segunda-feira, 24 de março de 2025

O Método Zettelkasten de anotações

Gráfico elaborado pelo site READINGRAPHICS -Ideas Come Alive


O método Zettelkasten é um sistema de anotações que interliga ideias e revela padrões ocultos formando uma rede de conhecimentos infinita. Ele foi elaborado meticulosamente pelo sociólogo alemão Niklas Luhmann, autor de mais de 400 livros sobre os mais diversos temas. Esse método está detalhadamente explicado no livro "Como Escrever Boas Notas", do cientista social e educador  Sönke Ahrens. Hà uma resenha do livro neste blog publicada em 01 de abril de 2024.

O gráfico acima é um esboço do método publicado no site READINGRAPHICS. Vejamos:

Box azul - Notas Rápidas - Faça anotações temporárias para capturar seus pensamentos e ideias à medida que surgirem

Box Verde - Notas Literárias - Registre conteúdo útil com referência bibliográfica de origem escrito com suas próprias palavras. Incluir citações apenas seletivamente

Box Rose - Notas Permanentes - Todos os dias, processe suas anotações e crie suas anotações permanentes. Recapitule o que você aprendeu, liste as lacunas/perguntas. Argumentos de apoio/conflitantes, novas ideias ou formas de combinar ideias existentes, etc.

Escreva de uma forma que possa ser entendida por qualquer pessoa ✅

Coloque 1 ideia por nota ✅

Use suas próprias palavras ✅

Seja breve: coloque a nota inteira em 1 página/ficha ✅

Box Branco - Construa e atualize a caixa deslizante - Armazene as notas com referências alfanuméricas a outras notas.

Numere a sequencialidade das notas, por ex. adicione a nota nº 10a atrás de uma nota relacionada nº 10. Se não houver notas relacionadas, adicione-as atrás da última nota (por exemplo, #215) ✅

Use um índice alfanumérico para referências cruzadas flexíveis, por exemplo. 13/3d8a6 ✅

Obs: O método Zettelkasten tanto pode ser praticado pela modalidade analógica (recomendada!) ou pela modalidade digital utilizando aplicativos. Os mais indicados são o Obsidian ou o Logseq. Há quem faça uso de ambos os sistemas, analógicos ou digitais ou seja, as anotações rápidas e as literárias em fichas e depois transcreve essas informações no Obsidian como fichas permanentes. Isso fica a critério de cada um.









segunda-feira, 17 de março de 2025

Entrevista de emprego: algumas considerações sobre perguntas e respostas





Nas entrevistas de emprego o entrevistador naturalmente concentra o seu foco no candidato como um todo. Isso quer dizer, na fala, no gestual, na empatia transmitida, na indumentária, etc. Ocorre que a maioria dos candidatos preocupados em obter a aprovação do entrevistador tem o foco disperso e isso é um grande problema para o candidato embora ele não perceba. Vamos virar essa chave com algumas sugestões para melhorar a postura do candidato diante do entrevistador.

Pacote de benefícios (não faça essa pergunta!)

É bem comum no final da entrevista o candidato perguntar ao entrevistador sobre o pacote de benefícios oferecido pela empresa. Essa pergunta não deve ser feita, ela é extremamente deselegante. É a mesma coisa de ser convidado para um jantar e já na entrada perguntar pela sobremesa. Ora, o candidato se apresenta para a vaga de um emprego e não para receber um pacote de benefícios. Obviamente que o entrevistador vai expor ao candidato questões sobre benefícios que envolvem convênios, vale alimentação, etc. O que importa é a vaga, o pacote de benefícios é consequência.

A polêmica questão sobre perfeccionismo

A maioria dos profissionais de RH recomenda que o candidato jamais diga ao entrevistador que ele possui a característica de ser perfeccionista. Tenho opinião diferente e não podemos generalizar essa questão. Isto porque muitos empregadores valorizam funcionários perfeccionistas levando em conta o tipo de atividade econômica da empresa, por exemplo: empresas cujas atividades estão relacionados com trabalho que exige precisão e por conseguinte, perfeição, tais como, empresas de engenharia e arquitetura, clínicas dos mais diversos ramos da saúde (inclusive estética) e muitos outros. Ser perfeccionista é desejável em algumas situações e isso não quer dizer absolutamente que o perfeccionista vai exigir que todos a sua volta também o sejam. E é recomendável o candidato esclarecer esse importante detalhe durante a entrevista. Que fique bem claro que o candidato deve pesquisar antes da entrevista o tipo de atividade econômica da empresa, pois pode ser que a característica de perfeccionista seja desejável embora o candidato não saiba disso.

