e amplia em muito a visão para diversos temas além do conhecimento técnico, não somente no ambiente corporativo, mas na vida pessoal de cada um. Por conseguinte e naturalmente, a literatura nos abre as portas para a Filosofia, História, Política, Botânica, Música, etc.

Aprender alguns idiomas também ajuda, pelo menos o triunvirato básico, inglês, francês e espanhol, pois existe literatura infinita nesses idiomas sobre nossas profissões escritas por experts no assunto, mas que não são editadas no Brasil e jamais serão. Vale a pena o esforço, nem tanto para conversação, mas para tradução e leitura. São obras que jamais o seu professor da "facu" indicaria.

Para o aumento e refinamento da percepção humana, poderemos ainda nos utilizar das Artes e do Cinema, pois ambas lidam com signos, imagens estáticas ou em movimento. Os filmes têm muito a nos ensinar sobre o caráter humano, conduta ética, lealdade e amor à profissão. São experiências estéticas que se incorporam em nosso imaginário melhorando e enriquecendo a nossa comunicação visual, auditiva e cinestésica.

Cabe aqui um exemplo de dois profissionais amigos meus: o primeiro é um veterinário, proprietário de uma pequena clínica. Um dos cômodos ele fez de biblioteca. Ele segue uma rotina espartana de estudar 3 horas por dia sobre as atualizações de sua profissão que ele ama de paixão. Nas horas em que não está atendendo, lá está ele fazendo anotações em fichas em meio a volumosos livros. Não por acaso, é um dos melhores na área, disputado a tapas pela clientela. O outro amigo é um contador que só admite falar em trabalho ou estudar do portão da empresa para dentro. Fora dela, nem uma palavra sobre trabalho, na sua casa não tem um livro sequer sobre a sua profissão, além de ser uma pessoa pouco dada a leituras. Não é um mau profissional, é até bem dedicado, mas não podemos dizer que como profissional ele faz a diferença. Jack Welch tratou muito bem esse assunto em seu best seller,"Winning", traduzido no Brasil com o título "Paixão por Vencer”, editora Campus, quando menciona o sistema 20-70-10 de gestão de pessoas.

É claro que não estou querendo dizer que devemos ser um workaholic 24 horas por dia e só pensar em trabalho. O foco é outro, o foco é o domínio total e absoluto da sua área de atuação profissional e ir além muito além do que ela própria alcança ou atinge. O bom profissional está em constante aprendizado mesmo fora de seu ambiente de trabalho. A formação superior entrega apenas um diploma, no entanto, a expertise profissional cabe ao formando desenvolver  habilidades por esforço próprio e dedicação constante que fará dele um profissional de destaque no mercado de trabalho. Estudar a profissão nunca se encerra, não há limites, não existe ponto final, o aprendizado é perene.

Portanto, se você se flagrar feliz e confortável em seu escritório num sábado à noite, domingo ou feriado estudando um paper ou redigindo um relatório profissional, além é claro, ao lado dos 80 livros que você vai ler durante o ano, saiba que você está no caminho certo, saiba que você já pertence ao privilegiado grupo daqueles que fazem a diferença como profissional citado por Jack Welch, saiba que dias mais, dias menos, você fará a diferença, não como um bom profissional, mas entre os bons, o excelente, o melhor de todos!


segunda-feira, 27 de outubro de 2025

Curso de Oratória não garante promoção ou ascenção na carreira profissional





"Retórica é uma forma de manipulacão comparada à culinária , agradar o   paladar sem a preocupação do prato ser saudável" (Platão)


Não tenho nada contra os profissionais habitués prolíficos das plataformas virtuais que oferecem os seus cursos de Oratória, Retórica ou mesmo de Persuasão. Torço até para que sejam bem sucedidos nessa empreitada, entretanto, a maioria deles se utiliza de perfumaria retórica perversa, como por exemplo, os famosos sofismas para fisgar alunos e seguidores incautos. Insistem em premissas falsas que afirmam que somente possuindo uma boa oratória um funcionário terá chance de ser promovido ou evoluirá em sua carreira profissional. Nada mais falso e bem distante da realidade corporativa! Ou se preferir, de como funciona a carreira de um funcionário numa empresa privada.  Vejamos:

Em março de 2024 escrevi um artigo “Falar bem ou ter boa oratória é “combustível” para alavancar carreira?”, após assistir um podcast com duas especialistas em oratória que fizeram essa afirmação infeliz. Não tenho dúvida alguma que essas profissionais dominam essa área com maestria, porém estão anos luz de distância das políticas culturais e planos de promoções de Recursos Humanos de uma empresa e isso faz toda a diferença.

É óbvio que falar bem, se comunicar com clareza e até mesmo com alguma beleza e encanto é algo restrito aos profissionais que têm as palavras como matéria prima de suas profissões. Podemos citar aqui, Relações Públicas, Jornalistas, Assessores de Comunicação, Advogados, Secretárias Executivas, Professores; gerentes e supervisores de setores específicos. Não citarei os políticos simplesmente porque político não é profissão, conforme citado no manual "De Disciplina Scholarium", do filósofo romano Boécio , "quem tem mente medíocre vai ser político". Alias, é bom lembrar que político se comunica bem simplesmente pelo estoque de sofismas que ele coleciona. Sofismas = mentiras embaladas numa linguagem emocional que impressionará o receptor da mensagem recebida.

