segunda-feira, 4 de março de 2019

Supervisora proíbe lésbica de usar banheiro feminino

Já há algum tempo eu venho insistentemente batendo na tecla da incompetência do setor de Recursos Humanos das empresas. Problemas da rotina do dia a dia que envolvem funcionários e que poderiam ser facilmente resolvidos pelo RH mas não são, acabam levando as empresas ao banco dos réus. E foi extamente isso que aconteceu.

Um fato recente ocorrido na cidade de Campinas/SP e  com intensa repercussão na mídia, foi o caso da auxiliar de limpeza Thaís, uma funcionária terceirizada de uma empresa de serviços de higienização e que presta serviços para um supermercado. A funcionária é lésbica e por ter aparência masculina foi impedida por uma supervisora do  supermercado de utilizar o banheiro feminino. Desde então, Thaís foi obrigada a utilizar o banheiro masculino por determinação dessa supervisora. Vamos aos fatos:

A princípio, Thaís utilizava normalmente o banheiro feminino, tanto para proceder com o serviço de higienização, bem como para uso próprio. Uma promotora de vendas que nem pertence ao quadro de funcionários do supermercado, ao utilizar o banheiro se deparou com Thaís. A promotora então reclamou, pois julgou que havia um homem no banheiro feminino, haja vista a aparência masculina da moça. Não ficou claro se a promotora sabia se tratar realmente de um homem ou de uma mulher ou foi a aparência de Thaís que a incomodou.

A partir daí, segundo a própria Thaís conta, sua supervisora lhe disse assim: “já que você parece homem, vai ter que usar o banheiro masculino”. Thaís ainda tentou argumentar, disse que era mulher, mas em vão, a supervisora foi irredutível. E como se isso não bastasse, a supervisora passou a chamá-la de Thalisson ao invés de Thaís, ainda que Thaís insistia para ser chamada pelo seu nome próprio.

Foram dias de terror não somente para Thaís, bem como, agora era também uma situação constrangedora para os funcionários homens usarem o banheiro masculino e se depararem com Thaís, que é mulher. Eles também reclamaram, mas de novo, foi em vão.

Está faltando alguma coisa aí, não? Acredito que todos já perceberam o que é. Sim, é a falta de presença do RH do supermercado que parece que nem existe e ainda nem entrou em cena. Mas é claro, nessa altura do campeonato o RH devia estar preocupado em promover alguma palestra motivacional com algum guru autor de livros de auto-ajuda ou então promovendo algum curso bizarro de leader training.

Temos até aqui uma situação muito fácil de ser resolvida pelo RH, pois esse setor existe nas empresas justamente também para solucionar assuntos dessa natureza relacionados à pessoas, funcionários, enfim ao capital humano da empresa. No entanto, a situação caminhava a passos largos para a justiça trabalhista e bem distante do RH.

E agora Thaís não podia usar nem o banheiro feminino, pois foi proibida de usá-lo e tampouco o banheiro masculino, pois o constrangimento era recíproco entre Thaís e os os homens que o utilizavam.

Aconselhada por uma amiga, Thaís procurou uma advogada que entrou com uma ação de danos morais contra as três empresas, ou seja, a contratante, a contratada e a empresa em que a promotora prestava serviços. Vejam que lambança! Vejam como faz falta nessa hora um RH atuante e experiente que impeça que uma situação tão simples de se resolver como essa chegue a tal extremo.

Em 26 de Fevereiro, a 6ª Vara Cível do Foro de Campinas, através do juíz André Pereira de Souza, deferiu uma liminar (antecipação dos efeitos da tutela) para que Thaís voltasse a utilizar o banheiro feminino. A empresa tem 15 dias para apresentar defesa e caso não cumpra a decisão liminar, pagará multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Após o recebimento da liminar, o supemercado enviou um comunicado que iria apurar e elucidar os fatos. Pois eu digo, um pouco tarde para isso, não é mesmo? Agora, vejam na sequência a pérola de comunicado que o supermercado expediu:

"A rede esclarece que a funcionária terceirizada, contratada de uma empresa que presta serviço de limpeza à loja de Campinas, solicitou ao seu empregador que fosse tratada pelo gênero masculino, adotando o nome de Thalyson.

O Makro foi comunicado deste posicionamento pela empresa terceirizada e, alinhado com seus valores de respeito à diversidade e à inclusão, imediatamente apoiou a decisão pessoal da funcionária, assim como sua escolha em utilizar o banheiro que melhor refletisse sua identidade de gênero."

