segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Revistar funcionários e seus pertences é um ato de agressão

É no mínimo espantoso e incompreensível que em pleno século 21, com um arsenal avassalador de equipamentos tecnológicos, ainda existam empresas e que não são poucas, que insistem na prática retrógrada de revistar funcionários e seus pertences, tais como, bolsas, mochilas, pastas, etc., no final do expediente. O pior de tudo é que tal prática tem de certa maneira a chancela da lei. E o que diz a lei sobre essa prática? Vejamos:

A lei não diz nada, isso mesmo, nada diz a lei sobre a permissão de revistas em funcionários, pois, tal prática se respalda apenas no poder diretivo do empregador e nos manuais de regulamentos internos dessas empresas. A lei veda sim é a revista íntima, conforme artigo 373-A, inciso VI, da CLT que diz o seguinte:

 “proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias”.

A redação da CLT se refere ao sexo feminino, porém, de acordo com a Constituição Federal, como todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, a regra vale também para os homens. Empresas que insistem em praticar revista íntima, acabam sendo acionadas na justiça e naturalmente perdem a causa tendo que pagar pesadas indenizações por danos morais. Revista íntima é proibida, e isso é ponto pacífico.

Segundo os doutrinadores do direito do trabalho, existem três entendimentos a respeito de revistar funcionários. O primeiro defende a impossibilidade de se revistar em razão do empregador não possuir o poder de autoridade policial; o segundo defende a possibilidade da revista justamente respaldada no poder diretivo do empregador e a terceira, defende a revista conforme a atividade da empresa, por exemplo: empresa de valores, corretoras de câmbio, comércio de joias, etc. Eu particularmente corroboro com o primeiro entendimento.

Não há entendimento pacífico nos tribunais regionais da Justiça do Trabalho sobre a questão, pois nas ações trabalhistas que postulam danos morais pela revista, existem decisões respaldadas nos três entendimentos doutrinais citados acima. Ou seja, o reclamante enfrentará uma roleta russa com igual chance de vitória ou derrota.

A professora Alice Monteiro de Barros em seu livro “Curso de Direito do Trabalho”, editora LTR, no capítulo que trata da revista de funcionários, a autora comenta a tendência jurisprudencial no sentido de permitir a prática da revista, pois segunda a autora, “entende-se que a insurgência do empregado contra esse procedimento permite a suposição de que a revista viria a comprovar a suspeita que a determinou, autorizando o reconhecimento da justa causa”.[1] Justa Causa? A autora que não prestou atenção na data se respaldou num acordão do TST de 22/11/1967, que diz:

“Constitui falta grave a recusa do empregado a submeter-se a determinado tipo de revista”.

Então o funcionário não pode recusar ser revistado? Pode se recusar sim! Vimos acima que o acordão data de 1967. Após a promulgação da Constituição Federal/88 que garante em seu artigo 5º, inciso X, a inviolabilidade, intimidade, vida privada, assegurando a indenização por dano material ou moral decorrente de sua violação, as decisões das varas do trabalho têm proferido sentenças favoráveis aos funcionários. Vejamos uma delas:

A Vara do Trabalho de Mirassol D’Oeste-MT, reverteu uma demissão de justa causa para demissão normal de um empregado que se negou a ser revistado. De acordo com o juiz Aguinaldo Locatelli, a penalidade em aplicar justa causa somente pela recusa do empregado de ser revistado é desproporcional ao ato faltoso (Processo 00227.2008.091.23.00-7). Particularmente, estou plenamente de acordo com a sentença desse juiz. No entanto, nem sempre a decisão é favorável ao empregado, cada caso em que pese a peculiaridade de cada um, cabe análise meticulosa em seu julgamento.

É importante esclarecer, que a recusa do funcionário em ser revistado pode não caracterizar falta grave, podendo ocorrer sim a demissão normal do mesmo, não cabendo a justa causa por esta ser absolutamente desproporcional à falta cometida, ou seja, da recusa em ser revistado como bem sentenciou o juiz no caso acima citado.

