"uma lei injusta simplesmente não é lei" - Santo Agostinho
Acaba de sair da fornalha louca cuspidora de leis, a Lei nº 18.058/05/2024, que proíbe o uso de celulares e outros dispositivos eletrônicos que tenham acesso à internet em salas de aula. Sancionada pelo governador Tarcísio de Freitas, a dita cuja foi publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo em 07/12/24. Ainda ardendo em brasa e soltando fumaça, já está torrando os miolos de muita gente e dividindo opiniões. Como a maioria das leis brazucas, ela mais obscurece do que clareia, mais retroage do que avança no que tange às questões pedagógicas. Vejamos:
Na verdade essa lei é uma atualização da Lei nº 12.730, de 11 de outubro de 2007 que dispõe sobre o uso de celulares no ambiente escolar. Vamos analisar os dois principais artigos que tiveram as redações alteradas:
Artigo 1º
Fica proibida a utilização de celulares e outros dispositivos eletrônicos pelos alunos nas unidades escolares da rede pública e privada de ensino, no âmbito do Estado de São Paulo.
Parágrafo único - Para os fins desta lei, consideram se dispositivos eletrônicos quaisquer equipamentos que possuam acesso à internet, tais como celulares, tablets, relógios inteligentes e outros dispositivos similares.
Artigo 2º - Os estudantes que optarem por levar seus celulares e outros dispositivos eletrônicos para as escolas deverão deixá-los armazenados, de forma segura, sem a possibilidade de acessá-los durante o período das aulas, assumindo a responsabilidade por eventual extravio ou dano, caso exerçam essa opção.
§1º - Nos casos referidos no caput deste artigo, as secretarias municipais, bem como a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo e as escolas da rede privada, deverão estabelecer protocolos para o armazenamento dos dispositivos eletrônicos durante todo o horário escolar.
Bem, vimos que a lei abrange escolas públicas e privadas e aqui já começa o imbróglio. Em tese (em tese!), alunos de escolas particulares não têm problemas em cumprir ou obedecer regras; por outro lado, alunos de escolas públicas e que residem na periferia da capital tendem a ser mais refratários em cumprirem regras. Então, há que se perguntar: como o professor vai lidar com alunos relapsos e rebeldes? Esta aí uma tremenda batata quente para o professor segurar. E em caso de desobediência persistente por parte dos alunos? A lei é omissa quanto a essa questão.
Como serão os protocolos estabelecidos pela Secretaria de Educação para o armazenamento dos aparelhos, que é bom lembrar, não são apenas celulares, mas qualquer outro dispositivo que tenha acesso à internet? Como e em que condições os dispositivos ficarão armazenados?
E a cereja amarga do bolo é que em caso de dano ou extravio desses dispositivos o Estado lavou as mãos imundas como sempre atribuindo a responsabilidade total do prejuízo nas costas do aluno, o que significa a conta bancária dos pais. Risadas? Aplausos? Devemos aplaudir isso sorrindo e ajoelhados?
Num primeiro momento, muitos professores, pais de alunos e mesmo alguns alunos acenaram positivamente com essa lei da proibança (essa palavra inventei agora), porém parece-me que existe um contingente bem maior desfavorável a essas medidas restritivas e invasivas. Quando um eleitor vota em determinados políticos não é naturalmente para receber na cara leis violentas desse teor.
É óbvio que a utilização de celulares em sala de aula é prejudicial e desvia sobremaneira a atenção dos alunos, existem inúmeros estudos científicos que comprovam esse fato. No entanto, apresentar uma lei com esse teor é absolutamente descabido, invasivo e de uma extrema violência que alcança um bem privado de alto valor e que hoje representa um acessório indispensável na vida das pessoas, sobretudo de jovens estudantes. Não cabe ao Estado legislar sobre bens privados.
Antes de baixar uma lei violenta como essa, fazer uma pesquisa de como outros países lidaram com essa situação seria o mínimo a fazer. Trata-se de uma questão que requer um longo estudo minucioso na intenção de encontrar alternativas possíveis que não interfiram no projeto pedagógico, não prejudiquem alunos e não coloquem em risco a integridade física dos professores. Reiterando aqui que essa batata quente vai acabar nas mãos dos professores que diga-se de passagem já sofrem demais em salas de aula com alunos indisciplinados e violentos.
Portanto, até que essa lei bizarra seja reformada ou até mesmo revogada, que o remédio prescrito por Henry David Thoreau, a desobediência civil venha ao socorro dos alunos em sua forma mais pacífica que consiste em não cumprir leis injustas que estejam em desacordo com a lei moral. A LEI MORAL antecede qualquer lei positivada porque àquela não pode existir sem esta. O bom legislador é aquele que ao invés de criar leis bizarras revoga as injustas que já existem. Essa lei não vai pegar como muitas outras leis pífias que não pegaram. Se o objetivo de uma lei é aplicar a justiça, quando ela é injusta ela se torna uma não-lei e assim sendo, não deve ser cumprida simplesmente porque ela já nasceu natimorta.
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