segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Precisamos falar sobre a exploração de empregados

Este artigo nada tem a ver com a tão furada Teoria da Exploração (se é que isso pode ser considerada uma teoria) descrita pelo gigolô Karl Marx, teoria essa que já foi refutada e reduzida a pó de traque a mais de um século, embora ainda exista quem acredite em bicho papão. Na verdade, este artigo tratará da exploração real que se dá no dia a dia de uma empresa nas relações entre empregado e empregador e quais as opções de defesa possíveis, ou seja, quase nada a fazer, pelo menos nos casos em tela.

Darei apenas três exemplos para que o artigo não fique tão prolixo. Sempre deixei claro aqui, que esse tipo de situação ocorre em pequenas empresas, comércios de bairros e pequenas lojas em shoppings, normalmente geridas por familiares sem experiência em gestão administrativa. Esses pequenos empresários são muito mal assessorados pelos seus contadores, fato esse que testemunhei pessoalmente ao conversar com um desses... "contadores". 

Vamos então aos exemplos:

Primeiro exemplo: a situação real ocorre em um pequeno supermercado de bairro. Trata-se de um funcionário açougueiro desossador que ao mesmo tempo exerce as funções de padeiro, confeiteiro, cuida do setor de laticínios fatiando frios para os clientes, descarrega os caminhões de entrega de mercadorias, repõe os produtos (latarias, sacarias, etc.) nas gôndolas e ainda é responsável pela compra das carnes e derivados. Sim, esse funcionário existe e quanto ele recebe? Um salário, no caso, o piso normativo da categoria que está em torno de R$ 1.200,00 reais, nada além disso. Não há pagamento de horas-extras embora ele as faça com frequência. A empresa não oferece nenhum tipo de benefício.

Segundo exemplo: a situação real é numa loja de shopping (um dos mais luxuosos  da cidade, por sinal) que vende produtos de grifes famosas. A loja abre às 10:00 horas, porém a vendedora tem que chegar às 9:00 horas. Para que? Para fazer a faxina da loja! Limpar e deixar a vitrine brilhando, passar pano no chão, lavar o banheiro, espanar e lustrar os balcões. Feito isso, ela tem que abrir o caixa (se faltar dinheiro a empregadora sempre desconta de seu salário!) e estar limpinha, maquiada e perfumada para atender a clientela. Levando-se em conta que ela sai de sua casa às 6:00 horas da manhã e utiliza duas conduções lotadérrimas para chegar até o trabalho. Ela recebe um salário mínimo mais 1% de comissão sobre as vendas. Também não recebe hora-extra e zero de benefícios.

Terceiro exemplo: é o mais comum e de conhecimento geral, pois ele ocorre em diversas residências. Trata-se das empregadas domésticas que exercem muitas vezes as funções de faxineira, lavadeira, passadeira, cozinheira, babá e até mesmo de cuidadora de idoso, tudo num mesmo dia e pago com um só salário mínimo.

Eu entrevistei os dois primeiros e também conversei com algumas domésticas. Um ponto em comum que permeia nos três casos é a alegação do desemprego e da enorme dificuldade em obter outra colocação no caso de demissão. Por isso se submetem a executar o que o patrão mandar, ainda que não tenham prática naquelas funções. Nem sabem se tais funções constam no contrato de trabalho, apenas executam. Todos têm filhos e algum membro (ou até mais do que um) na família que está desempregado.

Em todos essas situações citadas, temos naturalmente a presença do acúmulo de função e também do desvio de função ao mesmo tempo. São situações absurdas e gritantes de exploração e que ferem a dignidade humana do empregado.

Mas e o que diz a tão queridinha CLT a respeito disso? Ela diz o seguinte: “Dane-se empregado desgraçado”. Claro que não nesses termos, mas dá no mesmo, vamos lá:

Artigo 456 § único: À falta de prova ou inexistindo cláusula expressa a tal respeito, entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal.

Artigo 818. A prova das alegações incumbe à parte que as fizer.

Pior ainda, é a Emenda 150/2015, que rege o trabalho doméstico e que é totalmente omissa no que diz respeito às funções de uma empregada doméstica. Por conseguinte, essa omissão dá margem ou entendimento para que essa profissional exerça diversas funções e receba apenas uma remuneração para exercê-las. A lei não diz a partir de qual ponto o trabalho da doméstica passa a ser considerado desvio ou acúmulo de funções.

Não há nada na legislação trabalhista que estabeleça um adicional de acúmulo de funções. Essa questão é arbitrada pelo juiz quando há demanda trabalhista reclamando o adicional. Ou então quando existe cláusula em acordo coletivo especificando um adicional nos casos de desvio ou acúmulo de funções. Até hoje conheci no máximo três acordos coletivos que dispunham dessa cláusula.

Soluções? Nada animadoras. Vejamos:

Bem, em primeiro lugar existe a opção da rescisão indireta, ou seja, de peticionar a justa causa contra o empregador, conforme artigo 483, alínea “a” da CLT. Ora, mas que empregado em sã consciência ousa demandar o seu empregador se ainda faz parte do quadro de funcionários? É um fato bastante incomum de ocorrer.

Há uma Súmula do TST, nº 125 SDI-1: O simples desvio funcional do empregado não gera direito a novo enquadramento, mas apenas às diferenças salariais respectivas, mesmo que o desvio de função haja iniciado antes da vigência da CF/88.

Detalhe: essa Súmula só é invocada em alguns casos específicos, por exemplo, quadro de carreira.

O artigo 8 em seu parágrafo único da CLT diz: O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.

Então vamos a ele:

Artigo 884 do Novo Código de Processo Civil. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

Normalmente, as reclamações trabalhistas de acúmulo e desvio de funções são feitas quase sempre após a demissão do empregado. Uma ação dessas requer a anexação de fartas provas documentais (artigo 818 – CLT e 333 do CPC) e pelo menos duas testemunhas idôneas. No entanto, a maioria das decisões trabalhistas nessa questão é desfavorável ao reclamante, justamente por não existir na legislação uma orientação sólida e clara sobre adicionais pelo acúmulo ou desvio de funções, pelo contrário, o maldito artigo 456 da CLT é sempre invocado em todas as decisões.

Temos os tribunais arbitrais. Entretanto, o Tribunal Arbitral se declara incompetente e ilegítimo para atuar em demandas trabalhistas se o contrato do empregado ainda estiver vigente. A procura pelo Tribunal Arbitral só pode ocorrer após a extinção do vínculo empregatício. Porém, não deixa de ser uma boa opção após o desligamento do empregado.

Na verdade, a melhor opção para uma questão como essa, entre tantas outras da esfera trabalhista ainda não a temos pois, ela se encontra fora do estado, para o desespero dos estatistas e dos defensores do direito positivo. Refiro-me às leis privadas (não positivadas), do tipo “Common Law”, aplicadas por tribunais privados, cujas leis sejam dedutíveis da natureza e da razão, a saber, do jusnaturalismo e do jusracionalismo. Mas isso é tema para um outro artigo.

Diante dos fatos expostos, está provado que o direito positivo se revela absolutamente incompetente para solucionar questões trabalhistas e de outras esferas também. A dinâmica do mercado do trabalho atual clama por soluções vindas de leis privadas, que se adaptam às demandas do livre mercado e das relações de trabalho naturalmente voláteis. Cedo ou tarde elas virão, é apenas uma questão de tempo. 

As legislação trabalhista positivada está se lixando tanto para empregados e empregadores, o que mais importa são os escorchantes encargos recolhidos e a única resposta que ela oferece para os dois lados é sempre a mesma e que já citei em outros artigos:

"Perdeu, playboy"

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