domingo, 21 de março de 2021

Pejotização é crime mesmo? Ou, a terceirização pactuada com empresa individual




A pejotização (não confundir com terceirização, são situações distintas) há muito tempo ocorre clandestina no setor trabalhista. Entretanto, da maneira como algumas empresas estão fazendo, é como se elas estivessem implorando de joelhos para serem autuadas pelo fisco. Tenho escrito diversos artigos sobre esse incômodo tema já há algum tempo, mas os empregadores não aprendem. Já visitei empresas nas quais boa parte do setor administrativo era composta por PJs e pasmem, todos exerciam cargos! É absolutamente impossível e ilógico um PJ ter um cargo numa empresa por razões óbvias. Vejamos:


Não faz muito tempo prestei um trabalho de consultoria para uma empresa com aproximadamente 80 funcionários. No setor administrativo, vários PJs, todos com cargos, cumpriam jornada de trabalho e eram subordinados a outro PJ. Esse líder PJ se destacava dos demais, tinha o cargo (oi?) de controller, passava ordens, mandava e desmandava, advertia, suspendia funcionários. Na condição de PJ, ele jamais poderia ser atribuído dessas funções.

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Havia muito que consertar ali, então fiz o meu relatório para os proprietários expondo toda irregularidade desses PJs. Ora, não se pode substituir simplesmente empregados celetistas por PJs e achar que está tudo certo, pois, trata-se de um erro pueril, uma grande aceno para denúncias e chamariz para o fisco. PJ não recebe e muito menos passa ordens para empregados com vínculo empregatício simplesmente porque na condição de PJ ele também é uma empresa constituída com número de CNPJ e não pertence ao quadro de funcionários daquela empresa, não tendo absolutamente qualquer vínculo empregatício com ela.


O PJ não pode mandar ou passar ordens para os empregados da empresa, bem como, receber ordens de empregados ou de outro PJ. Se o PJ insistir em dar ordens ele pode ser questionado na justiça. A pessoa que o está obedecendo poderá pleitear na justiça vínculo empregatício por estar subordinado às seus mandos e desmandos.


A lei não permite contrato de terceirização com empresa individual!


Esses PJs eram todos constituídos como empresários individuais ou microempreendedores individuais (MEI). Só é possível celebrar contrato de terceirização com pessoas jurídicas de direito privado e as empresas individuais não são. De acordo com o Código Civil:


São pessoas jurídicas de direito privado:


- as sociedades

- as associações

- as fundações

- as EIRELI - empresa individual de responsabilidade limitada


Não são pessoas jurídicas de direito privado:


- os empresários individuais

- os microempreendedores individuais (MEI)


Empresário individual é pessoa natural apenas para fins tributários, portanto ela não tem personalidade jurídica. Além disso, a empresa contratante deverá também obrigatoriamente verificar o valor do capital social mínimo exigido por lei da empresa que será contratada como prestadora de serviços.


Bem, isso tudo é o que diz a legislação.


Na minha opinião, é óbvio que não concordo com essas exigências burocráticas estúpidas, por mim não há problema algum em contratar uma empresa individual, mas é claro, se isso ocorresse na prática não haveria mais sentido da CLT existir. E isso resolveria sem dúvida alguma a grave questão do desemprego. O estado não dá ponto sem nó, para fins tributários a empresa individual é reconhecida como personalidade jurídica, mas para estabelecer contrato de terceirização não pode. Só mesmo no Brasil temos uma bizarrice dessas.


Pejotização é crime?


Um estudo profundo sobre o tema, sobretudo nos sites de advogados trabalhistas (bem, estão defendo o ganha pão deles, nada contra) vemos que a caracterização do crime de pejotização tem respaldo no artigo 9º da CLT e no artigo 203 do Código Penal. Vejamos:


Artigo 9º CLT: São nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação. 


Artigo 203 do Código Penal: “Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho. Pena: detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência”. Esse crime é de ação penal pública incondicionada (grifo meu).


Vamos desdobrar isso. Para caracterizar a relação de emprego ou o vínculo empregatício, é imprescindivelmente necessária a presença desses quatro itens, a saber: a) pessoalidade; b) habitualidade; c) subordinação; d) onerosidade. É disso que trata os dois artigos punitivos citados em tela, respectivamente o artigo 9º da CLT e o artigo 203 do Código Penal.


Pois bem, diante do exposto, entendo que é perfeitamente possível e lícito a contratação de um PJ (sem contrato de terceirização!) direto, como prestador de serviços, desde que não tenha que cumprir jornada de trabalho, ou seja, marcar o ponto (eletrônico ou manual), não ter horário fixo; não comparecer à empresa todos os dias; não receba e nem passe ordens para empregados celetistas, pois ele devera se reportar apenas ao proprietário da empresa. E atenção! O contrato de prestação de serviços deve ser elaborado pelas duas partes juntas, com cláusulas bastante flexíveis, não pode ser um contrato elaborado unilateralmente (contrato de adesão) só pela contratante. Fazendo dessa forma, fica afastado o mascaramento de vínculo empregatício. 


Uma cláusula elegendo um tribunal arbitral para resolução de conflitos é bastante desejável e prudente. É óbvio que esse tipo de contratação cobre praticamente  cem por cento da área administrativa, porém, por razões óbvias não é possível aplicá-la no setor produtivo ou operacional.


É importante dizer que o enquadramento de uma empresa no crime do artigo 203 do Código Penal é algo muito difícil e raro de ocorrer, é conversa mole de advogado trabalhista que acabou de se formar, chapado e grogue de doutrinação marxista e que ainda insiste que o trabalhador é explorado pelo patrão (é, ele ainda usa essa expressão). É mínima a aplicação do artigo 203 do CP, mesmo porque, existem inúmeras divergências doutrinárias a esse respeito. A judicialização desse tipo de ação é sempre resolvida na esfera trabalhista, cível, administrativa e mesmo dependendo do caso, em um tribunal arbitral e praticamente nunca na esfera penal.


Portanto, ao contratar um PJ que seja empresa individual, não deve ser usada a Lei de Terceirização nº 13.429/17, pois por essa lei, esse tipo de contrato é ilegal e vai gerar sérios problemas para a empresa. Diante da crise de desemprego que o país atravessa no momento, contratar um PJ da maneira correta resolve três problemas de uma só vez: atende quem precisa trabalhar e quem precisa de mão de obra, sobretudo, especializada e damos um grande olé no estado. Além disso, o que é mais importante, é uma contratação bela e moral.


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