Um argumento falacioso que é utilizado por esses especialistas da retórica é que não basta o funcionário ser bom se ele não consegue transmitir via comunicação que ele é bom, porque não basta ser bom, tem que parecer ser bom. E ainda citam um exemplo que uma funcionária expert em sua área, uma das mais eficientes na empresa que não conseguia promoção simplesmente porque ela não tinha uma boa comunicação. Ora, não há algo errado nesse tipo de argumentação? Vejamos:

Se a funcionária era tão eficiente assim é porque ela já era reconhecida como eficiente, logo ela não precisaria comunicar nada.  Possuir uma boa comunicação não é requisito necessário para promoção, possivelmente se essa funcionária era tão eficiente assim e não conseguia promoção, provavelmente diversos outros fatores poderiam ser os óbices para a sua promoção, tais como motivos técnicos operacionais, o domínio de outros idiomas, disponibilidade para viagens, etc. Além disso, há que se indagar: seria essa funcionária tão eficiente assim? Talvez na percepção dela sim, porém na avaliação de seus gestores não.

A maioria dos empregadores não gosta de empregados falastrões que falam pelos cotovelos, se o cargo não exige isso. São justamente esses que falam muito, vivem dando palpites que pouco ou nada fazem na hora em que são chamados para a responsabilidade. Até pode ser que algum desses seja promovido só porque fala bem e possua uma boa oratória. Só que se a sua função não requer uma comunicação rebuscada a farra pode durar pouco tempo. Empresa gosta de funcionário produtivo na execução de tarefas que fale pouco, seja apto nas tomadas de decisões e sobretudo tenha impecável conduta ética alinhada com os valores da empresa. E aqui vai uma dica importante: numa entrevista de emprego se o candidato ao for indagado pelo entrevistador a citar uma virtude sua, se ele disser, falo menos e ajo mais, provavelmente já estará contratado.

Naturalmente que os profissionais de Oratória fazem um bom trabalho com profissionais liberais ao corrigir e neutralizar vícios e cacoetes de linguagem, tais como o famoso “né?” no final das frases, longas pausas seguidas de “éeééee”, “hummmmm”; evitar gírias de modismos idiotas; concordância verbal, gestual incorreto, postura inadequada, volume e tom de voz, o uso correto da indumentária e sobretudo, dominar o idioma português através de muita leitura para enriquecer o repertório de palavras para que elas sejam utilizadas nas ocasiões em que são necessariamente exigidas.

Por fim, como disse o mestre e filósofo Sócrates, a Retórica é apenas uma habilidade técnica e prática e não diz respeito ao caráter e a virtude de cada pessoa. Nenhum funcionário deixará de ser promovido por não possuir uma boa oratória, salvo os casos em que os cargos assim exigem. Isto porque a produtividade e sobretudo uma impecável conduta ética profissional alinhadas à cultura da empresa falam muito mais alto no planejamento de promoções de funcionários do que qualquer bla bla bla e malabarismos retóricos.


segunda-feira, 20 de outubro de 2025

A desídia na Justa Causa: algumas considerações



O artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT traz um elenco de situações de enquadramento em Justa Causa, entre os quais, o tipificado na alínea “e’, “desídia no desempenho das respectivas funções”. Considerando hodiernamente a constatação de uma baixíssima qualificação profissional em razão da indigência dos ensinos básico, médio e, sobretudo, universitário, a maioria das demissões ocorridas por justa causa, tem seu fulcro na desídia cometida pelo empregado e muitas vezes de maneira equivocada.

Veremos a seguir, a definição e aplicação correta dos termos do artigo 482, alínea “e” da CLT:

Desídia: desleixo, preguiça, incúria, desinteresse, relaxo, má vontade, imprudência, negligência no cumprimento do dever.

Desempenho: realização, execução de tarefa, cumprimento de uma obrigação.

Das Respectivas Funções: atribuições descritas ou estipuladas no contrato de trabalho.

Consideremos que o termo “das respectivas funções”, repele o conceito desidioso em quaisquer outros serviços que não estejam em consonância às atribuições determinadas no contrato de trabalho. Darei um exemplo: Não comete desídia a operadora de caixa de supermercado que é designada a fazer reposição de mercadoria nas gôndolas, e por descuido danifica algum produto ou faz de maneira incorreta causando prejuízos, caso essa função de reposição de produtos não esteja descrita em seu contrato de trabalho.

Portanto, a desídia se restringe estritamente quando ocorre no efetivo exercício do trabalho das respectivas funções determinadas no contrato de trabalho do empregado. Se o empregado cometer negligência em função estranha ao seu contrato de trabalho não caberá justa causa por desídia.