Resiliência (não fale essa palavra na entrevista)

Resiliência é uma palavra que já há algum tempo faz parte das relações de trabalho. Grosso modo, resiliência significa aguentar porrada e se manter de pé sem perder a linha ou a compostura, ter casca grossa para suportar adversidades. Trata-se de um traço praticamente obrigatório para quem exerce cargos de chefia, gerência ou supervisão. Entretanto, resiliência nem todos a possuem, é uma característica muito pessoal e que vale ouro, revelar isso na entrevista é como entregar a senha do cofre a quem não deveria. As razões são óbvias, não?

Ser comunicativo

Falar pelos cotovelos não significa ser comunicativo e ser monossilábico pode significar excesso de timidez ou mesmo soberba. O candidato deve buscar o equilíbrio e estabelecer uma relação cordial e empática com o entrevistador. Jamais esquecer o nome do entrevistador (ele diz o nome logo que apresenta ao candidato), perguntar a ele “qual é mesmo o seu nome?” durante a entrevista, pode se considerar eliminado do processo de seleção.

Uma boa estratégia que o candidato deve se utilizar na entrevista é ser discreto, manter uma pequena dose de mistério e jogar a bola no colo do entrevistador. Deixar que ele descubra características peculiares e traços da personalidade do candidato, afinal um bom entrevistador de vocação é treinado para isso, ele lê nas entrelinhas. Obviamente nenhum candidato vai falar mal de si próprio, o entrevistador sabe que o marketing pessoal que o candidato expõe sobre si durante a entrevista está envolto em muita maquiagem e perfumaria. Portanto, não adianta dourar a pílula, não vai funcionar.

Por fim, uma estratégia poderosa e que dependendo do cargo funciona muito bem é a Lei nº 4 (Diga sempre menos do que o necessário) do livro "As 48 Leis do Poder", de Robert Greene que já citei em diversos artigos. De acordo com Greene, ela se resume assim:

"Quando você procura impressionar as pessoas com palavras, quanto mais você diz, mais comum aparenta ser, e menos controle da situação parece ter. Mesmo que você esteja dizendo algo banal, vai parecer original se você o tornar vago, amplo e enigmático. Pessoas poderosas impressionam e intimidam falando pouco. Quanto mais você fala, maior a probabilidade de dizer uma besteira".

E aqui cito um exemplo real em que a resposta do candidato fez a diferença:

Entrevistador: cite uma virtude sua

Candidato:  falar pouco e agir mais

Contratado!

sábado, 8 de março de 2025

Dia Internacional da Mulher: Jocy de Oliveira, pioneira da música eletrônica de vanguarda no Brasil



No ano de 1959, uma jovem de apenas 22 anos debutou com um álbum musical icônico e revolucionário que pouquíssimas pessoas conseguiram decifrá-lo. O nome dessa jovem é Jocy de Oliveira, curitibana, compositora, pianista, escritora e roteirista. Na época, Jocy já atuava como solista na Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo desde o ano de 1952. Seu álbum de estreia, denominado “A Música Século XX de Jocy de Oliveira” já faz parte das obras primas da música de vanguarda mundial. Falarei mais adiante sobre essa obra prima.

Logo na sequência em 1961, Jocy compõe em parceria com o músico erudito italiano e vanguardista, Luciano Berio, a peça “Apague meu Spotlight”, a primeira apresentação no Brasil de música eletrônica com sintetizadores tocados por Jocy. Todo o equipamento foi importado da Holanda. A partir daí, Jocy desenvolveu seu trabalho multifacetado numa vasta discografia de mais de 30 álbuns que abrange linguagem multimídia, música eletrônica/eletroacústica, teatro, instalações, textos e cinco livros publicados.

Jocy esteve à frente como solista de grandes orquestras, entre as quais a A Sinfônica de Boston, Orchestre National de Belgique, Sinfônica de Saint Louis, entre outras. Ela teve o privilégio de ser regida pelo compositor e maestro Igor Stravinsky. Interpretou em 7 álbuns a obra pianística do compositor francês de música contemporânea, Olivier Messiaen. Recebeu inúmeros prêmios, entre eles o Guggenheim Foundation. Foi casada com o maestro Eleazar de Carvalho. Atualmente Jocy ocupa a cadeira nº 32 da Academia Brasileira de Música.

