Vejamos com calma o artigo 462 e o§ 1º:
Art.462: Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo.
§ 1º: Em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde que essa possibilidade tenha sido acordada (grifo meu) ou na ocorrência de dolo do empregado.
Então, colegas, pensemos juntos, vamos lá: deixemos de lado a frase “ou na ocorrência do dolo”, que até aí tudo bem e vamos ao trecho grifado por mim: por acaso a redação desse parágrafo diz, previamente acordada no contrato de trabalho? Não, não diz. Então quando se dá o momento desse acordo? Quem propõe o acordo? O empregador? O empregado? Porque um acordo sempre depende do aceite da outra parte, não existe acordo imposto e de mão única. Como pode ser possível propor um acordo para uma situação que ainda não ocorreu? Viram que beleza que é a “clareza” de um artigo da CLT que eu chamo carinhosamente de Chicote no Lombo dos Trabalhadores?
Essa cláusula que prevê desconto no contrato de trabalho é absolutamente ilegal, imoral e antiética, fundamentada numa redação obscura, confusa e incerta do artigo 462, § 1º da CLT. Essa cláusula já presume que o empregado irá causar prejuízo, e que deverá sofrer os devidos descontos em seu salário seja o dano acidental ou não. Trata-se de cláusula abusiva sem dúvida alguma.
O Tribunal Superior do Trabalho-TST há muito tempo já se pronunciou sobre a questão através da Súmula nº 160. Vejamos:
Súmula 160: “É inválida a presunção de vício de consentimento resultante do fato de ter o empregado anuído expressamente com descontos salariais na oportunidade da admissão. É de se exigir demonstração concreta do vício de vontade”.
Não estou isentando o empregado da responsabilidade de um dano não doloso que ele causou, cada situação tem que ser analisada com minúcia para daí sim se falar num possível acordo entre as partes, tenha a proposta desse acordo partido do empregado ou do empregador. Ora, quem quebra acidentalmente um objeto numa loja, moralmente se prontifica naquele momento a ressarcir o prejuízo ao proprietário, pelo menos a maioria das pessoas assim o faz. Então, por que o empregado não o faria? Pelos meus anos de experiência posso garantir que a maioria dos empregados honestamente assume o prejuízo propondo o ressarcimento do prejuízo através de descontos em parcelas de seu salário.
Apresentar o contrato de trabalho para o empregado assinar no momento da admissão com uma cláusula tão estúpida como essa não é propor acordo algum, não existe amparo legal para proposição de qualquer tipo de acordo prévio já prevendo que o empregado causará algum tipo de dano para o empregador, o TST já se pronunciou há muito tempo sobre a questão como vimos acima.
Trata-se, portanto, de cláusula abusiva, imoral e antiética, porém a maioria das empresas assim procede. E por que assim procede? Porque assim sempre foi feito, porque todos fazem assim e nunca ninguém reclamou, porque o RH às vezes opera no piloto automático. Por isso, é sempre bom lembrar: o que é errado é errado, ainda que todos estejam fazendo, o que é certo é certo, ainda que ninguém esteja fazendo. A CLT está repleta dessas armadilhas. E se você gosta de resolver armadilhas, esqueça as palavras cruzadas ou quebra-cabeças diversos, procure logo a CLT, você vai se deliciar.
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