segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Comissária de bordo “ninja” salva queda de bebê no aeroporto de Mumbai*

No ano de 2018 um fato praticamente cinematográfico ocorreu no aeroporto de Mumbai, na Índia ganhando as manchetes dos principais jornais nos dias seguintes. O fato envolveu uma mãe, Gulafa Shaikh, seu filho, um bebê de apenas 10 meses e a comissária de bordo Mitanshi Vaidya, tripulante da empresa aérea Jet Airways. Aos fatos:

A mãe, Gulafa estava segurando em seus braços o seu bebê de 10 meses e após os procedimentos de check-in se dirigiu ao balcão de embarque. Ali por perto e a alguns metros de distância estavam as comissárias de bordo da Jet Airways, entre elas, Mitanshi que observava Gulafa e seu bebê. De repente, num descuido  a desgraça acontece e Gulafa deixa o bebê escorregar de seus braços. O que ocorreu na sequência é algo cinematográfico: intuitivamente, numa fração de segundos e num reflexo impressionante a comissária Mitanshi protagonizou um salto acrobático se jogando ao chão conseguindo segurar o bebê antes que ele atingisse o solo. Só quem estava por perto pode observar e testemunhar com espanto o salto que Mitanshi deu para evitar que o bebê atingisse o solo.

E sim, Mitanshi feriu o nariz e o rosto ao se atirar ao chão ganhando uma cicatriz para o resto de sua vida. A mãe do bebê, dias depois enviou uma comovente carta à Jet Airways agradecendo pelo ato heroico de Mitanshi. A empresa naturalmente prestou uma bela homenagem à comissária. Gulafa ainda queria dar algum presente para a comissária, mas ela recusou a aceitar qualquer forma de gratificação e disse apenas “lembre-se de mim em suas orações”.

As colegas de trabalho de Mitanshi revelaram que ela era faixa preta de judô, esporte que ela praticava com frequência e também de Bharatanatyam, um tipo de dança indiana que inclui muitos tipos de saltos e que com a prática ao longo dos anos proporciona muita flexibilidade ao corpo. E isso explica por que Mitanshi se jogou determinada, ela sabia que chegaria (ou aterrissaria?) a tempo de segurar o bebê. Ela literalmente voou porque ela estava a alguns metros de distância de Gulafa e seu bebê.

No mesmo dia, Mitanshi recebeu os primeiros socorros e uma sutura no nariz e embarcou no voo no qual estava escalada. Mitanshi sempre será lembrada pelo salto acrobático que protagonizou salvando a queda de um bebê. E ela se lembrará do dia em que saltou e voou como uma ninja!

*Este artigo faz parte da seção deste blog "Profissionais acima da média". Essa seção presta homenagem aos profissionais que em alguns momentos de suas carreiras foram além e que de alguma maneira nas tomadas de decisões acabaram se destacando e fazendo a diferença.


segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Empresa que expõe demissão de trabalhador nas redes sociais poderá sofrer sanções judiciais




Desde o avanço tecnológico das redes sociais nas quais as pessoas estão sendo filmadas e expostas o tempo todo, uma prática para lá de duvidosa vem sendo adotada por algumas empresas, qual seja, a de punir com demissão funcionários por atos cometidos nas suas vidas privadas, mas que são expostos nas redes sociais por se envolveram em situações de desinteligência com outras pessoas fora da jornada de trabalho e até mesmo usufruindo das suas férias.

Recentemente um caso polêmico foi o de uma enfermeira que se envolveu numa situação de injúria racial numa loja de Pet Shop. A situação foi filmada, viralizou nas redes sociais e foi notícia em alguns jornais televisivos sensacionalistas. Ao tomar conhecimento da reportagem, o hospital particular no qual a enfermeira prestava serviços tratou prematuramente de emitir uma nota informando que a enfermeira foi dispensada de seu quadro de colaboradores.  Isso foi correto?  A demissão pode ter sido, porém a exposição da demissão não foi correta e eu explico:

Primeiramente lembremos que demitir funcionários é prerrogativa de toda empresa tenha lá os seus motivos ou não. O problema é tornar isso público desnecessariamente, pois isso demonstra falta de conduta Ética Profissional pelos gestores de RH e até mesmo algum grau de maldade e sadismo. As relações de trabalho entre empresa e colaborador é assunto confidencial e interessa apenas entre as duas partes envolvidas entre as quais existe um contrato bilateral que nenhuma das partes poderá extrapolar os seus termos, pois tal contrato produz os seus efeitos apenas dentro do ambiente de trabalho e nunca fora dele.

