*Almir Pazzianotto Pinto
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) nasceu
arcaica. Arcaica por ter como matriz a Carta Constitucional de 1937, com a qual
o então presidente Getúlio Vargas pretendeu imprimir legitimidade ao golpe
desfechado para a implantação do Estado Novo. Não obstante, ela sobrevive há
quase 70 anos.
Foram incumbidos de redigi-la, pelo Ministro do
Trabalho, Alexandre Marcondes Filho, quatro procuradores da Justiça do
Trabalho: Luís Augusto do Rego Monteiro, José de Segadas Viana, Dorval de
Lacerda e Arnaldo Lopes Sussekind. A tarefa teórico-burocrática, desamparada de
experiências na vida real, foi levada a cabo em dez meses e o anteprojeto,
submetido ao ministro em novembro de 1942, sendo publicado em janeiro no Diário
Oficial para receber sugestões. Quatro meses depois, em 1.º de maio, Vargas
celebrou o Dia do Trabalho com o Decreto-Lei n.º 5.452, que aprovou a
Consolidação.
A Carta de 37 fora inspirada na Carta del Lavoro da
Itália fascista de Benito Mussolini. Dela vieram, transplantados para o Direito
Constitucional e do Trabalho, o sindicato único reconhecido e controlado pelo
Estado, a divisão de trabalhadores e empregadores em categorias profissionais e
econômicas, o imposto sindical, a Justiça do Trabalho investida de poder
normativo, a criminalização da greve, o dirigente pelego e corrupto.
Em 24 de julho de 1943, ante a certeza da vitória
dos países aliados na grande guerra contra o nazi-fascismo (1939-1945),
Mussolini foi derrubado. A ditadura e o corporativismo sindical deixaram de
existir, com o imediato ressurgimento dos partidos políticos e de sindicatos
livres da intromissão do governo. Vargas, por sua vez, foi deposto em 29 de
outubro de 1945 e nova Constituição democrática, promulgada em 18 de setembro
de 1946. A CLT, entretanto, permaneceu intocada, trazendo nas veias estruturas
corporativo-fascistas, contidas na Carta de 37.
Em 1970 o Tribunal Superior do Trabalho (TST)
elaborou anteprojeto de Código Processual do Trabalho, entregue ao ministro da
Justiça, Alfredo Buzaid, em setembro daquele ano. Na edição de 9 de setembro o
jornal O Estado de S. Paulo noticiou o ocorrido e citou os ministros Mozart
Russomano e Arnaldo Sussekind, para os quais aquele seria "o mais completo
código processual de que se tem notícia no mundo ocidental". Um dos objetivos
do projeto consistia na redução do número de recursos. Com mais de 500 artigos,
a iniciativa morreu no berço.
Preocupado com movimentos grevistas deflagrados
pelos metalúrgicos de São Bernardo do Campo (SP) a partir de 1978, o presidente
João Figueiredo retomou a ideia de modernização da CLT. Uma comissão de
juristas foi organizada, sob a presidência do ministro Sussekind, para a
redação de anteprojeto. Em março de 1979 já se achava concluído. Sobre ele
escreveu a revista Veja, na edição de 9 de maio: "Grande por fora - O
anteprojeto da CLT com mais de 1.300 artigos". Ouvido a respeito, Lula,
então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, disparou:
"Não adianta remendar a CLT". A seu ver, o correto seria aprovar lei
básica reunindo garantias essenciais e mínimas, deixando o restante por conta
de negociações coletivas protegidas contra interferências externas. Derrotada
pela crítica, a pretensiosa iniciativa foi sepultada.
Nova tentativa de atualização ocorreu 29 anos
depois. A essa altura, Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República, em
25 de setembro de 2003 instalou o Fórum Nacional do Trabalho, integrado por
dezenas de representantes do governo, dirigentes sindicais patronais e
profissionais e advogados. Em fevereiro de 2005 o ministro do Trabalho, Ricardo
Berzoini, submeteu ao presidente proposta de emenda aos artigos 8.º, 11, 37 e
114 da Constituição de 1988, acompanhada de anteprojeto de lei de relações
sindicais. Passados mais de sete anos, ambos continuam engavetados, rejeitados
por trabalhadores e patrões.
Ao se vincular ao modelo corporativo-fascista, a
CLT garroteou a vida sindical e as negociações coletivas, submetidas ao
arbítrio do Judiciário, e privilegiou o direito individual, ininterruptamente
ampliado por meio de normas esparsas, que o fazem cada vez mais volumoso,
complexo, obscuro, confuso, como prova a jurisprudência inconstante. Daí o
gigantesco número de conflitos que chegam à Justiça do Trabalho - hoje
representada por 1.418 varas instaladas e 169 à espera de instalação, 24
tribunais regionais, na maioria dos casos subdivididos em turmas, e pelo TST -
e ao Supremo Tribunal Federal, alvo de recursos extraordinários que lhe
sobrecarregam a pauta. Apenas no período compreendido entre 2000 e agosto de
2012 deram entrada mais de 30,3 milhões de ações individuais e coletivas.
É temerário ignorar a crise econômica mundial,
refletida no acelerado aumento do desemprego na União Europeia, e subestimar o
avanço da China do século 21. Dentro desse contexto, o Brasil não se deve
descuidar e deixar de lado reformas há décadas exigidas. Uma das providências
destinadas à proteção e sustentabilidade do mercado interno consiste na
modernização trabalhista. A desindustrialização é real, e não mera tese de
pessimistas. A indústria acusou neste ano os piores resultados desde 2009. A
porcentagem que lhe cabe no produto interno bruto (PIB) tem caído e 2012 se
encerrará com perda de milhares de postos de trabalho, principalmente em São
Paulo, muitos desaparecidos, outros preenchidos pela robotização.
A presidente Dilma Rousseff tem problemas a
resolver na esfera trabalhista. Poderá optar pela inércia - o que não me parece
ser do seu feitio - ou dar passos iniciais, com a extinção do corruptor imposto
sindical, a quebra do monopólio de representação, a criação do Simples
Trabalhista, a redução da interferência nas relações de trabalho, sobretudo nas
terceirizações, e negociações coletivas. Não é tudo, mas parte do que deve ser
feito, em benefício de segurança jurídica nas relações de trabalho.
*Almir Pazzianotto
Pinto, Advogado; foi ministro do trabalho e presidente do Tribunal Superior do
Trabalho
Artigo
publicado no jornal O Estado de S.Paulo em 17/11/2012
Um comentário:
Olá pessoal, estou fazendo um sorteio de dois livros disponibilizados pela editora saraiva e não tem quase ninguém participando: http://www.resultadoconcursos.net/sorteio-questoes-trabalhistas-guia-oab/
Postar um comentário