segunda-feira, 4 de novembro de 2019

A balança da Justiça do Trabalho em desequilíbrio: bancária indenizada por sofrer abalo psicológico de araque


Recentemente foi noticiado nos principais veículos da imprensa, um caso de uma ex-bancária que o TST concedeu indenização por danos morais por ter sido chamada de burra pela sua gerente. Conforme noticiado, a reparação fixada inicialmente em R$ 10 mil foi aumentada para R$ 15 mil no Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região e chegou a R$ 30 mil no TST. Porém, apenas um detalhe: ela não foi chamada de burra e estamos aqui diante de mais uma lambança e aberração trabalhista que só poderia ocorrer no Brasil. Aos fatos:

De acordo com o que foi noticiado na imprensa, o que ocorreu foi o seguinte, e muita atenção nas datas: 

“De acordo com uma testemunha, numa reunião realizada em 2009, (grifo meu) a gerente disse, diante de todos os presentes, que a subordinada estava “assinando um contrato de burrice”, pois a gravidez iria prejudicar sua ascensão profissional...”

Ora, uma coisa é você dizer a uma pessoa que ela está assinando um contrato de burrice, outra coisa bem diferente é você dizer diretamente que ela é burra. Creio que não é preciso ser doutor em Língua Portuguesa, Semiótica ou Linguística para discernir o que é um insulto direito ou uma decisão não inteligente ou burra, se preferir.

Assinar um “contrato de burrice” não quer dizer de maneira alguma que a pessoa que está assinando seja burra pois, ela pode estar equivocada na tomada de decisão, da mesma maneira que dizer para alguém que torcer para certo time é burrice, não quer dizer que ela e todos os torcedores de tal time sejam burros. Um técnico de futebol durante uma partida pode fazer uma substituição não inteligente (burra ou equivocada) o que não o torna um burro. Burro sim e analfabeto funcional foi quem entendeu que a funcionária foi xingada de burra e, portanto ofendida em sua moral.

É humanamente incompreensível que uma pessoa possa sofrer "abalo psicológico"  em decorrência de uma situação como essa, ainda que ela fosse chamada de burra, o que não foi o caso. Só mesmo a má fé pode explicar.

Prosseguindo:

A funcionária pediu demissão do banco no ano de 2012.

Em 2013 a ex-funcionária ajuizou reclamação trabalhista pedindo indenização por danos morais por "ter sido chamada de burra".

O leitor prestou atenção nas datas? O fato ocorreu em 2009, a funcionária pediu demissão em 2012 e só ajuizou demanda trabalhista em 2013!! Da data do fato ocorrido até a data do ajuizamento da ação passaram-se quatro anos. Por que o princípio da imediatidade não foi invocado nesse caso?

É consenso no âmbito jurídico que a definição ou conceito do dano moral é algo por demais controvertido, subjetivo e praticamente impossível de se comprovar. E isso explica os oportunistas, mau caráteres e rábulas de plantão que deitam e rolam em cima dessa figura bizarra que é o dano moral. 

Cada doutrinador tem a sua própria definição de dano moral. A magistrada, professora, conferencista e escritora Alice Monteiro de Barros (e olha que tenho severas críticas sobre a obra dessa senhora), em seu conhecido livro “Curso de Direito do Trabalho” (Editora LTr, São Paulo, 2011), entende como dano moral:

“O menoscabo sofrido por alguém ou por um grupo como consequência de ato ilícito ou atividade de risco desenvolvida por outrem capaz de atingir direitos de personalidade e princípios axiológicos do direito, independentemente de repercussão econômica”.

Tratemos agora sobre o ajuizamento extemporâneo e mal intencionado da ex-funcionária nos socorrendo na obra do professor de direito do trabalho, Marcus Vinícius Lobregat, “Dano Moral nas Relações Individuais do Trabalho” (Editora LTR, São Paulo 2001).

"...quando ingressamos no âmbito de fixação da indenização do dano moral, por derivação direta das relações individuais do trabalho, referidos fatores devem passar por uma nova modificação, acrescentando-se lhes os seguintes aspectos:

"O tempo transcorrido entre o dano moral e o ajuizamento da ação tendente à obtenção da indenização, porquanto – como se sabe – o tempo suaviza as dores, cicatriza as feridas, aplaca as mágoas, enfim, vai apagando da lembrança os acontecimentos ruins, uma vez que é da essência da natureza humana esquecer-se dos maus momentos, de tal modo que tanto menor será o valor da indenização quanto mais for o lapso temporal transcorrido.”

