Escrito por Vivian Marassi**
[não é um texto de crítica à PEC das domésticas; é apenas uma análise sobre o quanto o Governo tem sufocado a classe média]
A empregada em questão sou eu. Assalariada, cumpro horário, pago todos os impostos que me são cobrados.
Contratei uma empregada há muitos anos e desde então pude perceber o quanto é difícil para uma empregada (eu) manter uma empregada (ela).
O meu salário não é vinculado ao salário-mínimo. O salário-mínimo tem aumento uma vez por ano, e o meu, não. Para ser mais exata, o salário-mínimo aumentou seis vezes seguidas nos últimos anos, sem que o meu tenha aumentado. Com empregados assalariados, como eu, muitas vezes funciona assim.
Há seis anos, o salário-mínimo equivalia a cerca de R$ 350,00. Hoje equivale a quase R$ 800,00, um aumento de mais de 100%. Aumentando o salário-mínimo, aumenta também a contribuição previdenciária, hoje calculada em mais de R$ 120,00 por mês.
A cada mês, o Governo Federal rouba uma bela fatia do meu salário, a título de "contribuição" para o Imposto de Renda. É um furto consentido, sou "contribuinte". E sequer um mísero centavo da mensalidade que eu "cedo gentilmente" para o Governo Federal reverte em algo proveitoso para mim. Não reverte em nada, absolutamente nada.
A saúde é um caos - na cidade onde moro, há déficit diário de mais de 80 vagas em UTI. A fila vai andando à medida que os da frente vão morrendo. Para não me arriscar, pego então parte do salário que o Governo não furtou e aplico na mensalidade de um plano de saúde.
A educação é outro caos, então lá vai outra (grande) parte do salário que restou e aplico na mensalidade de uma escola particular para os meus filhos.
Qualquer empregado, portanto, sente-se em uma daquelas corridas de cavalo do programa do Bozo de 1900-e-bolinha. Nós somos o cavalo retardatário, aquele que fica para trás vendo passarem por ele todos os outros cavalos. O nosso salário está aqui, nesse mesmo valor há anos, e passam correndo por nós todos os aumentos mensais, semestrais, anuais. A lata de leite Ninho custava R$ 4,00, agora custa R$ 10,00. A escola aumentou 10%. O plano de saúde aumentou 8%. E seu salário lá, correndo atrás, em último lugar.
É especificamente por esse motivo que a PEC das empregadas domésticas tem gerado tantos comentários negativos por parte da classe média.
Fomos equiparados às empresas comuns sem termos os mecanismos e benefícios que elas possuem para reverter o impacto causado por qualquer aumento na folha de pagamento ou na carga tributária. As empresas repassam para o preço final do produto ou serviço oferecido todos os aumentos que oneram o seu custo de produção/manutenção. Como as famílias não são empresas, elas não possuem esses mecanismos. Qualquer aumento nos gastos com a manutenção da empregada doméstica precisa ser absorvido pelos próprios patrões. Além disso, as empresas possuem diversos benefícios fiscais concedidos pelo Governo, não extensíveis às famílias - o que irá gerar, inclusive, grandes discussões judiciais, haja vista que os empregadores domésticos, tendo sido equiparados às empresas comuns, deverão buscar judicialmente a equiparação dos direitos, em nome da proteção ao princípio da igualdade.
Não somos escravocratas. Não somos "elite" (quem nos dera... nem estaríamos ligando para essa PEC). Não somos opressores. Nossa reclamação não é fruto do desejo de permanência da escravidão - como certos sociólogos andam dizendo em entrevistas concedidas por aí.
Somos apenas assalariados que têm plena consciência de que, com o aumento galopante do salário-mínimo a cada ano, com as mordidas do Imposto de Renda em nossos salários, com os gastos que temos com saúde e educação em razão da total ineficiência do Governo, com a inflação real e concreta que temos percebido nos últimos tempos etc., não teremos condições de manter nenhuma empregada doméstica em nossa residência.
E isso é ruim para nós? Sim, claro, é uma perda de conforto que possivelmente será minimizada com a contratação de diaristas eventuais. Mas isso é nada perto da perda que poderão sofrer as empregadas atualmente contratadas.
Caso algum dia, por força de todos esses fatores, eu não possa mais manter a minha empregada, ela terá que demitir também a empregada dela. Seu esposo é doente, aposentado por invalidez, e fica sob os cuidados da empregada que ela contratou - sem carteira assinada, sem direitos reconhecidos, sem ganhar sequer metade de um salário-mínimo, mas é uma moça que precisa desse dinheiro que a minha empregada tem a oferecer para ela.
A empregada da empregada da empregada.
PS: ao falar "minha empregada", pessoa nenhuma demonstra com essa expressão o "sentimento elitista de posse sobre o escravo", como andam dizendo por aí. É "minha empregada" do mesmo jeito que falamos "o meu chefe", "a minha gerente", "o meu amigo". Patrulhamento cego gera mais danos do que benefícios à causa defendida.
** Vivian Marassi edita o blog Amélia ao Avesso
Um comentário:
Eh a hipocrisia de um pais forcando a entrada no primeiro mundo....
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