Faltas, atrasos, má conduta não caracterizam desídia, mas indisciplina que não estão sob os tentáculos do artigo 482, alínea “e” da CLT. Muitas empresas têm cometido esse erro, o de enquadrar em justa causa por desídia o empregado displicente que muito falta e não apresenta as devidas justificativas. Neste caso, a tendência da Justiça do Trabalho é reverter a justa causa para rescisão normal na qual o empregado fará jus a todas as verbas trabalhistas que tem direito.

Nas situações em que o empregado age de maneira dolosa, e comete negligência no desempenho de suas funções na intenção de prejudicar a empresa, também não cabe enquadrá-lo em desídia, mas em ato de improbidade, amparado pelo artigo 482, alínea “a” da CLT.

Darei agora três exemplos de condutas desidiosas que se enquadram no artigo 482, alínea “e” da CLT:

- Vendedora externa colide o veículo da empresa causando danos e prejuízos. Mesmo não sendo culpada pelo acidente, estava conduzindo o veículo com a CNH vencida.

- Responsável pelo financeiro se esqueceu de enviar uma fatura ou guia de recolhimento de tributos para o devido pagamento, o que gerou multa desnecessária. Ressalte-se que essa é uma situação corriqueira que vem ocorrendo nas empresas de maneira constante e preocupante.

- Funcionária de imobiliária, por um lapso, se esqueceu de comunicar ao proprietário do imóvel a desocupação do mesmo pelo inquilino com a antecedência prevista em contrato, gerando portanto a multa determinada em lei.

Há de se ressaltar que cada caso em que envolva justa causa por desídia, requer análise cuidadosa e peculiar. Deve-se levar em conta alguns fatores, tais como: a política de RH ou de gestão de pessoas de cada empresa, a consideração pelo tempo de casa do funcionário e seus bons (ou maus) serviços prestados à empresa, as razões e circunstâncias em que o fato ocorreu, etc.

A tendência da Justiça do Trabalho é no sentido de sempre reverter a justa causa amparada em desídia caso esteja mal aplicada ou aplicada incorretamente. O peso de maior relevância na desídia é a intensidade da culpa do empregado do que propriamente o prejuízo causado. 

Portanto,  o termo "desídia" não pode ser usado aleatoriamente e solto no enquadramento de uma justa causa como as empresas têm entendido de maneira incorreta, porque o termo está vinculado estritamente ao desempenho das respectivas funções do empregado. Não sendo assim não há desídia e a justa causa certamente será revertida ou anulada em juízo.

segunda-feira, 13 de outubro de 2025

Empregado deve aceitar e negociar descontos por prejuízos e danos em seu salário



Ninguém é perfeito, somos sim perfectíveis. Todos nós estamos sujeitos a cometer erros, inclusive no ambiente de trabalho no qual existe pressão o tempo todo. Se o empregado é subordinado recebe pressão da chefia que por sua vez, sofre a pressão da diretoria.  Isso exige margem mínima de erro, sobretudo se o erro cometido se transformar em danos ou prejuízos financeiros irreversíveis.  E caso o prejuízo ocorra, como se deve lidar com isso?

A maioria de e-mails que recebo de consultas por parte de empregados, trata justamente de descontos por danos e prejuízos. Todos querem saber se a empresa tem ou não o direito de proceder com os devidos descontos em seus salários. Naturalmente que são situações diferenciadas em cada caso que não se resolvem simplesmente com um sim ou não, pode ou não pode descontar.

O que temos de certo é que um dos princípios do direito do trabalho é justamente a proteção do salário do trabalhador, única fonte de seu sustento alimentar.  A proteção ao salário também está sacramentada pela Convenção 095 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) ratificada pelo Brasil. Além disso, temos o artigo 2º da CLT-Consolidação das Leis do Trabalho o qual diz que "o empregador assume os riscos da atividade econômica de sua empresa".

Além das garantias citadas, existem ainda outros dispositivos legais que podem impedir que o empregador desconte valores no salário do empregado por danos e prejuízos sem que este o autorize a fazê-lo. 

No meu entendimento, tantos dispositivos legais contra descontos por danos ou prejuízos acabam estimulando o empregado a errar mais do que deveria. Tais dispositivos acabam se transformando num salvo conduto para que erros banais sejam cometidos e que poderão gerar prejuízos financeiros deixando o empregador sem nenhuma alternativa.

Ora, se uma pessoa entra numa loja e sem querer quebra um objeto valioso, mesmo sem intenção, ela terá que pagar pelo prejuízo, caso contrário será acionada na justiça e mais cedo ou mais tarde terá que pagar com juros e correção monetária. Se a pessoa comete uma imprudência no trânsito, ainda que sem intenção, ela responde por tal imprudência que vai gerar indenização a favor da vítima.

No ambiente corporativo, existem erros e erros. Todo erro gera aborrecimentos, atrasos, compromete o trabalho em equipe. Porém, há erros que podem ser contornados desde que não envolvam prejuízos financeiros. Mas há erros que poderiam ser evitados, erros graves que envolvem valores ou perda de patrimônio da empresa. Exemplos:

1. Numa padaria, uma fornada de biscoitos foi totalmente perdida em razão do encruamento da massa. O confeiteiro pode ser responsabilizado e ser descontado em seu salário?