Volto aqui ao álbum debut “A Música Século XX de Jocy de Oliveira”. O título já é provocativo e ousado. São 13 músicas curtíssimas que vão de 56 segundos a no máximo 3 minutos. Elas tratam de temas como o suicídio, assalto, assassinato, solidão, perda total de bens em incêndios e morte. Em cada faixa do álbum somos brindados com dissonâncias, polirritmias e mudanças de tempo inusitadas para a época que estava saboreando os primeiros passos da Bossa Nova. O disco de Jocy soa como uma bossa nova desconstruída e diluída em 13 temas que, segundo Jocy, foram dedicados às pessoas invisíveis. Sem dúvida alguma, uma obra prima que integra o enorme acervo de grandes compositores brasileiros.

Em 2021, o álbum ganhou um relançamento em vinil em cópias limitadas distribuídas aqui no Brasil, Áustria e na Alemanha, país no qual a música eletrônica está sempre presente no menu musical do dia e em festivais do gênero que por lá ocorrem o ano todo.

Neste Dia Internacional da Mulher, o autor deste blog parabeniza essa virtuosa profissional da Música e das Artes, Jocy de Oliveira. Jocy é incontestavelmente internacional! Parabéns pela sua obra!

 


segunda-feira, 3 de março de 2025

DIY (Faça você mesmo!) e arque com as consequências$$$!



Todo ano eu escrevo um artigo atualizando esse incômodo tema do DIY (faça você mesmo) que pessoas absolutamente sem noção e exibicionistas vêm espalhando há anos pelas redes sociais. Ainda que a intenção seja a melhor possível cujo objetivo principal é economizar dinheiro (leia-se não querer pagar um profissional experiente) ou mesmo estimular trabalhos manuais como um possível hobby, a realidade grita, berra e prova que as coisas não são tão fáceis assim. E aquele dito da sabedoria popular “o barato sai caro” é um simples, oportuno e gratuito antídoto eficaz contra a sanha de pretensos sabichões adeptos do “faça você mesmo” que na maioria das vezes acabam saindo mal na fita. Leia-se prejuízos e danos físicos.

Mesmo assim, você quer fazer parte do clube Do It Yourself (DIY) (Faça Você Mesmo!)? Então, partiu:

Tenha na sua conta bancária quantia mínima disponível entre R$ 600,00 a R$ 1.200,00 reais para adquirir uma caixa kit de ferramentas de boa qualidade, isto porque tem caixa kit de R$ 100,00 reais marca Xing Ling que num primeiro uso já se tornará descartável. Isso se as ferramentas prestarem porque algumas já vêm imprestáveis e com defeito de fabricação. O destino delas é o sucatão.

Alguma youtuber sorridente com pele de pêssego, de unhas bem feitas, maquiada e de batom de grife, vestindo um avental jeans feito sob medida vai lhe convencer que, tal como ela, você também sabe pintar a sua casa, lixar e cortar madeira;  fazer sua própria estante e mobília do quarto, restaurar móveis antigos e os escambaus. Pois é, reserve mais dinheiro, mas muito mais mesmo (leia-se empréstimo bancário) e compre tintas, seladores, massa acrílica, pincéis, lixadeiras, motosserra portátil, serrotes, luvas grossas de poliamida com nitrílico (oi?), óculos de proteção, trena fita métrica e uma makita (uma o que?).

E agora vamos à parte ruim da coisa? Ou seja, vamos às consequências? 

Algumas dessas ferramentas da caixa kit você nem saberá usar e nem para qual fim ela foi feita. Algumas delas serão usadas apenas uma ou duas vezes ao ano e olhe lá. Fora isso a caixa ficará enferrujando num canto do quartinho de despejo no quintal da casa. E se o vizinho descobrir que você tem uma caixa kit ferramentas ele pedirá algumas emprestadas e nunca mais serão devolvidas e se devolvidas estarão detonadas e impróprias para uso.

E quanto ao serviço, o lado pesado da coisa, de botar literalmente a mão na massa mais conhecida como “a hora do vamos ver”, vai rolar uma tela azul, fatal error. Ah, se vai! Isto porque você não tem curso e nem habilidades técnicas de um profissional experiente que faria o serviço muito melhor do que você e sairia menos que a metade do valor que você gastou em ferramentas, no tempo desperdiçado e correndo o risco de se ferir e até mesmo perder algo que lhe custa caro, no caso, a sua vida.

