segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Um Dia e Meio (Filme Recomendado): policial estoico dá show de liderança





"Os seres humanos foram feitos uns para os outros: ou os ensine, ou os suporte" (Marco Aurélio-Meditações VIII, 59)

Existem diversos tipos de liderança, cada líder escolhe um modelo que mais se adequa a sua personalidade e também de acordo com a situação que tem pela frente. O policial Lukas, praticamente o protagonista do filme “Um Dia e Meio”, dá um show de liderança com seu estilo calmo e tranquilo de conduzir a situação que chega até a ser incômodo e perturbador.  Vamos ao filme, que, diga-se de passagem, ficou em 1º lugar entre os top 10 lançados pela plataforma Netflix.

“Um Dia e Meio” é um filme do gênero policial/suspense/psicológico. O roteiro e direção são do próprio e premiadíssimo ator e diretor sueco/libanês Fares Fares que interpreta com grande estilo o papel do policial Lukas. Fares escreveu o roteiro baseado em um fato real ao ler no jornal uma notícia na seção policial: um homem armado chamado Artan após sair da cadeia invade o consultório médico de sua ex-esposa, a médica Louise, para que ela lhe entregue a filha, pois ela detém a guarda da criança. Só que a criança está na casa dos pais dela, então Artan, a ameaça e a obriga a levá-lo até a casa dos pais. Há um tumulto na clínica, a polícia é  acionada. Lukas é o policial que vai atender a ocorrência.

O policial Lukas parece um personagem saído dos livros do escritor britânico Joseph Conrad, quem está habituado a ler Conrad perceberá esse detalhe. De início já vemos que se trata de um policial experiente, de uma calma inabalável, de olhar penetrante, sua presença passa confiança e credibilidade, sua fala é tranquila, porém firme, jamais ergue a voz. Ele vai atender todas as exigências de Artan. "Todas"! (será mesmo? hum, sei não!) A primeira exigência é um carro para sair da clínica e ir até a casa dos ex-sogros onde está sua filha Cassandra. Lukas é quem vai dirigir, Artan e Louise vão no banco de trás. Artan tem a arma apontada o tempo todo para a cabeça de Louise. Qualquer deslize, Artan diz que mata Louise e se mata logo em seguida.

Durante o trajeto pela estrada, Artan discute o tempo todo com Louisie. Descobre-se que Louise não é tão certinha assim, parece uma pessoa histérica e bastante descontrolada.  Artan, por sua vez não nos parece ser esse monstro sequestrador. Artan foi preso injustamente, pegou três anos de cadeia por uma mentira contada pelos pais de Louise que eram preconceituosos xenófobos e contra o casamento dos dois. Artan é de origem árabe e a família de Louisie é sueca. Louise não tinha bom relacionamento com os pais, teve depressão pós-parto e vivi a base de remédios. Lukas só escuta e os fita pelo retrovisor, sempre calmo e tranquilo, é de poucas palavras.

O momento de maior tensão é justamente na casa dos sogros quando Artan quer ver e levar a sua filha. Muita roupa suja é lavada e o sogro de Artan confessa que mentiu só para vê-lo em cana. O sogro não admite que a menina seja levada e pega uma espingarda para ameaçar Artan. E aqui o policial Lukas interfere, consegue deter e desarmar o sogro de Artan. Artan e Lousie conseguem levar a menina.

A viagem segue agora com Artan, Louise, a filhinha Cassandra e Lukas ao volante. Mesmo na presença da menina, Artan continua apontando a arma engatilhada para a cabeça de Louise. A próxima exigência de Artan é para que o coloque num voo junto com Louise e a filha com destino a Albânia. Lukas pelo rádio faz o pedido. As autoridades concordam com a fuga desde que Artan liberte a filha e Louise. Mas assim Artan não quer e então ele pede a Lukas que solicite uma balsa para fugir do país via Polônia. Mais uma vez, Lukas faz a solicitação pelo rádio e o pedido é atendido.

No trajeto final em direção à balsa, Artan sente que de certa forma, Lukas sempre se mostrou solícito e disposto a ajuda-lo. Então começa a puxar prosa com o policial perguntando sobre sua vida. Lukas a essa altura já sabe que ganhou a confiança de Artan e diz que é divorciado, diz que traiu a esposa e que tem dois filhos que escolheram morar com a mãe. Disse que justamente naquele dia era o aniversário de seu filho mais velho e que lamentavelmente não poderia estar ao lado dele em razão de estar conduzindo essa ocorrência e longe de casa.

Por fim chegam ao porto aonde Artan aguardará pela balsa que lhe dará fuga. Do momento em que Artan entrou na clínica até aquele momento, tudo durou um dia e meio. Ambos estão exaustos. Artan decide emprestar o seu celular para Lukas falar com o seu filho e desejar-lhe um feliz aniversário. Lukas aceita e liga para o filho, deseja-lhe feliz aniversário, troca algumas palavras e se emociona, desliga e devolve o celular para Artan. Lukas é informado de que o capitão da balsa está reticente em embarcar uma pessoa armada. A situação é tensa. Artan pede para Lukas buscar um café enquanto aguarda a resposta do capitão da balsa. Lukas vai pedir o café pelo rádio, mas Artan pede para Lukas se ele pode deixa-lo com  Louise a sós por um instante. Lukas desce do carro e caminha (experiente que é ele já fez uma leitura suficiente de Artan e sabe que Artan não vai atirar em Louise). Bingo!  Artan desengata o pente da pistola e a entrega a Louise e desaba em lágrimas. Louise joga a arma para fora pela janela do carro.

Bem, não há balsa alguma aguardando por Artan, aliás, nunca houve balsa, nem avião e nem haverá café porque Lukas não vai retornar mais. Uma força tarefa cercava o carro e aguardava Artan se entregar. Ninguém saiu ferido, ninguém morreu e nem um tiro foi dado e Lukas não encostou um dedo sequer em Artan, embora oportunidades é que não faltaram, principalmente quando Artan ficou vulnerável na casa dos sogros. Talvez outro policial tivesse agido de outra maneira, não Lukas, ele preferiu seguir em frente.

As perguntas são inevitáveis:

Com quem o policial Lukas falava pelo rádio? Seria mesmo uma autoridade ou apenas um colega de profissão para disfarçar? Nas duas paradas pelo caminho, Lukas trocou sinais e gestos com uma policial que os acompanhava de longe. Qual o significado daqueles sinais? O que Lukas contou de sua vida para Artan, que era divorciado e os filhos moravam com a mãe ele estava mentindo ou estava sendo sincero? Foi mesmo com o seu filho que ele falou ao celular desejando um feliz aniversário? Desde o início, Lukas foi sincero ou foi ardiloso e esperou o momento certo para prender Artan? Afinal, Artan apontava a arma o tempo todo para a cabeça de Louise. Se ardiloso, foi uma jogada de mestre ao deixar que Artan acreditasse que estava no controle da situação, só que não estava; se sincero, Lukas pegou Artan pelo seu lado humano, demasiadamente humano, tal como Lukas. A missão foi cumprida espetacularmente com sucesso e cada um vai tirar a sua própria conclusão.

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