Se a situação de desinteligência na qual a funcionária se envolveu é incompatível com a política da empresa, bastaria aguardar a colaboradora retornar ao trabalho e comunica-la de sua demissão sem ao menos que precisasse justificar os motivos. Expô-la publicamente tende a afetar a sua vida profissional e que poderá ser um grande obstáculo para que ela obtenha outro emprego. Lembrando que a enfermeira já vai responder a um processo na justiça pela situação na qual de envolveu.

O prontuário de um funcionário é o depositário da sua história dentro da empresa. Antes de tomar uma decisão punitiva e precipitada contra o funcionário deve-se consultar o prontuário do colaborador no qual teremos o escore de suas avaliações e desempenho. Será mesmo que uma sumária demissão é a medida correta a ser aplicada? Ou caberia um afastamento temporário para uma melhor avaliação da situação na qual um ajuste de conduta por parte da colaboradora seria o certo a fazer?

Se um colaborador se comporta mal fora do ambiente de trabalho não sabendo lidar com situações de conflito que aparecem de surpresa, podem  existir falhas de caráter na sua conduta e que normalmente são detectadas no processo de recrutamento e seleção. A falha então está no entrevistador que deixou passar algum detalhe importante e crucial durante a entrevista.

É o momento de refletir até que ponto nossa conduta privada fora da empresa e fora da jornada de trabalho poderá nos afetar no ambiente para o qual laboramos, haja vista que o espírito maligno do grande irmão (ou grande irmã) tão bem demonstrado no clássico livro "1984", de George Orwell impregnou os departamentos de RH e gestão de pessoas em algumas empresas.

Portanto, vigiar e punir colaboradores nas suas vidas privadas por atos praticados fora da jornada de trabalho e ainda colocá-los em exposição nas redes sociais como resposta (que ninguém pediu, diga-se de passagem) à população, a empresa que se prestar a isso poderá responder por sanções judicias e pagar danos morais por exibir informações desabonadoras visando macular a reputação profissional do trabalhador. Já existem decisões judicias em casos semelhantes ao que foi exposto em tela. A empresa que expõe o trabalhador nesse tipo de situação comete um erro tão grave que às vezes acaba sendo pior do que o ato cometido pelo trabalhador.

Isto posto, ao sair de casa para o trabalho é bom ter cautela em se envolver em confusão, pois o olho que tudo vê do RH da empresa (coisa ridícula, diga-se de passagem) na qual o trabalhador labora poderá estar na vigilância observando a vida privada de seus colaboradores. Qualquer deslize, a demissão virá e como se não bastasse, a comunicação de dispensa estará disponível nas plataformas diversas da web para todo mundo saborear. Mais sádico do que isso, só mesmo as obras do marquês de Sade.


segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

O verdadeiro mestre e o verdadeiro discípulo*




Por Georges Gusdorf

Cada aluno é um aluno entre todos os alunos na classe reunida; e o professor quando dá aula fala a mesma língua a todos. Mas esta pedagogia em série que confronta o professor e a classe acompanha-se, ou pode acompanhar, de uma relação de pessoa para pessoa; o professor pode ser também um mestre, e cada aluno um discípulo, em situação de diálogo e sob a invocação de uma vontade de verdade que constrói entre eles uma visível comunidade. Tal como Guliver entre os anões, ligado à terra por uma infinidade de pequenos fios que o imobilizam, o mestre está ligado à sua classe não somente por uma mutualidade maciça, mas também por uma reciprocidade detalhada com cada um daqueles que o escutam. O monólogo aparente da palavra docente decompõe-se, na análise, numa multidão de diálogos. O erro da pedagogia usual é se ater à aparência macroscópica do professor que se confronta com sua classe; a pedagogia verdadeira, à imagem da física contemporânea, teria de passar ao plano microscópico; em lugar de considerar a média estatística, aplicar-se-ia aos dados individuais primários. Um classe de trinta alunos, tal como de passagem a observa um inspetor, é apenas resultante de trinta diálogos simultâneos, sendo que cada um tem seu próprio sentido e valor.