E agora, surprise! Se a sua integridade física permanecer intacta, sem nenhum dano, após constatar que sofreu um brutal prejuízo financeiro e uma dívida bancária infinita, é a hora de chamar um profissional para consertar o rastro de lambança que se espalhou pela casa toda. E prepare o bolso novamente, pois isso custará o dobro porque o profissional terá que consertar a lambança para depois executar o serviço. E isso basta para provar que o "faça você mesmo" não economiza dinheiro coisa nenhuma.

Então, da próxima vez lembre-se que no seu WhatsApp num rápido toque de seu dedo você tem a disposição uma rede de profissionais muito mais experientes do que você e habilitados para executar qualquer tipo de atividade que integram o clube do DIY (Faça Você Mesmo). Mas se ainda assim você não aprendeu lição, continue nesse clube só para se exibir no seu circulo de amizades e espalhar que você mesma faz a sua estante e mobília da casa. Mas depois, arque com as consequências, elas baterão à sua porta, elas são inevitáveis, elas são irrevogáveis. E não são poucas!



segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Comissária de bordo “ninja” salva queda de bebê no aeroporto de Mumbai*

No ano de 2018 um fato praticamente cinematográfico ocorreu no aeroporto de Mumbai, na Índia ganhando as manchetes dos principais jornais nos dias seguintes. O fato envolveu uma mãe, Gulafa Shaikh, seu filho, um bebê de apenas 10 meses e a comissária de bordo Mitanshi Vaidya, tripulante da empresa aérea Jet Airways. Aos fatos:

A mãe, Gulafa estava segurando em seus braços o seu bebê de 10 meses e após os procedimentos de check-in se dirigiu ao balcão de embarque. Ali por perto e a alguns metros de distância estavam as comissárias de bordo da Jet Airways, entre elas, Mitanshi que observava Gulafa e seu bebê. De repente, num descuido  a desgraça acontece e Gulafa deixa o bebê escorregar de seus braços. O que ocorreu na sequência é algo cinematográfico: intuitivamente, numa fração de segundos e num reflexo impressionante a comissária Mitanshi protagonizou um salto acrobático se jogando ao chão conseguindo segurar o bebê antes que ele atingisse o solo. Só quem estava por perto pode observar e testemunhar com espanto o salto que Mitanshi deu para evitar que o bebê atingisse o solo.

E sim, Mitanshi feriu o nariz e o rosto ao se atirar ao chão ganhando uma cicatriz para o resto de sua vida. A mãe do bebê, dias depois enviou uma comovente carta à Jet Airways agradecendo pelo ato heroico de Mitanshi. A empresa naturalmente prestou uma bela homenagem à comissária. Gulafa ainda queria dar algum presente para a comissária, mas ela recusou a aceitar qualquer forma de gratificação e disse apenas “lembre-se de mim em suas orações”.

As colegas de trabalho de Mitanshi revelaram que ela era faixa preta de judô, esporte que ela praticava com frequência e também de Bharatanatyam, um tipo de dança indiana que inclui muitos tipos de saltos e que com a prática ao longo dos anos proporciona muita flexibilidade ao corpo. E isso explica por que Mitanshi se jogou determinada, ela sabia que chegaria (ou aterrissaria?) a tempo de segurar o bebê. Ela literalmente voou porque ela estava a alguns metros de distância de Gulafa e seu bebê.

No mesmo dia, Mitanshi recebeu os primeiros socorros e uma sutura no nariz e embarcou no voo no qual estava escalada. Mitanshi sempre será lembrada pelo salto acrobático que protagonizou salvando a queda de um bebê. E ela se lembrará do dia em que saltou e voou como uma ninja!

*Este artigo faz parte da seção deste blog "Profissionais acima da média". Essa seção presta homenagem aos profissionais que em alguns momentos de suas carreiras foram além e que de alguma maneira nas tomadas de decisões acabaram se destacando e fazendo a diferença.


segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Empresa que expõe demissão de trabalhador nas redes sociais poderá sofrer sanções judiciais




Desde o avanço tecnológico das redes sociais nas quais as pessoas estão sendo filmadas e expostas o tempo todo, uma prática para lá de duvidosa vem sendo adotada por algumas empresas, qual seja, a de punir com demissão funcionários por atos cometidos nas suas vidas privadas, mas que são expostos nas redes sociais por se envolveram em situações de desinteligência com outras pessoas fora da jornada de trabalho e até mesmo usufruindo das suas férias.

