Em razão do Decreto Legislativo nº 6 de 20 de Março de 2020 que dispõe sobre a situação de calamidade pública da saúde, em 22 de Março foi editada a MP 927/2020 que perdeu a sua validade em 19/07/2020 por não ser votada a tempo de ser convertida em lei. A MP 927 trouxe alternativas emergências para a manutenção do emprego, entre as quais, destaca-se a antecipação das férias individuais do empregado, mesmo que o empregado ainda não tenha completado os doze meses do período aquisitivo. Alguns empregadores anteciparam as férias, decisão que eu sempre discordei e não recomendei aos meus clientes.
Esse item da MP 927 foi o que mais causou polvorosa entre nós, profissionais de RH. Ocorre que, e eu sempre deixei isso bem claro em meus artigos, as alterações na legislação trabalhista ainda que provisórias (como foi o caso), são elaboradas por pessoas que nunca colocaram os pés num departamento de pessoal, desconhecem completamente as rotinas trabalhistas e os softwares de gerenciamento (caríssimos, diga-se de passagem) da folha de pagamento, férias, rescisões, etc. Uma linha sequer que se altere na legislação e todo sistema de gerenciamento do DP tem que ser reprogramado novamente. Isso não sai nada barato, além do trabalho que dá para fazer as devidas alterações.
Bem, vamos ao ponto que interessa. Um empregador então decide antecipar as férias de um funcionário que tinha seis meses de empresa, já considerando que ele tenha recebido o valor total e adicional de um terço. Lembrando que o artigo 8º da MP 927 permitia que o empregador tivesse o prazo de até 20/12/2020 para quitar o adicional de um terço, mas digamos que já foi tudo quitado. Supomos que ao retornar ao trabalho após gozar as férias o funcionário seja demitido ou peça demissão. O valor das férias antecipadas deve ser descontado? E a minha resposta para essa questão é NÃO, não deve ser descontado, independente se o funcionário foi demitido ou pediu demissão. Vejamos:
A MP 927 não foi impositiva, obrigatória, ela abriu a possibilidade de livre negociação entre empregado/empregador, conforme o Art. 3º: "Para enfrentamento dos efeitos econômicos decorrentes do estado de calamidade pública e para preservação do emprego e da renda, poderão ser adotadas pelos empregadores...”. Portanto, se o empregador concedeu férias antecipadas por deliberação ou necessidade, ele deve suportar ou arcar com o risco conforme artigo 2º d CLT, além de não fazer sentido algum conceder antecipação de férias para manutenção do emprego de seu funcionário e logo a seguir contemplá-lo com demissão e descontar o valor.
Mas e se foi o empregado que ao retornar ao trabalho pediu demissão? Vamos lá: primeiro, se o empregado estava em gozo de férias antecipadas foi por livre deliberação de seu empregador que a concedeu; segundo, mesmo nos pedidos de demissão as férias proporcionais são pagas na rescisão contratual, entendimento pacífico do Tribunal Superior do Trabalho-TST, conforme Súmulas 171 e 261 e também da Resolução 132 da Organização Internacional do Trabalho-OIT, artigos 4º e 11º que tratam das férias dos trabalhadores, e por fim, descontar férias em rescisão contratual se caracterizaria numa aberração jurídica trabalhista uma vez que as férias são um direito irrenunciável do trabalhador. O desconto somente caberia no caso de demissão por justa causa.
Existe uma tendência entre juristas que entende que se a demissão partiu do empregado, as férias que foram antecipadas podem ser descontadas. Por isso é que eu digo que não devem, mas não afirmo que não podem. Particularmente entendo que não, pois o desconto confrontaria toda legislação sobre férias, incluindo Súmulas Jurisprudenciais, Resolução da OIT e, sobretudo, contra o princípio dos direitos irrenunciáveis como já citei acima.
Atualmente, voltou tudo como era antes. A concessão de férias só é permitida se o empregado completar 12 meses de serviço na empresa (artigo 134 da CLT), a antecipação está proibida. Ressaltando que o que foi celebrado e acordado entre empregado/empregador no período da vigência da MP 927 não é anulado, permanece válido.
Pessoalmente sempre mantive restrições sobre férias remuneradas, um produto CLT, porém “copy & paste” da fascista Carta Del Lavoro. No entanto, uma vez que elas existem, empregadores devem seguir a legislação, caso contrário, a legislação é que os seguirá a passos largos alcançando-os facilmente. Enquanto isso novas alterações trabalhistas são tramadas na calada da noite. Quais serão as próximas? De repente, uma nova alteração atrapalhista surgirá da fornalha estatal e ela virá quente, ardendo em brasa. Haja softwares de gerenciamento de DP, haja paciência, haja extintor de incêndio.
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