É no mínimo espantoso e incompreensível que em pleno século 21, com um arsenal avassalador de equipamentos tecnológicos, ainda existam empresas e que não são poucas, que insistem na prática retrógrada de revistar funcionários e seus pertences, tais como, bolsas, mochilas, pastas, etc., no final do expediente. O pior de tudo é que tal prática tem de certa maneira a chancela da lei. E o que diz a lei sobre essa prática? Vejamos:
A lei não diz nada, isso mesmo, nada diz a lei sobre a permissão de revistas em funcionários, pois, tal prática se respalda apenas no poder diretivo do empregador e nos manuais de regulamentos internos dessas empresas. A lei veda sim é a revista íntima, conforme artigo 373-A, inciso VI, da CLT que diz o seguinte:
“proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias”.
A redação da CLT se refere ao sexo feminino, porém, de acordo com a Constituição Federal, como todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, a regra vale também para os homens. Empresas que insistem em praticar revista íntima, acabam sendo acionadas na justiça e naturalmente perdem a causa tendo que pagar pesadas indenizações por danos morais. Revista íntima é proibida, e isso é ponto pacífico.
Segundo os doutrinadores do direito do trabalho, existem três entendimentos a respeito de revistar funcionários. O primeiro defende a impossibilidade de se revistar em razão do empregador não possuir o poder de autoridade policial; o segundo defende a possibilidade da revista justamente respaldada no poder diretivo do empregador e a terceira, defende a revista conforme a atividade da empresa, por exemplo: empresa de valores, corretoras de câmbio, comércio de joias, etc. Eu particularmente corroboro com o primeiro entendimento.
Não há entendimento pacífico nos tribunais regionais da Justiça do Trabalho sobre a questão, pois nas ações trabalhistas que postulam danos morais pela revista, existem decisões respaldadas nos três entendimentos doutrinais citados acima. Ou seja, o reclamante enfrentará uma roleta russa com igual chance de vitória ou derrota.
A professora Alice Monteiro de Barros em seu livro “Curso de Direito do Trabalho”, editora LTR, no capítulo que trata da revista de funcionários, a autora comenta a tendência jurisprudencial no sentido de permitir a prática da revista, pois segunda a autora, “entende-se que a insurgência do empregado contra esse procedimento permite a suposição de que a revista viria a comprovar a suspeita que a determinou, autorizando o reconhecimento da justa causa”.[1] Justa Causa? A autora que não prestou atenção na data se respaldou num acordão do TST de 22/11/1967, que diz:
“Constitui falta grave a recusa do empregado a submeter-se a determinado tipo de revista”.
Então o funcionário não pode recusar ser revistado? Pode se recusar sim! Vimos acima que o acordão data de 1967. Após a promulgação da Constituição Federal/88 que garante em seu artigo 5º, inciso X, a inviolabilidade, intimidade, vida privada, assegurando a indenização por dano material ou moral decorrente de sua violação, as decisões das varas do trabalho têm proferido sentenças favoráveis aos funcionários. Vejamos uma delas:
A Vara do Trabalho de Mirassol D’Oeste-MT, reverteu uma demissão de justa causa para demissão normal de um empregado que se negou a ser revistado. De acordo com o juiz Aguinaldo Locatelli, a penalidade em aplicar justa causa somente pela recusa do empregado de ser revistado é desproporcional ao ato faltoso (Processo 00227.2008.091.23.00-7). Particularmente, estou plenamente de acordo com a sentença desse juiz. No entanto, nem sempre a decisão é favorável ao empregado, cada caso em que pese a peculiaridade de cada um, cabe análise meticulosa em seu julgamento.
É importante esclarecer, que a recusa do funcionário em ser revistado pode não caracterizar falta grave, podendo ocorrer sim a demissão normal do mesmo, não cabendo a justa causa por esta ser absolutamente desproporcional à falta cometida, ou seja, da recusa em ser revistado como bem sentenciou o juiz no caso acima citado.
Ora, o poder diretivo do empregador (artigo 2º da CLT) naturalmente tem limites e não é absoluto. Nesse sentido, citemos o professor Emílio Gonçalves, em seu livro, “O Poder Regulamentar do Empregador”, editora LTR:
“No exercício de sua atividade profissional, subordinada à autoridade do empregador, não perde o empregado a sua qualidade de pessoa, impondo-se, em consequência, da parte do empregador, o respeito à dignidade do trabalhador, o que implica a inoperância das normas baixadas pelo empregador que, direta ou indiretamente, venham ferir a dignidade do trabalhador”. [2]
Também nesse sentido, entende o doutor Sérgio Pinto Martins em sua magnífica obra, “Direito do Trabalho”, editora Atlas. Vejamos:
“Não se poderá também estabelecer regras no regulamento que venham contrariar a moral, os bons costumes e a ordem pública, nem que desrespeitem a dignidade do trabalhador como pessoa humana”.[3]
De nada adianta alguns ministros do TST dizerem que a revista deve ser feita de maneira respeitosa e em ambiente adequado, porque o próprio ato em si de revistar o trabalhador e seus pertences já caracteriza uma atitude desrespeitosa. E se levarmos as últimas consequências é absolutamente inconstitucional, conforme o artigo 5º, inciso X da CF/88.
