segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Precisamos falar sobre o estorno de comissão sobre as vendas


No âmbito dos direitos trabalhistas no Brasil (eu disse no Brasil, apenas somente no Brasil!) a proibição do estorno de comissão sobre vendas é ponto pacífico, eu mesmo já escrevi alguns artigos sobre o tema. A única ressalva é quando ocorre a insolvência do devedor, seja pessoa física ou jurídica. No caso do produto ser devolvido (situação prevista na lei nº 8078/90 – Código do Consumidor-CDC) ou a empresa levar um calote, a comissão do vendedor não pode ser estornada de maneira alguma. Discordo com veemência e considero isso uma bizarrice sem precedentes. Vejamos:


A comissão sobre as vendas é tratada no artigo 466 da CLT e pela Lei nº 3207/1957 (sancionada pelo presidente conhecido como “bossa nova”, aquele que blindou os políticos da população levando a capital do Brasil para um longínquo deserto) que regulamenta as atividades de empregados vendedores, viajantes ou pracistas. O artigo 466 da CLT diz que, “o pagamento das comissões e percentagens só é exigível depois de ultimada a transação a que se referem”. A doutrina interpreta essa redação da clt que o pagamento das comissões é devido após a venda concluída e o negócio fechado, independe se o comprador pagou ou não. Já o artigo 7º da Lei 3207/1957 diz que, “verificada a insolvência do comprador, cabe ao empregador o direito de estornar a comissão que houver pago”. Essa lei capenga (como a maioria das leis positivadas) não entrou no mérito no que diz respeito aos cancelamentos de compras, devoluções e calotes.


Bem, o TST então completou a lambança através do Precedente Normativo nº 97 da SDC, que diz: “ressalvada a hipótese prevista no artigo 7º da Lei nº 3207/1957, fica vedado às empresas o desconto ou estorno das comissões dos empregados, incidentes sobre mercadorias devolvidas pelo cliente, após a efetivação das vendas”. Tudo à luz de Getúlio "a.k.a. CLT" Vargas que diz que o risco da atividade é sempre do empregador conforme artigo 2º do tijolaço Chicote no Lombo dos Trabalhadores-CLT.


Depois desse porre de getuliovarguismo, vamos direto ao ponto.  Pode ter essa groselhada toda de leis, acórdãos, etc., mas a proibição do estorno de comissões sobre produtos devolvidos ou por calote do comprador é de uma estupidez cruel. Por qualquer perspectiva que seja, econômica, contábil, matemática, lógica e até mesmo moral, é uma conta que não vai fechar nunca.


Ora, há que se perguntar: o valor da comissão provém de onde? Qual a sua origem? Pois vem do produto vendido, ou seja: vendas é igual à entrada de valor, e uma vez que esse valor deixa de entrar, de onde a empresa vai tirar o valor para o pagamento da comissão? Fazendo mágica? Temos aqui duas situações, vamos analisá-las:


Devolução do produto:


A devolução de produtos (e aqui é irrelevante o motivo da devolução) é prevista no Código de Defesa do Consumidor. Existem algumas situações variáveis nesses casos, mas existem aquelas em que a empresa devolve o valor integral ao cliente, ou seja, o valor que entrou é devolvido. O produto nessa altura pode estar avariado ou totalmente inaproveitável, não poderá mais ser vendido. E se o produto estiver em bom estado e for vendido para outro cliente, o vendedor receberá novamente uma comissão sobre o mesmo produto vendido duas vezes? Nesse caso, quando a empresa tem que devolver o valor ao cliente sou totalmente favorável que a comissão seja estornada ou então devemos perguntar: de onde pagar uma comissão de um valor que não entrou, ou melhor, entrou, mas foi devolvido ao cliente e às vezes até mesmo corrigido?


Falta de pagamento (calote)


Aqui a situação é pior ainda porque a empresa terá um triplo prejuízo: Ficará sem o produto, não receberá pelo produto vendido e ainda terá que pagar comissão ao vendedor o que é uma situação surreal e absurda. A comissão deveria ser estornada sim nessas situações, ressalvando que, caso a empresa consiga receber do cliente através de ação judicial a comissão deverá ser creditada ao vendedor imediatamente.


Portanto, deixo aqui esse questionamento: qual é a lógica de proibir estorno de comissões em casos de devolução, cancelamento ou calote? A única resposta possível é tripudiar e ter um prazer mórbido em cima do prejuízo das empresas que geram valor e riqueza para o país. Um país de leis surreais e absurdas, sendo que numa mesma lei temos artigos que se contradizem uns aos outros, temos leis que não se complementam mas que se anulam umas as outras resultando sempre numa conta que não fecha, numa conta cujo resultado é aquele que está no  verso de uma conhecida canção que diz que está tudo certo como dois e dois são cinco.


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