Existem artigos na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT pouco explorados e quase não utilizados na prática, são mais conhecidos apenas pelos profissionais que atuam em RH ou no âmbito trabalhista. Um desses artigos é o 486 citado no ano passado pelo presidente da república ao se referir aos prejuízos causados pelos isolamentos determinados por prefeitos e governadores. Vou transcrevê-lo na íntegra:
Artigo 486: No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.
Caput com redação dada pela Lei nº 1530, de 26-12-1951.
§ 1º Sempre que o empregador invocar em sua defesa o preceito do presente artigo, o tribunal do trabalho competente notificará a pessoa de direito público apontada como responsável pela paralisação do trabalho, para que, no prazo de 30 (trinta) dias, alegue o que entender devido, passando a figurar no processo como chamada à autoria.
§ 2º Sempre que a parte interessada, firmada em documento hábil, invocar defesa baseada na disposição deste artigo e indicar qual o juiz competente, será ouvida a parte contrária, para, dentro de 3 (três) dias, falar sobre essa alegação.
§ 3º Verificada qual a autoridade responsável, a Junta de Conciliação ou Juiz dar-se-á por incompetente, remetendo os autos ao juiz Privativo da Fazenda, perante o qual correrá o eito nos termos previstos no processo comum.
Pois bem, a fala do presidente da república ao se referir ao artigo 486 da CLT causou polvorosa entre profissionais que atuam em RH, sobretudo, no setor trabalhista. Como é um assunto novo e praticamente raro na justiça do trabalho, naturalmente que dividiu a opinião dos jurisconsultos (e também de muitos palpiteiros) sendo que naturalmente, há posições contra e a favor haja vista a minguada jurisprudência sobre o tema.
Grosso modo, há juristas que descartam a aplicação do artigo 486 alegando que as restrições ocorreram em razão de motivo de força maior; já os que são a favor alegam que o artigo não faz exceção e se aplica mesmo em caso de força maior. Detalhe interessante que observei é que o grupo contra a aplicação do artigo é composto na maioria por advogados recém-formados, aqueles que enxergam o estado como um grande bem para a humanidade, ou seja, o estado de bem estar social. Já o grupo que se declara a favor da aplicação do artigo é composto por advogados mais experientes, com tendências conservadoras eu diria, com longa atuação no âmbito jurídico trabalhista, com alguma ressalva para aqueles que têm parentes parasitando no estado.
Entendo que se as restrições determinadas fossem facultativas não caberia invocar o artigo 486, mas foram obrigatórias e sujeitas a severas penalidades. Além disso, medidas restritivas de isolamento e lockdown, ao contrário do que dizem palpiteiros como os Bráulios Balelas e os Átiras Tamarindos da vida, não têm absolutamente respaldo científico algum. Não existe um estudo médico sequer que defenda lockdown contra qualquer tipo de vírus. Lockdown não é recomendação científica nem médica, é determinação exclusivamente política e autoritária. Existiam e existem outras alternativas que não prejudiquem a economia e levem empresas à falência, sendo que, lockdown não é a única via possível. Em razão disso, é óbvio que particularmente defendo a aplicação do artigo 486.
O artigo 486 se enquadra na teoria denominada “Fato do Príncipe” (factum principis). O fato do príncipe configura-se quando a administração pública tem diversas alternativas e utilizou justo aquela que prejudicou o empresário, de forma definitiva. Vejamos na prática como isso funciona:
Somente empresas que realmente paralisaram integralmente as operações em razão do impacto das medidas autoritárias, encerraram a atividade e não voltarão mais a funcionar definitivamente. É necessário verificar cada caso individualmente.
Não cabe ação direta do empregador ou do empregado contra a administração pública. O empregador fará as rescisões contratuais e não pagará as verbas indenizatórias, ou seja, 40% de multa do FGTS e o aviso prévio. Quando o empregado demitido entrar com ação para o recebimento dessas verbas, daí sim, o empregador invocará o Fato do Príncipe- artigo 486, para que a administração pública responda pelas verbas indenizatórias.
Bem, qual a possibilidade de ganhar a causa? É roleta russa! Então, respondendo a pergunta do título desse artigo, o empregador pode se utilizar da teoria Fato do Príncipe em razão das medidas autoritárias que suspenderam suas atividades por tempo indeterminado pelo uso da força bruta do estado? Por enquanto não é recomendável em razão dessa insegurança jurídica que o próprio estado nos faz engolir. Vejamos:
Acontece que, quando o presidente citou o artigo Fato do Príncipe, o legislativo tratou de aprovar a Lei nº 14.020/20, cujo artigo 29 é bem claro:
"Não se aplica o disposto no art. 486 da CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, na hipótese de paralisação ou suspensão de atividades empresariais determinadas por ato de autoridade municipal, estadual ou federal para o enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020".
Claro, “placet utilitatem vestram”, tudo para proteger governotários e prefeitardados que gostaram de receber uma graninha boa do governo federal. E tome jurisprudência:
“PANDEMIA DA COVID-19 – SUSPENSÃO DAS ATIVIDADES EMPRESARIAIS – FATO DO PRÍNCIPE – ARTIGO 486 DA CLT – NÃO CARACTERIZAÇÃO. A pandemia da COVID19 exigiu medidas extremas de isolamento e distanciamento social, fazendo com que algumas atividades empresariais consideradas como não essenciais fossem temporariamente suspensas, com vistas à preservação de um bem maior, qual seja, a saúde pública. A hipótese não configura fato do príncipe, na forma do art. 486 da CLT, pois a suspensão das atividades empresariais não decorreu de ato administrativo discricionário, na medida em que não se fundou em juízo de mera conveniência e oportunidade do Poder Público, mas da necessidade de proteção da saúde pública. Ademais, o artigo 29 da Lei nº 14.020/20 expressamente excluiu a aplicação do dispositivo celetista nessa hipótese.” (Processo Nº ROT-0010701-96.2020.5.03.0038 – 3ª Reg. – 3ª T. – Relator Emília Lima Facchini – DEJT-MG 09.12.2020, pag. 746).
Quando a política se utiliza da ciência para respaldar regras autoritárias, ainda que em nome de uma coletividade (que é formada por INDIVÍDUOS, diga-se de passagem) a ciência acaba ali, naquele ponto. Nada mais anticientífico mas sim cientificismo. Unanimidade científica é fraude, aprende-se isso no primeiro ano do curso de Ciências Sociais. Uma leitura do livro “Ciência e Política: Duas Vocações”, de Max Weber já seria o suficiente para se compreender isso. Mas quem vai ler Max Weber se temos Balelas e Tamarindos?
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