Entendo que se a CLT em seu artigo 2º confere ao empregador o poder diretivo, esse poder não tem natureza de autoridade policial, pois somente a polícia tem o poder de revistar as pessoas e seus pertences. Por outro lado, o mesmo artigo assinala que o empregador assume os riscos da sua atividade.
Temos ainda o que para mim é o item mais importante, o contrato de trabalho que é respaldado no princípio da boa fé de ambas as partes. Faz algum sentido o funcionário dias após ser contratado entrar com mandado de segurança contra o seu empregador para garantir os seus direitos, imaginado que tais direitos não serão cumpridos? Ora, da mesma maneira, revistar funcionários é uma violação do princípio da boa da fé que norteia o contrato de trabalho, esvaziando os funcionários da condição de trabalhadores e prejulgando-os como suspeitos ou potenciais ladravazes. Não faz sentido!
Recapitulando, porque revistar funcionários é antiético e um ato de agressão:
- a) O poder diretivo do empregador não é absoluto, tem limites e não tem natureza de autoridade policial, pois somente esta cabe a revista de pessoas suspeitas ou não.
- b) A Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso X, garante a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas.
- c) Uma considerável parte de doutrinadores do direito do trabalho corrobora que o empregador não tem poder de polícia para revistar funcionários, portanto trata-se de uma prática ultrapassada, violenta, discriminatória e que deve ser evitada e repudiada.
- d) O Contrato de Trabalho é baseado no princípio da boa fé entre as partes, por conseguinte, a prática da revista pessoal fere de morte esse consagrado princípio milenar.
- e) O avanço tecnológico atualmente disponibiliza diversos meios que proporcionam eficientes alternativas de segurança nas empresas, tais como, câmeras, portas giratórias, detectores de metais, etiquetas magnéticas, alarmes inteligentes e discretos e tantas outras muito mais adequadas e discretas do que as revistas pessoais. O ministro Augusto César Leite de Carvalho do TST, em entrevista recente, recomenda que o empregador lance mãos dessas alternativas ao invés das revistas pessoais.
Naturalmente que o empregador tem o dever e a obrigação de proteger o seu patrimônio e tomar todas as medidas preventivas possíveis contra furtos e possíveis prejuízos. A prevenção deve começar no setor de Recursos Humanos. O recrutamento deve ser meticuloso e sempre contar com um funcionário desse setor para se mobilizar na busca e pesquisa minuciosa de informações a respeito do candidato que será contratado. Atualmente são muitos os meios disponíveis para obtenção de informações, inclusive verificar pessoalmente nas empresas em que o candidato trabalhou.
Acredito que paulatinamente, as empresas vão se utilizar da tecnologia de ponta que oferece uma infinidade de recursos de segurança disponíveis no mercado. Aliás muitas já o fazem e abandonarão definitivamente a revista pessoal de seus colaboradores, uma prática que constrange terrivelmente tanto quem está revistando e muito mais o revistado. A revista pessoal de funcionários é sim um ato agressivo, antiético, constrangedor e fere de morte o princípio da boa fé pactuado no contrato de trabalho, um princípio há séculos consolidado.
___________________________________________________
[1]MONTEIRO DE BARROS, Alice. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo, LTr
[2]GONÇALVES, Emílio. O Poder Regulamentar do Empregador. São Paulo, LTr
[3]MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo, Atlas S.A
Acredito que paulatinamente, as empresas vão se utilizar da tecnologia de ponta que oferece uma infinidade de recursos de segurança disponíveis no mercado. Aliás muitas já o fazem e abandonarão definitivamente a revista pessoal de seus colaboradores, uma prática que constrange terrivelmente tanto quem está revistando e muito mais o revistado. A revista pessoal de funcionários é sim um ato agressivo, antiético, constrangedor e fere de morte o princípio da boa fé pactuado no contrato de trabalho, um princípio há séculos consolidado.
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[1]MONTEIRO DE BARROS, Alice. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo, LTr
[2]GONÇALVES, Emílio. O Poder Regulamentar do Empregador. São Paulo, LTr
[3]MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo, Atlas S.A
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