E agora, o comunicado enigmático da empresa contratada:

"em um determinado momento do contrato de trabalho, surgiu o questionamento de como gostaria de ser chamada e de qual banheiro se sentia mais confortável em utilizar. De acordo com a Elofort, Thais respondeu que "gostaria de ser chamado de Thalison" e que "se sentia mais confortável em usar o banheiro masculino"

Nota-se que as versões das empresas contratante e contratada estão em consonância. Porém, alguém está mentindo. Se realmente é verdade o que as empresas afirmam nos comunicados, se Thaís optou por ser chamada de Thalisson e pediu para usar o banheiro masculino, não faz sentido ela insistir no supermercado para utilizar o banheiro feminino e todo esse imbróglio ainda está muito mal explicado. E aí justamente está o ponto chave da questão aonde tudo começou (se é que começou) e nem deveria ter começado. Vejamos:

Voltemos ao comunicado da empresa contratada: "em um determinado momento do contrato de trabalho,(grifo meu) surgiu o questionamento de como gostaria de ser chamada e de qual banheiro se sentia mais confortável em utilizar. De acordo com a Elofort, Thais respondeu que "gostaria de ser chamado de Thalison" e que "se sentia mais confortável em usar o banheiro masculino"

Pois bem, como assim em um determinado momento do contrato de trabalho?? Se isso realmente ocorreu, o correto seria buscar socorro e remédio na legislação, porque o que manda é o CONTRATO DE TRABALHO, cujas informações foram obtidas mediante documentação apresentada pela funcionária.  É do sexo feminino? Então, elementar, mulher usa banheiro feminino, se homem, usa banheiro masculino e fim de conversa! O setor de RH da empresa de limpeza falhou, caberia a este setor a responsabilidade de deixar as regras claras e que se o pedido da funcionária fosse atendido traria sérios problemas para a empresa, inclusive o de falsidade ideológica por parte da funcionária.

Um festival de erros:

Thaís errou ao se reportar à supervisora do supermercado um problema dessa natureza. Isto porque, de acordo com a Lei nº 13.429/2017 que trata da terceirização, juridicamente os funcionários são subordinados à empresa prestadora de serviços e não à tomadora. Portanto, o poder de direção é da empresa prestadora e isso está bem claro na legislação.

A supervisora (mal treinada) do supermercado errou. Ela tomou uma decisão proibitiva sobre uma funcionária terceirizada. Isso pode gerar automaticamente vínculo empregatício de Thaís com o supermercado. Além disso, ela poderia ter evitado as consequências de suas ordens descabidas se permitisse que Thaís usasse o banheiro feminino. Houve execesso de rigor por parte da supervisora, o que é proibido por lei, conforme artigo 483, alínea "b" da CLT. Cabe justa causa para essa supervisora que cometeu incontinência de conduta e até mesmo ato lesivo da honra contra Thaís, situações essas previstas no artigo 482, alíneas "b" e "j" da CLT.

A advogada de Thaís errou: ela deveria pleitear o vínculo empregatício, pois Thaís teve que obedecer ordens (ordens bizarras, diga-se de passagem,) de uma supervisora indevidamente. O pedido de dano moral está corretíssimo, caso as empresas não apresentem as provas contraditórias. E se as empresas apresentarem na defesa o que elas alegaram no comunicado, ou seja, que foi Thaís quem pediu para ser chamada de Thalisson e utilizar o banheiro masculino, a causa estará definitivamente perdida porque esse fato é irrelevante para a justiça.

A promotora de vendas: foi o pivô de tudo, embora não seja funcionária do supermercado, não agiu de forma correta, foi leviana na reclamação e acabou levando a empresa em que trabalha inadvertidamente para o banco dos réus. A empresa também poderá enquadrá-la na justa causa.

RH da prestadora: errou feio, das duas uma: ou a versão apresentada no comunicado é mentira ou se realmente for verdade, o RH errou em não esclarecer os fatos para Thaís à luz da legislação como citei acima. O RH não agiu preventivamente como deve agir.

RH do supermercado: foi o que mais cometeu erros primários. Não atuou na hora em que devia, não passou as orientações devidas sobre funcionários terceirizados aos seus supervisores. Se for verdade o comunicado, aceitou uma orientação da empresa prestadora sem qualquer amparo legal, porque como eu disse, o que manda é o que está escrito no CONTRATO DE TRABALHO e também, se for o caso, no REGULAMENTO INTERNO.

No meu entendimento, ocorreu um falhanço geral cuja responsabilidade maior é unica e exclusiva do setor de Recursos Humanos do supermercado, a  empresa tomadora de serviços. O que o RH fez para evitar ou agir preventivamente para que tal situação simples de se resolver chegasse aonde chegou? Nada, absolutamente nada e se atuou, o fez de da maneira inversa do que deveria ser feito. Faltou preparo, repertório e expertise para os profissionais desse setor que acabou muito mal na fita, levando três empresas para o banco dos réus.

Portanto, a falta de conhecimento e repetório da legislação por parte dos profissionais que atuam no setor de Recursos HUmanos é o motivo principal que tem levado as empresas a prestar contas com a Justiça do Trabalho.

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