2. A responsável pelo setor financeiro deixou de pagar uma fatura de fornecedor (ou mesmo deixou de recolher uma guia de imposto) por não ter anotado em sua agenda o dia do vencimento ou mesmo por ter se esquecido. A empresa pode descontar o valor da multa do salário da funcionária?

3. O motorista da empresa em dia chuvoso estava acima da velocidade permitida, não conseguiu frear a tempo e veio a colidir com a traseira de um veículo. A empresa pode descontar o prejuízo do salário do motorista?

Obviamente que no primeiro caso, o confeiteiro não poderá arcar com o prejuízo, pois existem as questões de regulagem da fornalha que poderia estar com problemas técnicos, bem como da farinha ou fermento utilizados que poderiam ser de má qualidade. Neste caso, é o empregador que assume o prejuízo.

Já nos exemplos 2 e 3, houve culpa direta dos envolvidos.  No caso da fatura houve falta de atenção (desídia, pode-se dizer), no caso do motorista houve flagrante imprudência ao conduzir o veículo em alta velocidade em dia de chuva. Nestes dois casos existe sim a possibilidade dos descontos. Deixemos de lado eventuais óbices dos dispositivos legais.

Nos dois casos, os funcionários sabem que tiveram culpa, ainda que não dolosa. Cometeram negligência profissional grave, cabendo até mesmo uma demissão por justa causa em ambos os casos. No entanto, se demitidos por justa causa, não há como proceder com os descontos, seja por falta de verbas rescisórias e também porque só se pune uma única vez de acordo com a lei. Não se pode descontar e demitir, ou é uma coisa ou outra.

Nos dois casos em questão, deve ocorrer um diálogo franco entre RH, supervisor do funcionário e o próprio funcionário no sentido de se chegar a um acordo. O funcionário deve reconhecer que errou e propor que o prejuízo seja descontado em parcelas de seu salário, mês a mês até quitar o débito.  Tal iniciativa será muito bem vista tanto pelo seu supervisor imediato, bem como pelo RH e até mesmo pela diretoria da empresa. É uma atitude que só faz o funcionário crescer, tanto em experiência profissional, bem como pessoal. 

Aquele funcionário que mesmo sabendo que errou, mas que se apega aos dispositivos legais que poderão impedir que a empresa desconte o prejuízo de seu salário, será sempre mal visto. Pode esquecer promoção e boas referências quando estiver a procura de outro emprego. Quem disse que é proibido passar más referências? Ninguém fica sabendo de nada, referências de ex-funcionários é um assunto sigiloso e restrito apenas aos profissionais de RH, não passa dalí e ninguém fica a  par do que foi dito.

Para concluir aqui vai mais uma caso: era dia de pagamento, a empresa fazia o pagamento em espécie no RH da própria empresa. Estavam lá o chefe de pessoal e seu assistente envelopando os valores dentro dos devidos holerites. Já no fim, ainda faltava pagar dois funcionários. Só que o dinheiro havia acabado! Algo deu errado, o valor total sacado não foi conferido devidamente ou algum funcionário recebeu a mais. Faltavam exatamente R$ 814,32 , o valor exato dos dois que ainda não haviam recebido. O chefe de pessoal não pensou duas vezes, tirou o valor de seu próprio bolso. O assistente quis colaborar com a metade, mas o chefe de pessoal assumiu o prejuízo sozinho.

O pagamento foi feito e todos (eu disse todos!)saíram felizes. O chefe de pessoal em questão é exatamente este que vos escreve. Reconhecer e assumir o próprio erro é uma atitude que não tem preço. Tirar do próprio bolso ainda saiu barato.

Aquele funcionário que se ampara em muletas de dispositivos legais ao invés de assumir o prejuízo, pagará um preço muito maior no mercado de trabalho quando estiver a procura de um novo emprego. Além de que, terá que resolver as rusgas com seu travesseiro. Dormirá ele tranquilo? 

segunda-feira, 6 de outubro de 2025

Carta de Referência não serve para nada, papel aceita qualquer coisa


Novamente trago em pauta um tema que já escrevi a respeito recentemente nesse artigo. É inacreditável como muitas empresas (leia-se gestores do RH dessas empresas) ainda insistem em exigir do candidato a carta de referência, sabendo que a maioria das empresas não as fornecem, nem sob tortura. E caso o candidato não a consiga, a vaga já era!

A exigência dessa carta é uma das maiores imbecilidades e incoerências que conheço nos meus anos atuando em RH. Há outros meios de se obter referências do contratado que não seja a carta de referência que, para mim, não diz nada, absolutamente nada. Afinal, uma folha de papel aceita que se escreva qualquer baboseira sobre ela.