Os sociólogos franceses da escola de Durkheim, e na tradição de Auguste Comte, ensinavam que o grupo não é a soma dos indivíduos que o compõem, e sim que possui uma realidade própria capaz de se impor ao indivíduo. O caso particular da classe mostra bem o valor e os limites da interpretação. A classe existe, é verdade, como tal; cada aluno pertence à sua classe, e o professor julga esta globalmente: há classes ruins, medíocres ou boas, classes inertes e outras cheias de vida. Mas há também orquestras de grande qualidade, e outras que não saem, da mediocridade; será a boa orquestra os bons instrumentistas, ou os instrumentistas é que fazem o valor da orquestra? E, aliás, a mesma orquestra não rende de maneira diferente segundo a personalidade do maestro que a conduz? Percebemos sem muito esforço que os grandes sucessos, tanto no campo musical como no pedagógico, correspondem a um conjunto de coincidências e encontros particulares. A situação de conjunto rege sobre cada um dos participantes, mas é o concerto dos participantes, a harmonia das personalidades e a utilização feita desta harmonia pelo maestro responsável que suscitam a situação de conjunto.

O professor “dá aula” para esses trinta alunos. Mas, sob o anonimato desta realidade objetiva, há talvez um mestre que deseja ser compreendido; e talvez haja trinta discípulos possíveis, trinta, vinte, ou dez existências à espreita de uma palavra de vida que cada uma espera seja dita só para si. Acontece, sem dúvida, e amiúde, que o professor nada tenha a dizer; e também acontece que a massa dos alunos nada tenha a ouvir. Mas o sentido profundo, a justificação essencial da atividade pedagógica é o encontro furtivo, a secreta cumplicidade que se estabelece ao sabor de uma frase, quando o discípulo conhece e reconhece nesse homem que fala no vazio um revelador do sentido da vida. Pode acontecer de essa relação não ser jamais explicitamente confessada; pode acontecer de o mestre jamais te suspeitado o discípulo neste ou  naquele aluno, submerso na massa [...]

O discípulo só existe pois através do mestre, que lhe é mediador de existência. Mas o próprio mestre só é mestre graças ao discípulo. Há uma vocação do mestre para a mestria, de que só o testemunho do discípulo pode dar a revelação ao mestre [...]

O mestre suscita o discípulo, mas por vezes o discípulo suscita o mestre, e, em todo caso, justifica-o. Ambos vivem, solidários, a mesma aventura. O mestre foi, aliás, discípulo,  e o discípulo, se for digno do mestre, será mestre por sua vez. A educação do gênero humano, no que tem de melhor, prossegue de época para época segundo a exigência renovada desta cultura do homem pelo homem, de mestres para discípulos e de discípulos para mestres [...]

No diálogo entre mestre e discípulo, a verdade acha-se sempre como terceira; é esse terceiro termo que funda a relação entre os dois primeiros. Cada um dos dois, com efeito, não é para o outro um fim em si, um objeto de veneração ou devoção, mas um meio, um intercessor e um mediador no caminho da verdade em sua plenitude [...]

Todos os homens verdadeiramente grandes, dizia Lachelier, foram originais, mas não pretenderam sê-lo nem julgaram que o eram; ao contrário, foi procurando fazer das suas palavras e dos seus atos a expressão adequada da razão que eles encontraram a forma particular sob a qual estavam destinados a exprimi-las. A virtude de originalidade aparece, neste caso, ligada à preocupação de universalidade; o mestre é original sem tê-lo pretendido [...]

Cada homem guarda, sem dúvida, na memória algumas frases, algumas expressões que lhe vêm de seus tempos de escola: “Como diz o velho Fulano...” E a locução favorita de um antigo professor primário há muito desaparecido continua mensageira de uma lição de verdade, que uma vez ouvida jamais é esquecida.

__________________________________________________________

*Excertos do capítulo IX do livro "Professores para que?: Para uma pedagogia da pedagogia", de Georges Gusdorf, editora Martins Fontes, SP- 2003


segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Proibição de celular em sala de aula: alunos pobres serão os mais prejudicados



Nesta terça-feira, 03 de fevereiro é o dia do início das aulas do ano letivo de 2025. E já começou mal com esse “presentinho” perverso do Estado proibindo o uso de celulares e aparelhos eletrônicos portáteis em salas de aulas.  Não que eu pessoalmente seja a favor do uso indiscriminado do uso deste entre outros dispositivos que ofereçam acesso à internet durante as aulas, mas pela maneira brutal como isso foi imposto através de uma lei que despeja (para não dizer outra coisa que começa com a letra “c”) regras sobre um bem privado que pertence única e exclusivamente ao aluno e que, diga-se de passagem, muitas vezes comprado pelos pais em longas prestações e com muito sacrifício.

