segunda-feira, 17 de junho de 2024

O marketing picareta da camiseta preta que não esquenta ou: uniforme preto diminui a produtividade



Em 2017 escrevi um artigo sobre pesquisa feita por mim no campo da Ergonomia discorrendo a cerca da inadequação do uso de uniformes pretos no ambiente de trabalho. Vivemos num país de clima tropical com altas temperaturas praticamente durante o ano todo. O uso de um uniforme, roupa ou mesmo uma camiseta que seja na cor preta é significativamente desconfortável para o trabalhador, ainda que ele labore em ambiente com ar condicionado. Tecido preto retém alta temperatura de calor sendo o seu uso mais indicado nas severas temperaturas de inverno. Ocorre que algumas empresas do ramo têxtil na ganância de vender seus produtos oferecem um tipo de camiseta na cor preta e que foi desenvolvida para não esquentar o corpo. Isso tem um nome, a nossa velha conhecida picaretagem. Vejamos:

É natural e legítimo que toda empresa se valha de pesadas estratégias de marketing para colocar um novo produto no mercado. No Brasil as estratégias de marketing tomam como base o dito brasileiro médio, de pouca leitura, que não pesquisa e pouco se informa, quer tudo pronto e sem esforço algum. Sua única fonte de informação é ainda a ultrapassada grande mídia que se expressa, sobretudo nesse veículo paleolítico chamado TV. Obviamente que esse marketing brutal também alcança as redes sociais e com sucesso absoluto.

Ocorre que algumas dessas empresas da camiseta preta “que não esquenta” patrocinam muitos youtubers e influenciadores digitais que além de aparecerem nos vídeos vestidos com a dita cuja “que não esquenta”, corroboram uma mentira afirmando com a maior cara de pau que a camiseta é fresquinha e confortável. Então tá, me engana que eu gosto. Estamos diante da típica situação em que o patrocínio sempre paga alto por canalhice e mau-caratismo.

Algumas empresas caem nessa lábia sem checar a veracidade da questão e acabam adquirindo em grande quantidade as tais camisetas pretas fresquinhas "que não esquentam" para os seus funcionários. E sim, estão comprando realmente um tecido de alta tecnologia desenvolvido para climas quentes, porém estão levando também a cor que retém no corpo alta sensação térmica e que causará desconforto para o empregado. É a dita sabedoria popular comprar gato por lebre.

Veremos agora como organismo percebe e reage quando usamos tecidos na cor preta. Para tanto recorro a dois trechos do artigo que escrevi em 2017 sobre o tema:

“Como o organismo reage ao uso de tecido preto? Chegamos agora no âmago da questão: o uso de roupa preta, no caso específico, de uniforme de trabalho, gera uma absurda e altíssima sensação térmica no corpo humano, causando enorme desconforto e mau humor, excesso de sudorese, cansaço, indisposição para o trabalho e baixa produtividade sobretudo em dias de alta temperatura. A cor preta irá absorver toda luz e claridade solar retendo no organismo alta temperatura decorrente do grau de calor obtido. Além disso, a retina também é afetada e o resultado é uma desconfortável tensão ocular”.

"É sem dúvida alguma a pior cor escolhida para ser usada para uniforme de trabalho, embora seja nobre e elegante. Levando-se em conta o clima tropical do país de altas temperaturas praticamente o ano todo, o seu uso é absolutamente inadequado para o ambiente de trabalho”.

Um teste bem simples e fácil que qualquer pessoa poderá fazer é o seguinte: Obter duas camisetas idênticas, do mesmo tecido e da mesma marca podendo ser de algodão ou não, sendo uma totalmente branca (ou de outra cor em tons claros) e outra preta. Lavá-las e pendurá-las no varal. Em menos de duas horas a camiseta preta estará completamente seca, enquanto a branca levará praticamente o dia todo para secar. A camiseta preta absorveu rápida e quase que instantaneamente o calor do sol, enquanto a branca o refletiu.

Temos que entender que a questão não é o tecido "mágico que não esquenta" e sim a cor. Pode ser o melhor tecido desenvolvido com alta tecnologia para suportar climas quentes, de nada vai adiantar, o que importa é a cor. Uma camiseta branca absorverá 20% do calor ambiente enquanto a preta absorverá 98%. Isto é ciência, existe vasta bibliografia sobre o tema para ser consultada e, portanto, propaganda e marketing rasteiro não vão alterar as leis da física, quem acreditar nessa balela de tecido especial na cor preta que não esquenta é no mínimo um negacionista.
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Bibliografia:

ALBERS, Josef. A Interação da Cor. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009

ARNHEIM, Rudolf. Arte e Percepção Visual. São Paulo: Thomson Pioneira, 1998

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15292. Artigos confeccionados-vestimenta de segurança de Alta visibilidade. Rio de Janeiro, 2013

FARINA, Modesto. Psicodinâmica das Cores em Comunicação. São Paulo: Blücher, 2000

GUARNELLI, Ismael. Cores Cor Uso e Abuso. Desktop Publishing Revista de Editoração Eletrônica e Computação Gráfica. São Paulo: Expressão Editorial

GOETHE, Johann Wolfgang von. Doutrina das Cores. São Paulo: Nova Alexandria, 1993

LÜSCHER, Max. O Teste das Cores. Rio de Janeiro: Renes, 1989

PASTOREAU, Michel. Preto - História de Uma Cor. São Paulo: Senac, 2011

PEDROSA, Israel. Da Cor à Cor Inexistente. São Paulo: Senac, 2009

SCHOPENHAUER, Arthur. Sobre a Visão e as Cores. São Paulo: Nova Alexandria, 2003


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