Ora, o poder diretivo do empregador (artigo 2º da CLT) naturalmente tem limites e não é absoluto. Nesse sentido, citemos o professor Emílio Gonçalves, em seu livro, “O Poder Regulamentar do Empregador”, editora LTR:

“No exercício de sua atividade profissional, subordinada à autoridade do empregador, não perde o empregado a sua qualidade de pessoa, impondo-se, em consequência, da parte do empregador, o respeito à dignidade do trabalhador, o que implica a inoperância das normas baixadas pelo empregador que, direta ou indiretamente, venham ferir a dignidade do trabalhador”. [2]

Também nesse sentido, entende o doutor Sérgio Pinto Martins em sua magnífica obra, “Direito do Trabalho”, editora Atlas. Vejamos:

“Não se poderá também estabelecer regras no regulamento que venham contrariar a moral, os bons costumes e a ordem pública, nem que desrespeitem a dignidade do trabalhador como pessoa humana”.[3]

De nada adianta alguns ministros do TST dizerem que a revista deve ser feita de maneira respeitosa e em ambiente adequado, porque o próprio ato em si de revistar o trabalhador e seus pertences já caracteriza uma atitude desrespeitosa. E se levarmos as últimas consequências é absolutamente inconstitucional, conforme o artigo 5º, inciso X da CF/88.

Entendo que se a CLT em seu artigo 2º confere ao empregador o poder diretivo, esse poder não tem natureza de autoridade policial, pois somente a polícia tem o poder de revistar as pessoas e seus pertences. Por outro lado, o mesmo artigo assinala que o empregador assume os riscos da sua atividade.

Temos ainda o que para mim é o item mais importante, o contrato de trabalho que é respaldado no princípio da boa fé de ambas as partes. Faz algum sentido o funcionário dias após ser contratado entrar com mandado de segurança contra o seu empregador para garantir os seus direitos, imaginado que tais direitos não serão cumpridos? Ora, da mesma maneira, revistar funcionários é uma violação do princípio da boa da fé que norteia o contrato de trabalho, esvaziando os funcionários da condição de trabalhadores e prejulgando-os como suspeitos ou potenciais ladravazes. Não faz sentido!

Recapitulando, porque revistar funcionários é antiético e um ato de agressão:

  • a) O poder diretivo do empregador não é absoluto, tem limites e não tem natureza de autoridade policial, pois somente esta cabe a revista de pessoas suspeitas ou não.
  • b) A Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso X, garante a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas.
  • c) Uma considerável parte de doutrinadores do direito do trabalho corrobora que o empregador não tem poder de polícia para revistar funcionários, portanto trata-se de uma prática ultrapassada, violenta, discriminatória e que deve ser evitada e repudiada.
  • d) O Contrato de Trabalho é baseado no princípio da boa fé entre as partes, por conseguinte, a prática da revista pessoal fere de morte esse consagrado princípio milenar.
  • e) O avanço tecnológico atualmente disponibiliza diversos meios que proporcionam eficientes alternativas de segurança nas empresas, tais como, câmeras, portas giratórias, detectores de metais, etiquetas magnéticas, alarmes inteligentes e discretos e tantas outras muito mais adequadas e discretas do que as revistas pessoais. O ministro Augusto César Leite de Carvalho do TST, em entrevista recente, recomenda que o empregador lance mãos dessas alternativas ao invés das revistas pessoais.

Naturalmente que o empregador tem o dever e a obrigação de proteger o seu patrimônio e tomar todas as medidas preventivas possíveis contra furtos e possíveis prejuízos. A prevenção deve começar no setor de Recursos Humanos. O recrutamento deve ser meticuloso e sempre contar com um funcionário desse setor para se mobilizar na busca e pesquisa minuciosa de informações a respeito do candidato que será contratado. Atualmente são muitos os meios disponíveis para obtenção de informações, inclusive verificar pessoalmente nas empresas em que o candidato trabalhou.

Acredito que paulatinamente, as empresas vão se utilizar da tecnologia de ponta que oferece uma infinidade de recursos de segurança disponíveis no mercado. Aliás muitas já o fazem e abandonarão definitivamente a revista pessoal de seus colaboradores, uma prática que constrange terrivelmente tanto quem está revistando e muito mais o revistado. A revista pessoal de funcionários é sim um ato agressivo, antiético, constrangedor e fere de morte o princípio da boa fé pactuado no contrato de trabalho, um princípio há séculos consolidado.
___________________________________________________
[1]MONTEIRO DE BARROS, Alice. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo, LTr
[2]GONÇALVES, Emílio. O Poder Regulamentar do Empregador. São Paulo, LTr
[3]MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo, Atlas S.A


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