Recentemente, em 09 de dezembro de 2024 publiquei um artigo sobre a lei que proíbe celulares durante as aulas, sancionada no estado de São Paulo pelo governador Tarcísio de Freitas. Como se não bastasse, o presidente da república sancionou a Lei nº 15.100 de 13 de Janeiro de 2025 que "dispõe sobre a utilização, por estudantes, de aparelhos eletrônicos portáteis pessoais nos estabelecimentos públicos e privados de ensino da educação básica." Uma lei muito mal feita (que novidade!) que deixa um rastro de lacunas e questões vagas. Vejamos:

O parágrafo 2 do artigo 2º diz: "Ficam excepcionadas da proibição do caput deste artigo as situações de estado de perigo, estado de necessidade ou caso de força maior".  Há que se perguntar: o que se considera força maior? Receber uma chamada dos pais, por exemplo? E o que mais? Ora, cabem muitas situações mais ao gosto de cada um que entender o que é “força maior”. Está aí um artigo que praticamente reduz toda essa lei totalitária a pó de traque.

Tanto a lei estadual, bem como a federal são dois atestados de incompetência ou mesmo má fé para se resolver uma questão que, reconheço, é bastante complexa, mas que há anos tem sido exaustivamente debatida em diversos países ao redor do mundo de maneira inteligente e proficiente.

Já existe uma infinidade de papers e estudos prontos e disponíveis elaborados por profissionais da educação tais como, professores das mais diversas disciplinas, pedagogos, sociólogos e outros cientistas sociais que se debruçaram sobre o tema com o objetivo de se chegar a um entendimento que não prejudicasse alunos e docentes. E esse objetivo parece-me que foi atingido com sucesso. Só para mencionar um livro excelente escrito exclusivamente para tratar desse tema é “Cell Phones in the Classroom: A Practical Guide for Educators”, escrito pela pesquisadora e educadora Liz Kolb, professora da Universty Michigan School of Education.

Os estudos sobre o tema vão a fundo em adotar medidas para o gerenciamento do uso desses aparelhos durante as aulas visando a conscientização sistemática dos alunos para que tenham controle sobre os seus aparelhos e não permitir que estes tenham o controle sobre aqueles. Os aparelhos podem e devem ser utilizados sob a supervisão dos professores como auxiliares ou suportes em pesquisas e trabalhos escolares sendo o seu uso de maneira responsiva nas redes sociais. Muitos professores desenvolveram e publicaram projetos testados com sucesso em salas de aula.

E sim, alguns países sancionaram leis proibitivas e violentas (desculpem a redundância, pois toda lei proibitiva que confisca ou toma posse de bens privados já é por si só violenta e injusta), entretanto a maioria desses países recuou revogando leis proibitivas e injustas simplesmente porque na prática os grandes prejudicados foram os alunos que vivem em condições precárias cujos pais percebem baixa renda. Esses alunos não possuem em suas residências computadores, notebooks e impressoras para fazerem as lições de casa, pesquisas e trabalhos escolares, pois dependem única e exclusivamente de seus celulares durante as aulas expositivas.

Estudos realizados nos últimos 10 anos sobre o uso de celulares e outros aparelhos que acessem as redes sociais em sala de aulas, pelo menos dois importantes pontos convergiram: leis totalitárias impostas pelo Estado não entregaram soluções positivas, pelo contrário, prejudicaram alunos que vivem em condições desfavoráveis; as melhores soluções ou alternativas quem mais teve habilidade e capacidade de apresenta-las com sucesso foram, nessa ordem: professores, coordenadores pedagógicos e diretores das instituições de ensino.

Portanto, eis aqui mais uma questão na qual o Estado não tem competência alguma para gerenciar e falha miseravelmente, a não ser legislar perversamente sobre um bem privado que não lhe pertence. Por preguiça e incompetência em se debruçar em estudos sobre a questão fartamente publicados que apresentaram resultados satisfatórios, políticos preferem sancionar leis proibitivas e regulatórias. Lembremos da PEC da diminuição da jornada de trabalho de 6X1 para 4X3 na qual laborar 8 horas por 4 dias na semana perfaz um total de 36 horas! Como esperar de políticos dessa estirpe que se debrucem em estudos em outros idiomas se mal sabem fazer conta de multiplicar? É muito mais fácil tirar da cartola dois termos sinistros que já estão na ordem do dia já faz algum tempo: regular e proibir.

A Economia a gente vê depois? As questões da Home-Office e do pequeno empreendedor

Quem não se lembra durante o longo período da pandemia dessa perversa frase “fica em casa e a economia a gente vê depois”, proferida por gov...