Continuo recebendo uma quantidade considerável de consultas de pessoas que perderam a vaga em razão de não terem conseguido a carta de referência. A possibilidade de demandar a empresa na justiça é uma alternativa que nem sempre resulta em sucesso, assunto que já abordei no artigo que escrevi a respeito. Vamos então considerar a questão através de outra perspectiva:

Ora, o candidato foi chamado para uma primeira entrevista de triagem. Passou para a próxima etapa em que irá fazer dinâmica de grupo. Passou para próxima fase dos testes técnicos e em algumas empresas passará por testes psicológicos (ainda existe quem acredita nessa bobagem) também. Passou por todas as fases e ainda terá a entrevista final com a pessoa que será o seu supervisor imediato. O supervisor dá a sua anuência ao RH para a contratação do candidato. Só que não!! Uma cavalgadura infeliz do RH vai solicitar ao candidato a famigerada carta de referência! Faz algum sentido?

Recapitulando: o candidato passou por uma primeira entrevista, dinâmica de grupo, testes técnicos e psicológicos (oi?) e entrevista final com o supervisor que já acenou com o sim para a contratação. São cinco fases (ou mais em alguns casos) que poderá durar dias. O candidato superou todas, no entanto a falta de uma folha de papel poderá por tudo a perder. Será que esse papel é mais importante do que as cinco fases que o candidato superou com determinação? Vejamos:

O que é uma carta de referência? É uma folha de papel ofício com algumas linhas digitadas e que não quer dizer muita coisa a não ser “nada consta”. Ou será que existe carta de referência com o carimbo “tudo consta de ruim na vida dessa pessoa”? Seria uma carta de referência negativa? Alguma empresa se arriscaria a fazê-lo e depois ter que responder na justiça por danos morais e materiais e por óbice na obtenção de emprego? Eu creio que não.

Conheço muita gente mau caráter que tem carta de referência e também de recomendação para todos os gostos, sabe-se lá de que maneira essa gente as obteve; enquanto trabalhadores honestos não conseguiram, não porque não mereciam, mas simplesmente em razão de ser política da empresa não fornecer carta de referência para ninguém. Ainda que a empresa a forneça, não há garantia alguma que o que está ali escrito seja sincero ou verdadeiro. A empresa fornece a carta por mera formalidade.

Naturalmente que se tratar de cargo de confiança no qual o funcionário irá manipular valores, movimentar conta corrente, aplicações, etc, é normal que o candidato a apresente na ocasião da contratação. Ainda assim, do meu ponto de vista, desnecessária. Porém, fora desse contexto é absolutamente bizarra a solicitação da carta de referência ou de recomendação. 

E mais, normalmente são justamente as empresas que exigem carta de referência como condição “sine qua non” para a obtenção da vaga, que não as fornecem de maneira alguma para ex-funcionários. Coisa dos miolos de mingau das antas que habitam os departamentos de RH dessas empresas.

Judicialmente, a quem demandar? A empresa que negou de fornecer ou a empresa que a exigiu? A que negou não tem obrigação de fornecer, não há lei que discipline a questão, salvo determinação em acordo coletivo; a que exigiu tem o direito de exigir, embora seja tamanha falta de bom senso e imbecilidade do gerente de RH. O candidato fica no meio do fogo cruzado e sempre acaba sendo atingindo com a perda da vaga.

E será que perante à justiça a empresa que deixou de contratar vai confessar que o motivo foi a falta da carta de referência? Nunca! Jamais! Outros motivos serão alegados, motivos é que não faltam, toda empresa tem uma coleção deles em estoque.

Já vou avisando: o Estado não tem que se imiscuir nessa questão e sacramentar alguma lei de calada de noite obrigando as empresas a forneceram uma carta de referência. Isso é questão para ser tratada em acordo coletivo e olhe lá. É de bom senso das partes das empresas e profissionais do RH que disponham a questão em Regulamento Interno.

No mais, sugiro então que o recrutador seja franco antes da primeira entrevista e já pergunte ao candidato: você tem carta de referência? Caso não seja possível, não fará o candidato de palhaço fazendo-o passar e superar as várias fases do processo de seleção para no fim premiá-lo com a perda da vaga pela falta da carta de referência.

Melhor ainda, se esse papel é tão mais importante do que as várias fases de um processo de recrutamento e seleção, que, diga-se de passagem, custa bem caro, desde os anúncios em jornais, contratos com agências de emprego, salários do pessoal de RH, que se extinguam então os departamentos de Recrutamento e Seleção das empresas, uma vez que a carta de referência vale mais do que todo o processo, esse departamento não tem mais razão de existir.


segunda-feira, 29 de setembro de 2025

Filme recomendado: Jogo de Espiões (Robert Redford e Brad Pitt)


Entre inúmeros filmes que Redford foi o protagonista sempre em grande estilo, este blog escolheu para homenageá-lo o filme "Jogo de Espiões, um clássico do gênero ação/espionagem". Outro filme que aborda a relação às vezes muito complicada entre mestre e pupilo. No entanto, o personagem de Redford (o agente da CIA Nathan Muir) nos entrega lições de ética, inteligência, sagacidade, redenção e amizade incondicional para com seu ex-pupilo Bishop. Há muitos anos não mais se econtraram após severa divergência entre eles pelo método muito questionável que Muir conduzia as missões. Ainda assim, Muir utilizou de toda sua experiência para libertar da prisão chinesa o ex-pupilo.