Recentemente um caso polêmico foi o de uma enfermeira que se envolveu numa situação de injúria racial numa loja de Pet Shop. A situação foi filmada, viralizou nas redes sociais e foi notícia em alguns jornais televisivos sensacionalistas. Ao tomar conhecimento da reportagem, o hospital particular no qual a enfermeira prestava serviços tratou prematuramente de emitir uma nota informando que a enfermeira foi dispensada de seu quadro de colaboradores.  Isso foi correto?  A demissão pode ter sido, porém a exposição da demissão não foi correta e eu explico:

Primeiramente lembremos que demitir funcionários é prerrogativa de toda empresa tenha lá os seus motivos ou não. O problema é tornar isso público desnecessariamente, pois isso demonstra falta de conduta Ética Profissional pelos gestores de RH e até mesmo algum grau de maldade e sadismo. As relações de trabalho entre empresa e colaborador é assunto confidencial e interessa apenas entre as duas partes envolvidas entre as quais existe um contrato bilateral que nenhuma das partes poderá extrapolar os seus termos, pois tal contrato produz os seus efeitos apenas dentro do ambiente de trabalho e nunca fora dele.

Se a situação de desinteligência na qual a funcionária se envolveu é incompatível com a política da empresa, bastaria aguardar a colaboradora retornar ao trabalho e comunica-la de sua demissão sem ao menos que precisasse justificar os motivos. Expô-la publicamente tende a afetar a sua vida profissional e que poderá ser um grande obstáculo para que ela obtenha outro emprego. Lembrando que a enfermeira já vai responder a um processo na justiça pela situação na qual de envolveu.

O prontuário de um funcionário é o depositário da sua história dentro da empresa. Antes de tomar uma decisão punitiva e precipitada contra o funcionário deve-se consultar o prontuário do colaborador no qual teremos o escore de suas avaliações e desempenho. Será mesmo que uma sumária demissão é a medida correta a ser aplicada? Ou caberia um afastamento temporário para uma melhor avaliação da situação na qual um ajuste de conduta por parte da colaboradora seria o certo a fazer?

Se um colaborador se comporta mal fora do ambiente de trabalho não sabendo lidar com situações de conflito que aparecem de surpresa, podem  existir falhas de caráter na sua conduta e que normalmente são detectadas no processo de recrutamento e seleção. A falha então está no entrevistador que deixou passar algum detalhe importante e crucial durante a entrevista.

É o momento de refletir até que ponto nossa conduta privada fora da empresa e fora da jornada de trabalho poderá nos afetar no ambiente para o qual laboramos, haja vista que o espírito maligno do grande irmão (ou grande irmã) tão bem demonstrado no clássico livro "1984", de George Orwell impregnou os departamentos de RH e gestão de pessoas em algumas empresas.

Portanto, vigiar e punir colaboradores nas suas vidas privadas por atos praticados fora da jornada de trabalho e ainda colocá-los em exposição nas redes sociais como resposta (que ninguém pediu, diga-se de passagem) à população, a empresa que se prestar a isso poderá responder por sanções judicias e pagar danos morais por exibir informações desabonadoras visando macular a reputação profissional do trabalhador. Já existem decisões judicias em casos semelhantes ao que foi exposto em tela. A empresa que expõe o trabalhador nesse tipo de situação comete um erro tão grave que às vezes acaba sendo pior do que o ato cometido pelo trabalhador.

Isto posto, ao sair de casa para o trabalho é bom ter cautela em se envolver em confusão, pois o olho que tudo vê do RH da empresa (coisa ridícula, diga-se de passagem) na qual o trabalhador labora poderá estar na vigilância observando a vida privada de seus colaboradores. Qualquer deslize, a demissão virá e como se não bastasse, a comunicação de dispensa estará disponível nas plataformas diversas da web para todo mundo saborear. Mais sádico do que isso, só mesmo as obras do marquês de Sade.


segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

O verdadeiro mestre e o verdadeiro discípulo*




Por Georges Gusdorf

Cada aluno é um aluno entre todos os alunos na classe reunida; e o professor quando dá aula fala a mesma língua a todos. Mas esta pedagogia em série que confronta o professor e a classe acompanha-se, ou pode acompanhar, de uma relação de pessoa para pessoa; o professor pode ser também um mestre, e cada aluno um discípulo, em situação de diálogo e sob a invocação de uma vontade de verdade que constrói entre eles uma visível comunidade. Tal como Guliver entre os anões, ligado à terra por uma infinidade de pequenos fios que o imobilizam, o mestre está ligado à sua classe não somente por uma mutualidade maciça, mas também por uma reciprocidade detalhada com cada um daqueles que o escutam. O monólogo aparente da palavra docente decompõe-se, na análise, numa multidão de diálogos. O erro da pedagogia usual é se ater à aparência macroscópica do professor que se confronta com sua classe; a pedagogia verdadeira, à imagem da física contemporânea, teria de passar ao plano microscópico; em lugar de considerar a média estatística, aplicar-se-ia aos dados individuais primários. Um classe de trinta alunos, tal como de passagem a observa um inspetor, é apenas resultante de trinta diálogos simultâneos, sendo que cada um tem seu próprio sentido e valor.

