segunda-feira, 5 de agosto de 2024

Ainda existem traços escravagistas nas relações de trabalho



Uma das situações que mais incomodam nas relações de trabalho são os resquícios escravagistas que ainda a permeiam e não adianta negar porque isso é fato, embora não seja regra geral. Não estou me referindo aqui ao dito “trabalho escravo”, isso ainda é outra questão, embora os traços escravagistas estejam necessariamente também inseridos ali. O que me refiro é a sensação de posse de quem se encontra numa posição hierárquica acima de quem está sob a sua direção. Vamos desenvolver isso.

Alguns empregadores ainda acreditam que são os donos absolutos de seus empegados, basta observar a maneira de como os primeiros se relacionam com os segundos. Mas isso não é exclusividade dos empregadores, pois supervisores, gerentes e demais cargos que estejam em posição hierárquica acima de seus subordinados conseguem criar um clima desconfortável no ambiente de trabalho no qual encontramos funcionários desmotivados e inseguros com medo até de ir tomar uma água ou ir ao banheiro. E qualquer funcionário que trabalhe nesse clima inóspito naturalmente não conseguirá ser produtivo.

Essa situação de posse do empregado está muito presente principalmente no Trabalho Doméstico. A própria legislação do Trabalho Doméstico (Lei complementar nº 150/2015) não ajuda muito, pois defini o trabalhador doméstico “aquele que presta serviço no âmbito familiar”. E o que isso significa? Significa que o trabalhador doméstico está sujeito a todo tipo de mandos, desmandos e situações humilhantes de toda (toda!) família. Qualquer membro da família pode advertir, punir e até demitir a empregada. Por isso sempre recomendo que se coloque no contrato de trabalho neste caso, importante cláusula que disponha a quem o trabalhador se reportará, isto porque na ausência dessa cláusula qualquer um daquela casa poderá mandar e desmandar na empregada.

O antropólogo e colunista Roberto da Matta tratou muito bem dessa questão em seu sensacional e recomendado livro, “Você Sabe com quem Está falando?”. Também o filósofo, escritor e palestrante Mario Sergio Cortella discorreu sobre essa questão em seu livro "Qual é a tua obra: inquietações propositivas sobre gestão, liderança e ética". Cortella tem uma palestra disponível no YouTube na qual tratou desse tema nos dando uma solução brilhante e desconcertante. Sim, a arrogância da carteirada se faz presente no dia a dia do brasileiro. E ele nos deixa uma questão: "Por que tantas pessoas se “acham” superiores no universo de negócios e corporativo?"

E essa questão não é apenas exclusividade nas relações de trabalho, pois ela está presente nas relações consumeristas em diversas empresas sejam elas grandes magazines ou não e que adotam o lema “aqui o cliente nunca tem razão”; nas relações locatícias nas quais o locador se acha mais dono do locatário do que de sua propriedade; nas forças armadas, nas abordagens policias e até mesmo em algumas relações conjugais.

A solução para essa incômoda questão nas relações de trabalho, obviamente cabe ao setor de RH desenvolver políticas de conscientização entre os colabores que inclui gerentes, supervisores e até mesmo os diretores sócios-proprietários. O quadro de funcionários é o mais essencial capital humano que a empresa dispõe para atingir suas metas no mercado, enfrentar concorrentes e naturalmente obter os seus lucros. Com equipes ou funcionários desmotivados as metas se transformarão em estrondoso falhanço. Afinal, um  crachá plastificado pendurado no pescoço no qual está escrito "supervisor ou gerente" não pode significar salvo conduto que lhe outorgue título de propriedade para que ele tome posse de seu subordinado.

Já em outras situações, a questão da carteirada e da sensação de posse parece que a solução está longe de ser solucionada. Requer doses maciças de Educação que começa em casa naturalmente, requer banhos de verniz cultural, muito estudo e pesquisa de História de nosso passado e de nossa formação. No entanto, esses são produtos caros que parece que o brasileiro médio não está disposto a pagar, na verdade ele não os quer nem de graça.


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