Jogo de Espiões é mais uma obra prima dirigida com brilhantismo pelo saudoso mestre Tony Scott. O filme tem como protagonistas, Robert Redford (Nathan Muir) e Brad Pitt (Tom Bishop). Redford em uma de suas mais brilhantes performances é um agente da CIA em seu último dia de trabalho e Pitt é seu ex-pupilo que encontra-se detido numa prisão na China.

Lançado em 2001, tornou-se um clássico no gênero, mais do que um filme espetacular de ação e suspense de tirar o fôlego, o diretor foca no personagem Nathan Muir (Redford) que nos dará formidáveis lições de lealdade, inteligência, sagacidade, amizade e redenção. 

Num passado remoto, Muir recruta Bishop, um exímio atirador que havia se apresentado como voluntário. Muir fica impressionado com a determinação e as habilidades de Bishop e resolve treiná-lo para as missões mais obscuras da CIA. Podemos dizer que Muir se sentia quase um pai para Bishop e disso resultou uma cumplicidade fraterna.

Muir começou a passar missões para Bishop e dava ordens que Bishop não estava de acordo. Chegaram a discutir algumas vezes pelos métodos muito violentos e nada ortodoxos determinados por Muir. Bishop então se afasta de Muir. Porém, algum tempo depois, uma missão em Beirute para eliminar um perigoso terrorista coloca Muir e Bishop novamente juntos. Os dois saem para tomar um café e Bishop dá um presente de aniversário para Muir. É uma garrafinha portátil de bebida que Bishop confiscou numa operação chamada “jantar fora” ("jantar fora", guarde bem essa expressão!).Muir disse a Bishop que ia se lembrar disso.


Acontece que Bishop (disfarçado de fotógrafo) conhece no campo de feridos uma enfermeira voluntária, Elizabeth Hadley (interpretada pela atriz Catherine McCormack). Na verdade, Elizabeth é uma ex-ativista política britânica, porém ela não revela esse fato a Bishop e nem Bishop revela que está em missão pela CIA. Os dois se envolvem e têm um romance. Muir levanta a vida de Elizabeth e revela a Bishop que ela é uma perigosa ativista que participou de atentado em Londres e que resultou na morte do filho de um ministro chinês. Era verdade. Muir e Bishop discutem novamente. Após a missão cumprida em Beirute com a morte do terrorista numa exagerada operação comandada por Muir, os dois agentes rompem a amizade definitivamente para nunca mais se encontrarem. Nesse dia, Bishop retorna ao apartamento de Elizabeth e o encontra vazio. Um bilhete (forjado por Muir) escrito por ela revelando que realmente ela era uma ativista perigosa. Sem Bishop saber de nada, Muir entrega Elizabeth para os chineses em troca de um diplomata que estava capturado. Elizabeth pega prisão perpétua na China.

Muitos anos se passam e no último dia de trabalho de Muir na CIA ele é informado que seu antigo pupilo foi capturado na China e ia ser executado no dia seguinte. Bishop conseguiu rastrear Elizabeth e tentou resgatá-la (isso passa logo no início do filme) numa operação mal sucedida e acabou sendo preso. Os chefões da CIA questionam Muir sobre o que Bishop foi fazer na China. Muir disse que não fazia ideia (mas é claro que sabia!) e nunca mais teve contato com ele. Como não era uma missão autorizada, a CIA lava as mãos e não vai salvar Bishop. Bishop seria executado logo ao amanhecer. Muir é colocado como suspeito e é investigado por um comitê de investigadores. Ele não poderá mais sair do prédio até que esclareça as suas missões com Bishop.

É a partir daí que Muir entra em ação para salvar Bishop sem a CIA saber. O plano que Muir elabora é uma verdadeira lição de criatividade, sagacidade e ousadia. Dentro das dependências da CIA, Muir passa a noite forjando documentos, invadindo salas, telefonando para amigos, falsificando assinatura do diretor da CIA até que ele consegue um contato na China através de um amigo. A operação para livrar Bishop não vai sair barato, vai custar 500 mil dólares! Aonde Muir vai conseguir esse valor? Sim, ele vai usar de sua própria conta bancária, economias que ele juntou ao longo dos anos.

Enquanto isso, ao mesmo tempo, Muir responde impassível com firmeza e muita frieza as perguntas dos investigadores. Ele conta superficialmente sobe a relação de Bishop com Elizabeth, dando poucos detalhes. Por fim, ele fingiu também estar de acordo com o lavar de mãos da CIA para não libertar Bishop, pois foi uma missão não autorizada. Muir então é liberado, mas antes um investigador lhe faz uma última pergunta, o que considero uma dos pontos altos do filme. O investigador lhe pergunta que se ele soubesse que Bishop foi à China a fim de libertar Elizabeth, se ele contaria isso a seus superiores. Muir demora a responder, olha fixo para um ponto qualquer da sala e responde, NÃO! Reflita bem sobre esse “não”, pois isso já valeria o filme.