Os sociólogos franceses da escola de Durkheim, e na tradição de Auguste Comte, ensinavam que o grupo não é a soma dos indivíduos que o compõem, e sim que possui uma realidade própria capaz de se impor ao indivíduo. O caso particular da classe mostra bem o valor e os limites da interpretação. A classe existe, é verdade, como tal; cada aluno pertence à sua classe, e o professor julga esta globalmente: há classes ruins, medíocres ou boas, classes inertes e outras cheias de vida. Mas há também orquestras de grande qualidade, e outras que não saem, da mediocridade; será a boa orquestra os bons instrumentistas, ou os instrumentistas é que fazem o valor da orquestra? E, aliás, a mesma orquestra não rende de maneira diferente segundo a personalidade do maestro que a conduz? Percebemos sem muito esforço que os grandes sucessos, tanto no campo musical como no pedagógico, correspondem a um conjunto de coincidências e encontros particulares. A situação de conjunto rege sobre cada um dos participantes, mas é o concerto dos participantes, a harmonia das personalidades e a utilização feita desta harmonia pelo maestro responsável que suscitam a situação de conjunto.

O professor “dá aula” para esses trinta alunos. Mas, sob o anonimato desta realidade objetiva, há talvez um mestre que deseja ser compreendido; e talvez haja trinta discípulos possíveis, trinta, vinte, ou dez existências à espreita de uma palavra de vida que cada uma espera seja dita só para si. Acontece, sem dúvida, e amiúde, que o professor nada tenha a dizer; e também acontece que a massa dos alunos nada tenha a ouvir. Mas o sentido profundo, a justificação essencial da atividade pedagógica é o encontro furtivo, a secreta cumplicidade que se estabelece ao sabor de uma frase, quando o discípulo conhece e reconhece nesse homem que fala no vazio um revelador do sentido da vida. Pode acontecer de essa relação não ser jamais explicitamente confessada; pode acontecer de o mestre jamais te suspeitado o discípulo neste ou  naquele aluno, submerso na massa [...]

O discípulo só existe pois através do mestre, que lhe é mediador de existência. Mas o próprio mestre só é mestre graças ao discípulo. Há uma vocação do mestre para a mestria, de que só o testemunho do discípulo pode dar a revelação ao mestre [...]

O mestre suscita o discípulo, mas por vezes o discípulo suscita o mestre, e, em todo caso, justifica-o. Ambos vivem, solidários, a mesma aventura. O mestre foi, aliás, discípulo,  e o discípulo, se for digno do mestre, será mestre por sua vez. A educação do gênero humano, no que tem de melhor, prossegue de época para época segundo a exigência renovada desta cultura do homem pelo homem, de mestres para discípulos e de discípulos para mestres [...]

No diálogo entre mestre e discípulo, a verdade acha-se sempre como terceira; é esse terceiro termo que funda a relação entre os dois primeiros. Cada um dos dois, com efeito, não é para o outro um fim em si, um objeto de veneração ou devoção, mas um meio, um intercessor e um mediador no caminho da verdade em sua plenitude [...]

Todos os homens verdadeiramente grandes, dizia Lachelier, foram originais, mas não pretenderam sê-lo nem julgaram que o eram; ao contrário, foi procurando fazer das suas palavras e dos seus atos a expressão adequada da razão que eles encontraram a forma particular sob a qual estavam destinados a exprimi-las. A virtude de originalidade aparece, neste caso, ligada à preocupação de universalidade; o mestre é original sem tê-lo pretendido [...]

Cada homem guarda, sem dúvida, na memória algumas frases, algumas expressões que lhe vêm de seus tempos de escola: “Como diz o velho Fulano...” E a locução favorita de um antigo professor primário há muito desaparecido continua mensageira de uma lição de verdade, que uma vez ouvida jamais é esquecida.

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*Excertos do capítulo IX do livro "Professores para que?: Para uma pedagogia da pedagogia", de Georges Gusdorf, editora Martins Fontes, SP- 2003


O Método Zettelkasten de anotações

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