segunda-feira, 20 de maio de 2024

Lições de estoicismo no filme "A Livraria"

 


Aviso: contém alguns spoilers!


O filme “A Livraria” de 2017 é a adaptação para o cinema do livro de mesmo nome escrito em 1978 pela premiada romancista e poetisa inglesa Penélope Fitzgerald (1916-2000). Ambientado no ano de 1959, o roteiro adaptado é dirigido pela cineasta espanhola Isabel Coixet. Narra a história de uma viúva (Florence Green) de meia idade que se muda para Suffolk, uma pacata cidade litorânea do leste da Inglaterra para abrir uma livraria na sala de casa onde ela reside. O filme teve treze indicações de prêmios. A diretora Isabel Coixet levou o Prêmio Goya espanhol em três categorias: melhor filme, melhor direção e melhor roteiro adaptado.

Os obstáculos começam com a resistência que Florence encontra em obter o alvará para o funcionamento da livraria. A casa alugada por Florence era objeto de cobiça pela senhora Violet Gamart, uma figura maligna, poderosa e rica com muita influência política na pequena cidade na qual ela mandava e desmandava, bastava estalar os dedos. Violet obviamente não gostou da forasteira Florence muito menos da ideia da livraria.

Na pequena cidade de Suffolk os habitantes não eram muito afeitos aos livros com exceção do senhor Edmund Brundish, o único leitor voraz na cidade e que será um dos principais clientes e se tornará amigo de Florence. Outra figura de destaque (para mim depois de Florence, a principal!) na trama é a garotinha Christine que trabalhará meio período na livraria por algum tempo e também estabelecerá uma afetuosa amizade com Florence. Christine não gosta de livros, mesmo assim Florence lhe dá um livro de presente e o deixa na estante para quando Christine se interessar por ele.

A livraria até que prospera bem, o senhor Brundish é cliente assíduo, embora seja um homem recluso e nunca vai pessoalmente à livraria. Florence lhe envia todos os lançamentos pelo correio. No entanto os habitantes da cidade nunca perdem a oportunidade de hostilizar Florence quando a encontram pela rua. A sua resposta é sempre um sorriso, Florence nunca se abala com as provocações que lhe fazem o que irrita mais ainda os provocadores. Florence é uma forte personagem estoica.

Christine é proibida pela fiscalização de continuar ajudando na livraria e Florence confia então para substituir a garotinha o senhor Milo que se oferece para o trabalho, se faz de amigo num primeiro momento, mas se revelará um canalha traidor, pois é pau mandado da senhora Violet e denunciará Florence para a fiscalização.

Após a denúncia feita pelo Sr. Milo, Florence é notificada que será despejada do local. Naturalmente que tudo isso tem por trás a influência maligna e política da senhora Violet. Florence então recorre ao seu amigo, o senhor Edmund Brundish que, antigo morador da cidade, vai interceder a favor de Florence tendo uma conversa com a senhora Violet.

A conversa entre o senhor Brundish e a senhora Violet não surte efeito algum, ela o humilha sem dó nem piedade e na volta para casa, Brundish, abalado sofre um infarto fulminante. Não há mais nada a fazer, Florence tem que desocupar o imóvel sem qualquer indenização e deixar a cidade. Ela encaixota os livros, seus pertences e faz as malas. Ela deixa na estante vazia o livro que ela deu de presente para a garotinha Christine.

Uma balsa espera Florence no cais. Ela adentra na balsa que se afasta e desliza lentamente pelas águas deixando a cidade. Christine aparece correndo e abana as mãos se despedindo de Florence. Christine segura firme na outra mão o livro que Florence lhe deu de presente, antes ela esteve na livraria já vazia e pegou o livro que lá estava a sua espera.

A história toda desde o início é narrada “in off” por uma voz feminina. Trata-se de Christine que muitos anos depois já adulta, montou a sua própria livraria, uma linda livraria diga-se de passagem.

Quais as lições estoicas que tiramos dessa bela história?

Sabemos que os quatro pilares das virtudes cardinais estoicas são: Coragem, Sabedoria, Justiça e Temperança. Florence Green revelou uma coragem impressionante para enfrentar a hostilidade de Violet e os habitantes de Suffolk. Num diálogo inesquecível com o Sr. Brundish ele a elogia e a admira pela sua coragem, coragem essa que nenhum habitante da cidade ousaria ter. Além de sua coragem, a serenidade inabalável com que enfrentou a situação nos passa até mesmo uma sensação de desconforto. Muitos que assistiram o  filme criticaram a personagem de Florence por essa postura serena ou não reativa. E aí encontramos os ensinamentos dos filósofos estoicos Sêneca e Epicteto: "concentre-se no que pode controlar, aceite o que não pode" Ou então de Marco Aurélio: "Apenas faça a coisa certa, o resto não importa". Florence fez a coisa certa e de acordo com um princípio estoico denominado Analogia do Arqueiro: "podemos aceitar o resultado porque fizemos nosso melhor, se o resultado não é satisfatório, devemos aceitá-lo facilmente e dizer, bem, eu fiz o meu melhor”. Florence deu o melhor que ela pode, ela plantou uma semente e deixou um legado que fez a diferença para uma pessoa, no caso, a garotinha Christine.

Além disso:

O filme tem mais força do que o livro, pois a belíssima e magistral fotografia confere à trama uma carga dramática fabulosa que ajuda a compreender a psicologia de cada personagem.

O filme é permeado por muitos simbolismos entre eles, os livros que aparecem durante a trama, como por exemplo, o famoso best-seller "Fahrenheit 451, de Ray Bradbury que conta a estória de um bombeiro cuja função é queimar livros.

Os atores protagonistas, Emily Mortimer (Florence Green), Honor Kneafsey (Christine), Bill Nighy (Edmund Brundish), Patricia Clarkson (Violet Gamart) e James Lance (Milo Noth) têm performances espetaculares e dão um show de interpretação.

E por fim, para os amantes e apaixonados por livros trata-se de um filme imperdível e obrigatório, na verdade os livros também são protagonistas e viram alvos de ataque por pessoas ignorantes e incultas. E a bela resposta para isso é uma frase proferida por Florence Green e depois repetida no desfecho do filme por Christine: 

"Numa livraria nunca se está sozinho"

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