Vejamos agora, importante orientação jurisprudencial:

Indenização por dano moral – Falta de imediatidade – indeferimento – Na análise do alegado dano moral é perfeitamente invocável o princípio da imediatidade, pois se há uma dor, um sofrimento ou um abalo emocional, mas estes não chegam a inibir a continuidade da relação entre as partes, não se cogita de dano moral. Transcorrido considerável lapso de tempo desde a ocorrência do apontado ato danoso isto demonstra, no mínimo, ou uma escassa emoção de quem depois se diz ofendido, ou, então, o demérito que o fato tem sob sua ótica, inviabilizando, assim, reparação indenizatória. (TRT 9ª Região. RO 01220-2004-071-09-00-0 - (Ac. 1ª T. 29155/05) – Rel. Juiz Ubirajara Carlos Mendes. DJPR 11/11/05, pág. 524).

E sobre os parâmetros para a fixação do quantum reparatório, citemos mais uma vez a professora Alice Monteiro de Barros:

“A compensação por danos morais pressupõe um dano efetivo e não um simples aborrecimento decorrente de uma sensibilidade excessiva ou amor-próprio pretensamente ferido. Essa compensação não poderá servir de pretexto para angariar vultuosas indenizações e, em consequência, transformar o instituto em “indústria” da responsabilidade civil...”

E temos aqui mais uma orientação jurisprudencial:

DANO MORAL. FIXAÇÃO DO QUANTUM. - A fixação do quantum de indenização por danos morais compete ao prudente arbítrio do magistrado que agirá de acordo com o nosso ordenamento jurídico, devendo para tanto, do lado do ofendido, levar em conta seu tempo de serviço na empresa, o cargo exercido e sua situação econômica social, e, do lado do ofensor, como critério subjetivo, a intensidade do ânimo de ofender (culpa ou dolo), e como critério objetivo, a gravidade e a repercussão da ofensa. Tendo, ainda em mente que se a indenização alcança valor exorbitante desnatura o seu caráter educativo. (TRT 18ª Região - Proc RO-01024-2003-004-18-00-4 – Rel. Juiz Luiz Francisco Guedes de Amorim - Publicação: DJE-GO nº 14.162 do dia 02.12.2003, pág. 130). 

Isto posto, temos que o lapso de tempo para ajuizamento de ação reparadora, o tempo de vigência do pacto laboral e a razoabilidade de caráter educativo na fixação do valor reparatório são claves pontuais e imprescindíveis para o julgamento dessas ações. Parece-me que não foi o que ocorreu no caso da bancária. A sentença da ministra do TST foi a seguinte:

‘ficou demonstrado que o abalo psicológico relacionado à gravidez decorreu da atitude da empresa, por meio de sua superior hierárquica’

Como assim, “abalo psicológico”? Sem laudo médico? Como a ministra aferiu o grau de abalo psicológico da reclamante? Quando se deu o “abalo psicológico”? Na ocasião em que o fato ocorreu? Por que a reclamante não ajuizou então na data do ocorrido ação judicial, esperou passar quatro anos para fazê-lo? Por que a Justiça do Trabalho desconsiderou a imediatidade dos fatos? Do fato ocorrido à data do ajuizamento da ação foram quatro anos!

Sem dúvida alguma, a reclamante foi motivada por um rábula sem escrúpulos que estava se lixando para o seu abalo psicológico de araque,  mas sim de olho numa polpuda indenização de roleta russa que poderia dar certo ou não. Fosse após a promulgação da reforma trabalhista que colocou um ponto final na sanha de rábulas inescrupulosos através do artigo 790-B da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, jamais essa ação teria existido.

Não tive acesso ao processo, nem a defesa da instituição bancária, somente o que foi publicado na imprensa. Mas ao que tudo indica, dadas as circunstâncias que culminaram em violenta condenação da reclamada, das duas uma: ou a defesa da reclamada foi muito rasa desconsiderando princípios e jurisprudências pontuais aqui citadas, o que é estranho por tratar-se de instituição bancária privada, ou a Justiça do Trabalho foi quem desconsiderou e rasgou em mil pedacinhos jogando na lata de lixo  tudo o que foi escrito na legislação trabalhista sobre  dano moral até o presente momento.

E quando a balança da Justiça do Trabalho desequilibra a tal ponto, a eventual falta de um bom dia de um gestor ao seu subordinado geração mimimi, poderá valer 30 mil reais!!

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