Nesse mesmo momento, enquanto Muir já havia saído do prédio da CIA, a operação para resgatar Bishop e também Elizabeth está em curso. Um blackout total é provocado no presídio e finalmente Bishop e Elizabeth são resgatados por soldados americanos. E aqui é o que considero o outro ponto alto do filme. O piloto do helicóptero comunica pelo rádio que a missão “jantar fora!” foi cumprida. Bishop escuta e pede para o piloto repetir o que disse. E o piloto repete, “operação jantar fora, senhor”. Impossível não se arrepiar.

Além das lições de inteligência, sagacidade e lealdade ao antigo pupilo que o personagem de Muir nos passa, a maior lição que fica é que sempre há tempo para se redimir de um erro cometido no passado e na maioria das vezes,  o erro nunca sai barato. Mas Muir se redimiu,  (ainda que Bishop estivesse a milhas de distância), com muita inteligência, inabalável, estoico sob a pressão da comissão que o investigava, e como num jogo de xadrez, Muir jogando na defesa com as peças pretas acabou dando um xeque-mate numa jogada de mestre!


segunda-feira, 22 de setembro de 2025

No trabalho do Freelancer não pode haver relação de subordinação



Tenho recebido um volume razoável de dúvidas de Freelancers que atuam no mercado de trabalho. Tais dúvidas se traduzem principalmente em reclamações pela dificuldade em receber seus honorários das empresas para as quais prestam seus serviços. Além disso, alguns têm de cumprir ordens e prazos mantendo uma relação de subordinação o que descaracteriza a condição de Freelancer. Vejamos:

Não existe legislação que regulamente a condição de Freelancer, ainda bem! Freelancer (ou “frila”, como são conhecidos no Brasil) é um termo em inglês que define um profissional autônomo que presta serviços e desenvolve projetos para diversas empresas de maneira totalmente independente, ou seja, não há o vínculo empregatício e, portanto não deve haver subordinação de maneira alguma.

É constante a atuação do Freelancer na maioria das empresas de comunicação, quer seja como articulista, revisor, redator, repórter fotográfico, diagramador, webdesigner, tradutor, ilustrador, etc. No entanto, atualmente profissionais de outras áreas também vêem vantagem e atuar como “frila”, tais como, arquitetos, contadores, engenheiros, profissionais de RH entre tantos outros que podem ser profissionais liberais ou não.

Um profissional de TI escreveu durante um ano aproximadamente artigos sobre informática para uma revista especializada. Recebeu os três primeiros artigos e depois a empresa não mais o pagou pelo restante dos artigos. Não foi elaborado um contrato expresso (imprescindível!) entre as partes, apenas tácito. Ele tinha prazo e era cobrado para entrega dos artigos; era estipulado um número “x” de caracteres rigorosamente e teve artigos mutilados e alterados pela empresa. Como podemos observar, havia uma relação de subordinação. Vejamos então o que diz sobre essa matéria o saudoso jurista e meu ex-professor Dr. José Serson:

“Trabalho subordinado”. O autônomo se distingue do empregado por ser autor de suas determinações, dono de si mesmo, livre de injunções disciplinares. Ele trabalha quando, quanto e como quer. É comum dizer-se:

    a) é subordinado quem tem hora de entrada e saída obrigatória; mesmo que originalmente fixados pelo próprio trabalhador;

 b) é subordinado quem recebe repreensão, advertência, suspensão, ou qualquer outra forma de reprimenda, mesmo verbal, pois significam enquadramento em disciplina; e

 c) é subordinado quem recebe ordens de fazer ou deixar de fazer (incluindo roteiros, itinerários, convocação para reuniões, uso de uniformes); elas se distinguem das ordens de como proceder, que são diretrizes técnicas. O autônomo não está obrigado a trabalhar quando não quiser, e quando bem entender pode parar (qualquer interferência da empresa nessa matéria elimina a autonomia); entretanto, ao trabalhar, deve ater-se às normas operacionais adotadas pela empresa, sob pena de tornar impossível a vinculação de interesses. Não se pode exigir, assim, o chamado relatório físico (onde estive, com quem conversei, quando cheguei e quando saí, ou seja, relatório sobre a pessoa do trabalhador), mas apenas relatório técnico (sobre a mercadoria ou mercado).

A subordinação leva a se reconhecer a relação de emprego mesmo quando o trabalhador tenha matrícula de autônomo no INSS, pague a municipalidade como autônomo, e se tenha inscrito nessa qualidade em órgão de fiscalização profissional (como por exemplo, o conselho de representantes comerciais e autônomos).”

Vimos então que o fator subordinação é elemento crucial que descaracteriza a condição de autônomo gerando automaticamente o vínculo empregatício. E neste caso, o profissional deverá reunir as provas documentais, testemunhas e ajuizar ação trabalhista para pleitear o vínculo empregatício.

Entretanto, quando não existir nenhum tipo de subordinação de relação de trabalho, caso o “frila” não esteja recebendo os devidos honorários determinados em contrato pela prestação de seus serviços, o caso deverá ser resolvido fora da esfera trabalhista. O profissional deverá entrar com ação de cobrança na justiça comum sempre observando o prazo de prescrição da dívida que, no caso de freelancers, profissionais liberais e autônomos em geral é de 5 anos conforme artigo 206, § 5º, inciso II do Código Civil.

