segunda-feira, 22 de julho de 2019

O Trabalho Infantil volta à ordem do dia

Quando se fala em trabalho infantil o que exatamente nos vem em mente? Na mesma hora imaginamos uma criança carregando pesadas toras de lenha, com o semblante sofrido, descalça e com o rostinho sujo de fuligem, certo? Errado! Na verdade, o termo trabalho infantil produz um efeito brutal nas mentes das pessoas e imaginamos as piores condições de trabalho possíveis. Mas não é bem assim que a coisa se passa.

O tema voltou à tona nos últimos dias em razão do presidente Jair Bolsonaro ter abordado “in passant” o assunto numa entrevista concedida a jornalistas. Embora o presidente tenha afirmado que não pretende alterar absolutamente nada na legislação sobre o trabalho infantil, a simples menção ao tema causou uma celeuma que repercute até o presente momento. 

E para incrementar um pouco mais o debate, a excelente jornalista Leda Nagle defendeu o trabalho infantil com muita sensatez ao narrar a sua própria experiência quando começou a trabalhar com 10 anos de idade no armazém de seus pais, sendo que, tal experiência em nada afetou os seus estudos, pelo contrário.

Algo que não me canso em repetir em meus posts aqui é a mania do brasileiro ser contra ou a favor de alguma coisa, sobretudo em temas complexos. O trabalho infantil é uma questão que jamais pode ser analisada apenas pela rasa dicotomia do sim ou não, do ser contra ou a favor. Mesmo porque, o termo “trabalho infantil” é capcioso pois, tem uma força narrativa poderosa para fisgar os incautos e mal informados. O foco não deve ser o trabalho infantil, mas o tipo de trabalho que a “criança” está exercendo.

Ora, estamos cansados de ver crianças (até mesmo bebês) em novelas, filmes e na maioria das propagandas que passam na televisão. A cada cinco propagandas, pelo menos em duas temos a presença de crianças. Nesses casos pode? Ninguém fala nada? O Brasil está repleto de atores e modelos mirins, alguns até acabaram se tornando atores e atrizes de fama protagonizando novelas, comerciais e filmes.

Só para citar dois exemplos: alguém achou ruim de um garoto ser o ator principal do belíssimo filme Central do Brasil? E no filme Cidade de Deus, os atores mirins deram um show de interpretação e ninguém falou nada que se tratava de “trabalho infantil”.

É preciso olhar e julgar a questão com bastante sensatez. É óbvio que ninguém quer ver crianças, sobretudo em tenra idade trabalhando em serviços pesados e insalubres, danosos para a saúde e comprometendo os estudos ou formação. A Organização Internacional do Trabalho – OIT, tem duas Convenções, respectivamente a Convenção da Idade Mínima para Admissão no Trabalho nº 138 (1973) e a Convenção das Piores Formas do Trabalho Infantil nº 182 (1999), que tratam sobre o tema, ambas ratificadas pelo Brasil.

Vejamos então o que a OIT define como trabalho infantil em seu próprio site:

“Nem todo o trabalho exercido por crianças deve ser classificado como trabalho infantil. O termo "trabalho infantil" é definido como o trabalho que priva as crianças de sua infância, seu potencial e sua dignidade, e que é prejudicial ao seu desenvolvimento físico e mental. Ele se refere ao trabalho que:

É mental, física, social ou moralmente perigoso e prejudicial para as crianças;

Interfere na sua escolarização;

Priva as crianças da oportunidade de frequentarem a escola;

Obriga as crianças a abandonar a escola prematuramente ou;

Exige que se combine frequência escolar com trabalho excessivamente longo e pesado”.[1]

Vejamos agora o que diz o Artigo 3º da Convenção 182:


Para os fins desta Convenção, a expressão as piores formas de trabalho infantil compreende:

a) todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, como venda e tráfico de crianças, sujeição por dívida, servidão, trabalho forçado ou compulsório, inclusive recrutamento forçado ou obrigatório de crianças para serem utilizadas em conflitos armados;

b) utilização, demanda e oferta de criança para fins de prostituição, produção de pornografia ou atuações pornográficas;

c) utilização, recrutamento e oferta de criança para atividades ilícitas, particularmente para a produção e tráfico de entorpecentes conforme definidos nos tratados internacionais pertinentes;

d) trabalhos que, por sua natureza ou pelas circunstâncias em que são executados, são suscetíveis de prejudicar a saúde, a segurança e a moral da criança.

Mais claro do que foi está exposto na convenção em comento é impossível. Portanto, não há então que se fazer um barulho dos diabos quando um jovem ajuda seus pais em seu comércio. Ele vai aprender desde cedo a lidar com o público, fazer operações matemáticas, ter noção de contabilidade, de estoque, de controle, de compras e vendas. Com isso ele estará aprendendo a assumir responsabilidades e despertando de certa forma um espírito de empreendedorismo, coisas que normalmente não se aprende nas escolas de formação, pelo contrário, nos cursos de formação, sobretudo em Humanas,  empreendedor é tratado como vilão. 

Eu mesmo comecei a trabalhar com treze anos de idade como Office-Boy num escritório de contabilidade. Depois passei a Auxiliar de Departamento de Pessoal e o que eu aprendi ainda jovem das rotinas trabalhistas na prática, nem mesmo os cursos formais me ensinaram. Era perfeitamente possível conciliar e com certa vantagem em razão da função que eu exercia na época, o trabalho e os estudos. Certos tipos de trabalho até ajudam e refletem muito positivamente nos estudos.

Portanto, devemos ter muita cautela com estatísticas maquiadas e pesadamente de viés ideológico sobre o "trabalho infantil", pois estão bem distantes da realidade. Temos que saber discernir termos dúbios que se confundem, tais como, criança, trabalho infantil, condições de trabalho, limites de idade. São termos e palavras perigosas que se transformam em narrativas malignamente falaciosas e que fatalmente induzem ao erro e a julgamentos precipitados.
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[1] Organização Internacional do Trabalho - Brasília

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