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Teste Rorschach (borrões de tinta) é ineficaz nas entrevistas de seleção



Muitos candidatos nas entrevistas de seleção já passaram pelo teste Rorschach, dependendo do cargo pretendido. O teste consiste em olhar para figuras representadas por manchas ou borrões de tinta e responder ao entrevistador o que o candidato enxerga em cada uma delas. É como a pareidolia em que as pessoas enxergam rostos, vultos e figuras em nuvens, montanhas, etc. Algumas empresas ainda insistem nesse teste para avaliação das aptidões dos candidatos. Mas será que o teste Rorschach realmente funciona? Vejamos um pouco de história.

O teste foi criado (não tão criado assim) pelo psicólogo suíço Hermann Rorschach (1884-1922). Quando jovem, Hermann era fissurado num jogo chamado Kleksographie. O jogo consiste na arte de criar imagens a partir de manchas de tinta e foi criado (acidentalmente, diga-se de passagem) pelo escritor e poeta alemão Justinus Kerner. Rorschach então decidiu (pasmem!) que essa técnica poderia ser utilizada no campo clínico para avaliação das mais diversas personalidades de pacientes com problemas mentais.

Ocorre que o pedagogo e psicólogo francês Alfred Binet (1857-1911)  o precursor do teste de QI, já estava trabalhando com manchas de tintas para avaliação da inteligência humana. Além de Binet, em 1896 nos Estados Unidos, apareceu um outro jogo descrito por Albert Paine & Ruth McEnery Stuart, denominado Gobolinks que consistia em como fazer monstros com borrões de tinta e usá-los em versos criativos. Como podemos observar, Rorschach não foi o pioneiro nos borrões de tinta como muita gente imagina.

O teste dos borrões de tinta (são 10 pranchas com borrões diferentes) obviamente requer um método de codificação e interpretação para avaliação. Hermann Rorschach faleceu prematuramente antes que pudesse elaborar um método de codificação para o seu próprio teste. O seu falecimento ocorreu justamente quando o seu livro com as pranchas das tintas estavam praticamente impressos. A venda do livro foi um tremendo fracasso uma vez que não havia uma explicação clara sobre o propósito daquelas pranchas com borrões aleatórios.

Após o falecimento de Rorschach, vários pesquisadores e psicólogos se debruçaram sobre a questão e desenvolveram os mais diversos métodos de codificação e interpretação do teste. Atualmente os dois sistemas mais utilizados são: o sistema de Exner (John E. Exner) e o sistema de Bhom (Ewald Bohm). Existem muitos outros e assim sendo, podemos concluir que não há consenso sobre um método preciso e adequado de codificação e interpretação.

Vejamos agora, grosso modo, alguns dos principais traços característicos que o teste Rorschach pretende avaliar:


- A quantidade de inteligência

- A qualidade de inteligência

- Afetividade

- Atitudes Gerais

- Humor

- Traços Neuróticos


A aplicação dos testes é utilizada nos campos jurídico-forense, clínico, educacional, organizacional, etc. Devem ser aplicados apenas por psicólogos habilitados e treinados no teste conforme determinação e critério do Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos-SATEPSI. No Brasil foi introduzido no ano de 1927 pelo médico Ulisses Pernambuco com a contribuição da psicóloga russa Helena Antipoff e do psiquiatra José Lemes Lopes.

Já escrevi em diversos artigos sobre testes de inteligência nas entrevistas. A comunidade científica refuta com veemência testes de aferição da inteligência como por exemplo os testes de QI pela falta de precisão, afinal, de acordo com a comunidade não existe medida científica para a inteligência. Assim sendo, não poderia ser diferente com o teste Rorschach com suas imprecisões e diversos métodos de codificação ao redor do mundo.

O que nós vemos num borrão de tinta? Vemos um borrão de tinta, oras! Outra resposta diferente dessa vai depender muito da subjetividade de quem faz a pergunta e não há como fugir disso. A possibilidade de forjar ou manipular os resultados, bem como, as respostas é infinita ao gosto de quem aplica o teste.

Quem já pesquisou o mínimo sobre História da Arte da qual a arte abstrata faz parte, sabe muito bem que de nada adianta perguntar ao artista pintor que criou uma pintura abstrata o que significa aquelas manchas ou borrões. A pintura abstrata é apenas uma composição de cores e traços que o artista criou até chegar num visual belo e agradável de se ver e puramente decorativo sem nenhuma teoria mirabolante por trás a respeito do que ele quis transmitir com sua arte.

Portanto, o teste Rorschach é análogo  à pareidolia, algo para lá de ridículo se levado a sério numa entrevista de seleção de pessoas para avaliar aptidões. Como entretenimento lúdico, propósito pelo qual foi criado em sua origem, pode até ser divertido num happy hour, brincar numa roda de amigos de enxergar figuras aonde elas não existem, sobretudo quando começamos a enxergar bailarinas e sereias sorrindo e dançando no líquido etílico dentro do copo que já comporta  a quinta ou sexta dose de whisky barato.


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